A alma é um cenário.
Por vezes, ela é como uma manhã brilhante e fresca,
inundada de alegria.
Por vezes ela é como um pôr do sol...
triste e nostálgico.

-Rubem Alves-

Seja bem-vindo. Hoje é
Deixe seu comentário, será muito bem-vindo, os poetas agradecem.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

NOITE



Da tarde os vivos e áureos esplendores
No véu crepuscular se vão turvando.
Luz de um flébil clarão fugace e brando
Derrama o Sol nos últimos palores.

Os alados e prófugos cantores
Buscam seu ninho, lépidos, em bando ...
O velho mar, soturno, está rezando
Uma oração feita de mágoa e dores.

É noite. A treva estende-se na terra ...
Cessa da vida a atrabiliária guerra ...
E a via-láctea pelo espaço mudo,

Lembra a espuma da fervida cascata,
Lembra uma faixa alvíssima de prata
Sobre um pedaço negro de veludo.

Arthur de Salles
in Sete Tons de Uma Poesia Maior

A NOITE, O MAR, OS MORTOS




Desces trágica e bela, as águas abraçando,
Com os teus braços,
Negra, o manto arrastando ...

Um cicio de brisa. Um canto, uma plangência,
Um longe quebro ...
Num som rouquenho e crebro,
Ferindo a água, que fervida marulha
E ressoa no esteiro que borbulha
Aljofrado ...

O vento, agora, esperta e assalta a vaga e freme
O velame bojado.

E esse marulho sobe : é a voz dos mortos,
Dos que foram dormir no fundo sorvedouro
Longe dos amados portos.

Sepulturas sem cruz, sem nomes e sem datas! ...
Por isso é que, piedosa, ó noite, a flux desatas,
Sobre as covas do mar, goivos e rosas de ouro! ...


Arthur de Salles
in Sete Tons de uma Poesia Maior

TRISTES E ALEGRES...


(Viktor Vasnetsov)


Resposta a versos de Arthur Miranda


Tu, jucundo cantor das alegrias,
alma forrada de estendais de luz,
que não levas das torvas agonias
a desumana e pungitiva cruz,

vai da existência pelo trilho brando
cantando o sol que te redoura a fronte!
Alegre hás de sentir todo o horizonte,
enquanto, alegre, fores tu andando...

Felizes esses que não têm a funda
tortura atroz da idéia, que, cruel,
mesmo os sorrisos da ventura inunda
de um ressaibo amaríssimo de fel!

E olha: eu não amo os velhos romantismos,
que usam do pranto, como jóia cara,
E cujas rimas de perícia rara
são crises vãs de sentimentalismo.

Vejo a miséria, a insipidez da vida,
que é como um verde e pútrido Paul,
e sei que é sobre nós a desmedida
curva do céu: uma mentira azul.

Então eu vergo irremíssivelmente
-sem que a tal mágoa possa achar remédio-
ao negro peso colossal do tédio
por tudo quanto minha vista sente.

E, pois, se creio todo o mundo triste,
é que a Tristeza na minnh’alma habita;
nela, entre escombros, funeral, crocita
um corvo: o Spleen que dentro em mim existe.

Medeiros e Albuquerque

Ayer




Ayer pasó el pasado lentamente
con su vacilación definitiva
sabiéndote infeliz y a la deriva
con tus dudas selladas en la frente

ayer pasó el pasado por el puente
y se llevó tu libertad cautiva
cambiando su silencio en carne viva
por tus leves alarmas de inocente

ayer pasó el pasado con su historia
y su deshilachada incertidumbre/
con su huella de espanto y de reproche

fue haciendo del dolor una costumbre
sembrando de fracasos tu memoria
y dejándote a solas con la noche.

Mário Benedetti
Uruguay-1920

La calle



Es una calle larga y silenciosa.
Ando en tinieblas y tropiezo y caigo
y me levanto y piso con pies ciegos
las piedras mudas y las hojas secas
y alguien detrás de mí también las pisa:
si me detengo, se detiene;
si corro, corre. Vuelvo el rostro: nadie.
Todo está oscuro y sin salida,
y doy vueltas y vueltas en esquinas
que dan siempre a la calle
donde nadie me espera ni me sigue,
donde yo sigo a un hombre que tropieza
y se levanta y dice al verme: nadie.

Octávio Paz
Máxico(1914-1998)

Con la primavera



Con la primavera
Viene la canción,
La tristeza dulce
Y el galante amor.

Con la primavera
Viene una ansiedad
De pájaro preso
Que quiere volar.

No hay cetro más noble
Que el de padecer:
Sólo un rey existe:
El muerto es el rey.

José Martí
Cuba

Debussy



Mi sombra va silenciosa
por el agua de la acecia.

Por mi sombra están las ranas
privadas de las estrellas.

La sombra manda a mi cuerpo
reflejos de cosas quietas.

Mi sombra va como inmenso
cínife color violeta.

Cien grillos quieren dorar
la luz de la cañavera.

Una luz nace en mi pecho,
reflejado, de la acequia.

Frederico Garcia Lorca
Espanha

The Wind, One Brilliant Day



The wind, one brilliant day, called
to my soul with an odor of jasmine.

"In return for the odor of my jasmine,
I'd like all the odor of your roses."

"I have no roses; all the flowers
in my garden are dead."

"Well then, I'll take the withered petals
and the yellow leaves and the waters of the fountain."

the wind left. And I wept. And I said to myself:
"What have you done with the garden that was entrusted to you?"


Antonio Machado
Spain(1875-1939)

Yo Voy Soñando Caminos




Yo voy soñando caminos
de la tarde. ¡Las colinas
doradas, los verdes pinos,
las polvorientas encinas!…
¿Adónde el camino irá?
Yo voy cantando, viajero
a lo largo del sendero…
-La tarde cayendo está-.
"En el corazón tenía
la espina de una pasión;
logré arrancármela un día;
ya no siento el corazón."

Y todo el campo un momento
se queda, mudo y sombrío,
meditando. Suena el viento
en los álamos del río.
La tarde más se oscurece;
y el camino que serpea
y débilmente blanquea,
se enturbia y desaparece.

Mi cantar vuelve a plañir;
"Aguda espina dorada,
quién te pudiera sentir
en el corazón clavada."

Antonio Machado
Espanha- (1875-1939)

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Fila Indiana



Um atrás do outro, atrás um do outro,
ano após ano, ano após outros,
minuto após minuto, século
após séculos, continuam

(a conduzir seus madeiros
na perícia dos próprios dramas)

um atrás do outro, atrás um do outro,
ano após ano, ano após outros,
minuto após minuto, século
após séculos, e de novo

um atrás do outro, atrás um do outro,
até a surdez final do pó.

Nauro Machado

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

CENÁRIO



Tudo é só, a montanha é só, o mar é só,
A lua ainda é mais só.
Se encontrares alguém
Ele está só também.

Que fazes a estas horas nesta rua?
Que solidão é a tua
Que te faz procurar
O cenário maior,
O de uma solidão maior que a tua?

Dante Milano

Praia Deserta



Estar só, numa praia deserta.
Ter diante dos olhos uma paisagem eterna,
Pisar na orla da espuma.
Tocar com as mãos um rochedo.

Ficar parado, contemplando o espaço!

Olhar as estrelas, deitado na areia...

Dormir debaixo da lua,
No chão do mundo.


Dante Milano

AO TEMPO



Tempo, vais para trás ou para diante?
O passado carrega a minha vida
Para trás e eu de mim fiquei distante,

Ou existir é uma contínua ida
E eu me persigo nunca me alcançando?
A hora da despedida é a da partida

A um tempo aproximando e distanciando...
Sem saber de onde vens e aonde irás,
Andando andando andando andando andando

Tempo, vais para diante ou para trás?


Dante Milano

MÚSICA SURDA



Como num louco mar, tudo naufraga.
A luz do mundo é como a de um farol
Na névoa. E a vida assim é coisa vaga.

O tempo se desfaz em cinza fria,
E da ampulheta milenar do sol
Escorre em poeira a luz de mais um dia.

Cego, surdo, mortal encantamento.
A luz do mundo é como a de um farol...
Oh, paisagem do imenso esquecimento.


Dante Milano

Os telhados




Sobre este campo vermelho
que o tempo pasta,
o passado é lento rebanho
retouçando nuvens brancas.

Andorinhas seculares
ondeiam no verão supremo
e o musgo denuncia aos ares
que o tempo se fez eterno

Torna viagem

Parasse o rio onde foi fonte,
ficasse a fonte onde foi nuvem,
voltasse o mar onde foi rio
para que o rio fosse chuva...

Assim esta rosa de outono
que já vai sendo minha vida,
seria folha, caule, seiva
e raiz da infância perdida!

Bandeira Tribuzi

XIX



Já a noite raiou. Vagos silêncios
que nuvens foram já. Melancolia
do tempo que se foi, como a luz do dia
no remanso das águas de setembro.

Acendem-se receios nas esquinas.
Os sons da claridade estão suspensos
na distância que foge. Do que lembro
farei suaves coisas pequeninas.

Como um beijo ou um sonho ou um suspiro.
No que não lembro serás o que sonho.
E bóia em tudo a noite a que retiro

o poema da vida. E posto a bordo
desta nau inventada ao mar me atiro
e do sono da vida então acordo.


Bandeira Tribuzi

domingo, 22 de fevereiro de 2009

Saudade Marinha




E entre nós, era o mar. O mar perdido,
Longínquo, soluçante, ilimitado
E azul, como a canção de ser amado
E longo como o olhar em ti vertido.

Das nuvens o navio desmedido
Aumentava a distância e o som magoado
Do mar adivinhado era o gemido
Que em teu longo silêncio havias dado.

Ó mar sem termo, cessa tuas ondas
E o distante horizonte e esta amargura
E este verde soluço de ansiedade,

Até que sua música responda
E eu reconheça a voz amiga e pura
Vencendo a maré alta da saudade.


Bandeira Tribuzi
(1927-1977)
Maranhão

(excerto)

Que pode fazer o homem
contra a solidão do homem?

Que pode fazer a fala
dentre a aurora na garganta,
se há a noite de uma bala,
se há a noite que navalha
quem sobre ela se levanta?

Que pode fazer um homem
contra a solidão do homem?

Na trincheira do universo,
sopra a noite, tomba a fala:
que pode fazer um homem
pela solidão do homem,
contra a solidão da bala?

Nauro Machado
in Segunda comunhão
(Maranhão)

sábado, 21 de fevereiro de 2009

CASA VAZIA



Poema nenhum, nunca mais,
será um acontecimento:
escrevemos cada vez mais
para um mundo cada vez menos,

para esse público dos ermos
composto apenas de nós mesmos,

uns joões batistas a pregar
para as dobras de suas túnicas
seu deserto particular,

ou cães latindo, noite e dia,
dentro de uma casa vazia.

Alberto da Cunha Melo

'Pela noite à eterna dor se chega'




Pela noite à eterna dor se chega
cruel é a terra, diversa terra
quando teu rosto se esvai
e a névoa com voz de pranto
cai jamais leve sobre nós.

De breve uso, cresce no peito
uma tímida pálida alegria
precioso corpo luz, borboleta
de asas nítidas e tranquilas
que vigia o coração dos mortos.

Diz-me secretas brandas palavras
porque sou refúgio e escombro
de um vasto dia, áspero exílio
nas suaves sílabas de precisos
e curvos juncos, clarão sem sol.

Desce então pelo fulgor da luz
espírito suspenso em minhas mãos.
A espera é movimento cego.
Desce, sonâmbulo, extenso amor.


Ana Marques Gastão
In ‘Noturnos’ (2002)

ARGUMENTO INICIAL




A Verdade existe. Como encontrá-la?
No gesto azul das flores? – Entretanto,
a flor é a alma que perdeu o encanto
e dorme. Só o amor há de acordá-la.

Por que a Verdade não se diz no canto
do pássaro? – Ninguém lhe entende a fala;
se ela se desse a quem tenta alcançá-la,
seria um corpo que despiu o manto,

não a Verdade há tanto desejada.
Seu gesto incontrolável, todavia,
começa em nós e está no outro hemisfério,

no fundo da manhã carbonizada.
Tudo em vão. Nenhum “sézamo” abriria
as portas imantadas do mistério.


Colombo de Sousa
In: Estágio

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

CANTIGA DO ECO



Deixei o rasto no silêncio
jamais vi de que lado cresço;
mas ando em bocas sem silêncio,
onde esqueci o meu começo;


risco metáforas com a bota
do Vento. Aonde vou, componho
a fisionomia remota
achada no Reino do Sonho;


ir ou ficar! – me quebro em mim
entre as curvas do movimento
e, ao olhar-me, descubro em mim
mãos vazias, dedos de vento.


Colombo de Sousa
In: Estágio 1964

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009



Antes que venham as primeiras chuvas
acender
Amarelas flores entre os rochedos
E o céu se torne móvel de compridos pássaros
E todo o chão se cubra do verde novo
Do capim
Saberás pelo vento que chegaste ao fim.


José Eduardo Agualusa

IRONIA DO TEMPO



Que ironia tem o tempo misterioso
Que diz que passa velozmente sempre andando,
Mas afinal esse tempo é mentiroso,
Porque ele fica e a gente é que vai passando !...

Dizem que é velho, mas o tempo é sempre novo.
Não tem idade, pois ninguém o viu nascer,
Tal como o enigma da galinha e do ovo,
Não sabe ao certo se existia antes de o ser!...

Comanda tudo sem ter dó nem piedade
E eu perplexo fico olhando sem o ver
Imutável e, sempre em celeridade.

Rendo-me enfim, pois não sei compreender,
Apenas sinto com toda a fragilidade,
Que o tempo é rei ... e de rei tem o poder !...

Euclides Cavaco
(Portugal-Canadá)

CIRANDA


(Severino Ramos)

Eu passei por aqui . . . Fico lembrando
um instante, uma hora de algum dia
onde o giro da vida, cirandando,
era festa de luz e de alegria.


Eu passei por aqui, feliz, cantando . . .
Mas, das lindas cantigas que sabia,
foram adormecendo, nem sei quando,
as palavras, o tom, a melodia.


O tempo segue, mas eu vou de volta
-a saudade por guia e por escolta –
aos caminhos azuis que percorri.


Ah! os longes da vida! . . . e as lembranças,
qual uma alegre ronda de crianças,
refazem a ciranda que perdi.


Graciette Salmon
In: Ciranda

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

PAISAGEM PARA O SONÂMBULO



IX


O homem foi verdadeiro enquanto não
olhou o espelho. – O que era um só, depois
(pasmo ao sentir-se dividido em dois)
não pôde achar-se, procurou-se em vão.

Para abrigá-los em sua solidão.
a alma partiu a túnica entre os dois;
talvez antípodas no espelho, pois
vão sem saber por que caminhos vão.

Mas quem será o recém-chegado? – Seu
mudo olhar se procura no vazio.
-Onde ele está? Onde me encontro eu? –

Quando penso alcançá-lo já seguiu;
e fica, em seu lugar, somente o meu
rosto branco de quem nunca se viu.

Colombo de Sousa
in: Estágio

ESTRELAS APAGADAS




Elle vous servira, la foi dans cette fable,
D‘étoile à votre chemin.
JEAN RICHEPIN



Cândida estrela, que no etéreo espaço
brilhas com luz encantadora e viva
e atrás da qual minh’alma pensativa
do céu se lança pelo azul regaço,

quando, às vezes, te fito, em mim se aviva
um pensamento nebuloso e baço
e eu cismo que talvez o último passo
nas órbitas do azul deste, cativa,

e hoje essa luz, a luz que nos envias
-astro apagado do correr dos dias-
teu morto foco nem sequer a tem!

Então minh’alma, desprendida, pensa
que inda perdura o rutilar da Crença
e Deus – seu foco – se extinguiu também!


Medeiros e Albuquerque
In: Canções da Decadência e Outros Poemas

EMBARQUE



O que deixo:
verde solidão
da raiz ao cabelo.

O que deixo:
vértebras do tempo,
desigual fermento.

O que deixo:
bala no verão,
cobra no inverno.

O que deixo:
gemido e agulha
ensacando ventos.

O que levo:
frutos de ouro
romaria e desterro.

O que levo:
sonhos e erros
do horizonte maciço.

Da árvore e seu resumo
os vícios do mundo
medos e sonhos

no velho pensamento.

Cyro de Mattos

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Sinto na Angústia o Quem me Lembrasse



Sinto na angústia o quem me lembrasse
e do lembrar a mim como uma ponte
onde de noite já ninguém passasse
viesse a notícia desse outro horizonte

em que o meu grito preso na garganta
dissesse à voz que não ouvi e veio
quanto cansaço inverosímil, quanta
fadiga me enternece como um seio.

Vibrátil voga vaga pela tarde
que em cigarros distrai o eu estar só
a chama obscura que visível arde
quando arde ao sol o pó.


Vergílio Ferreira,
in 'Conta-Corrente 1'

Fímbria de Melancolia



Fímbria de melancolia,
memória incerta da dor,
ouço-a no gravador,
no fado que não se ouvia
quando ouvia o seu clamor.

Porque era já no passado
o presente dessa hora
e que me ressoa agora
a um outro mais alongado.

Assim a dor que se sente
no outro obscuro de nós
nunca fala a nossa voz
mas de quem de nós ausente,
só a nós próprios consente
quando não estamos nós
mas mais sós do que ao estar sós.

Onde então estamos nós?


Virgílio Ferreira,
in 'Conta-Corrente 1'

Só nos Pertence o Gesto que Fizemos



Só nos pertence o gesto que fizemos
não o fazê-lo como, iludida,
a divindade que em nós já trouxemos
supõe errada (e não) por convencida.

Porque o traçado nosso em breve cessa,
para que outro o recomece e não progrida;
que um gesto em ser gesto real se meça,
não está em nós fazê-lo, mas na Vida.

Assim o nada a sagra quando finda
porque o que é, só é o não ainda.


Vergílio Ferreira,
in 'Conta-Corrente 1'

Cai a Chuva Abandonada



Cai a chuva abandonada
à minha melancolia,
a melancolia do nada
que é tudo o que em nós se cria.

Memória estranha de outrora
não a sei e está presente.
Em mim por si se demora
e nada em mim a consente

do que me fala à razão.
Mas a razão é limite
do que tem ocasião

de negar o que me fite
de onde é a minha mansão
que é mansão no sem-limite.
Ao longe e ao alto é que estou
e só daí é que sou.


Vergílio Ferreira,
in 'Conta-Corrente 1'

Que Há para Lá do Sonhar?



Céu baixo, grosso, cinzento
e uma luz vaga pelo ar
chama-me ao gosto de estar
reduzido ao fermento
do que em mim a levedar
é este estranho tormento
de me estar tudo a contento,
em todo o meu pensamento
ser pensar a dormitar.

Mas que há para lá do sonhar?


Vergílio Ferreira,
in 'Conta-Corrente 1'
Portugal-(1913/1996)

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

AFINIDADE


Krabi, Thailand


Na imensidão da praia
há um bloco de granito,
solitário,
apontando o infinito.
Em suave carícia
uma alga-marinha o enlaçou.
Abraço eletivo.
Ao sopro da brisa, o vegetal murmura,
afinando a voz ao doce marulhar
das águas mansas.
Um dia, vagas impetuosas,
em doidos arremessos
lançam-se à praia
e arrebatam do granito a companheira...

Só então, o minério sente
sua condição de pária.
Percebe o significado real do isolamento.
E como antena prodigiosa
continua apontando o infinito,
na ânsia indomável de captar mensagens...
Eflúvios de amor que se evolam
da alga-marinha – a rolar
e se debater entre vagas e rochedos.
Mas, lá nas alturas,
enquanto a planta fenece...
eleva-se um clarão de luz sideral!
Sons magníficos alçam-se aos ares...
A antena vibra!
E a alma da pedra canta – em surdina –
a mesma canção da alga-marinha.


Pompília Lopes dos Santos
1.900-Paraná

Soledade



Nunca mais nos veremos. Nesta vida
nossos caminhos não se encontram mais,
seja longa e jornada, ou resumida,
carregada de risos ou de ais.


Não sei de ti, de teu viver, tua lida,
se te alcançaram beijos ou punhais;
e não sabes se vou, sombra perdida,
pisando sobre estrelas ou roçais.


A dor é inútil, a esperança é vã:
não temos o claror de um “amanhã”
rasgando a escuridão do desconforto.


Nunca mais nos veremos. A Saudade
-traço de união em nossa Soledade –
estende as asas sobre o Sonho morto.


Graciette Salmon
In: A Vida Por Dentro

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

O tempo o homem



A Roberto La Rocque Soares

O tempo faz o homem que faz o tempo
Faz tempo
O homem que constrói o tempo
Que destrói o homem
Só a Era faz-se
Heras destruindo o tempo o homem
a casa
velhas paredes
azulejos
limo
A Ampulheta: o testemunho, a arte
Os ciclos, os séculos
A hera decora o muro
O tempo decora o homem
que colora o tempo
descolora
Só o artista faz a Hora

Max Martins
Pará
(1.923-2.009 )

Amargo




Há um mar, o dos velames,
das praias ardendo em ouro.

Há outro mar, o mar noturno,
o das marés com a lua
a boiar no fundo
o mênstruo da madrugada.

E afinal o outro, o do amor amargo,
meu mar particular, o mais profundo,
com recifes sangrando, um mar sedento
e apunhalado.

Max Martins

Saltimbanco


("Les Saltimbanques" Marc Chagall-1.963)


O não mais espumoso vinho dos abismos
O cauterizado testemunho de um instante de beleza:
O ritmo do oceano
O palco
e a metade da cama para o falso poema
O saltimbanco

Ou o sangramento
da perda de um deus a cada assalto
O cadafalso
O semidestroçado frêmito de um destino cego de antemão
O não mais aceito rito do ofício O ofício:
esta rasura do corpo sendo esquecido
O esquecimento
O desabitado segredo das palavras

Max Martins
1923-2009
Pará- Barsil

Estrelas hão de lembrar



O mar me ultrapassa.
Mas ondas haverão de contar
Aos ouvidos que lá pousarem
Que um dia sonhei no mar.

O céu não vai se importar
Quando eu monge de meu hábito partir.
Mas estrelas enquanto restarem
Hão de lembrar
Que um dia me puseram feliz.

A terra , é fato, há de me subtrair.
Mas a árvore que me deitou raiz
E as cores
Que em meu tempo colhi
Estas eu levo comigo
Ninguém há de tirá-las de mim.

Fernando Campanella

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009


A mi madre


¿Dónde aprendiste a borrar las lágrimas?-
¿A soportar el dolor en secreto?
Ocultar en tu corazón la queja,
el sufrimiento, el llanto, el tormento...
¡Escucha el viento!
Desgañitado
brama en la garganta, en las montañas.
Mira el mar...
con ira destructora azota los dones de las rocas.
Toda la naturaleza se agita, tiembla.

Hannah Szenes
(Heroine and Poet Jewish)
Hungary 1921-1944

domingo, 8 de fevereiro de 2009

CREPÚSCULO



Ya del dulce crepúsculo
Hanse extendido los flotantes velos,
Gime el triste zorzal en la espesura,
Manso susurra en el follaje el viento.

En esta hora es el campo
Un edén de belleza incomparable,
Todo en él es sosiego, todo es calma,
Muere la luz y las tinieblas nacen.

De pálidas estrellas
A bordarse principia el firmamento,
El ángel renegrido de la noche
Sus alas de azabache ya está abriendo.

Mil níveas azucenas
Inundan de perfume el tibio ambiente,
Y el frondoso rosal rico de savia
Al peso de sus flores desfallece.

Varias flores nocturnas
Los broches de sus cálices desprenden,
Y áureos lampos semejan las luciérnagas
Entre las sombras que la noche extiende.

¿Qué atracción misteriosa
En esta hora indefinible encuentro?
¿Por qué a la viva luz del mediodía
Sus tenues resplandores yo prefiero?

Porque el crepúsculo en sus leves gasas
Guarda un algo sombrío, un algo tétrico,
Y en lo triste y sombrío siempre existe
La belleza que atrae en lo funéreo,

En las tinieblas de la noche oscura,
Y en lo insondable del abismo inmenso,
¡La belleza más grande y atrayente,
La sublime belleza del misterio!

Delmira Agustín

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

AS ESTRELAS DO LAGO



Havia, ontem à noite, tanta estrela
A tremer, a luzir n’água do lago,
Que eu pensei que era o céu
Que, por artes de algum mago,
Tinha descido à terra, de repente! ...
Parei-me junto ao lago, contemplando ...
E as estrelas, uma a uma,
Como espuma,
À flor d’água tremiam, refulgiam ...
Mas pouco a pouco foram reduzindo
O seu brilho,
E desapareceram ...

Olhei o céu: Lá estavam todas elas
A tremer, a brilhar! ...
Por certo riam
Da minha ingênua confusão ...
Que importa! ...
As estrelas do céu também se apagam.

Poeta:Terra e céu cabem juntos
Dentro do mesmo sonho e da mesma ilusão ...



Emilio Kemp
in Cantos de Amor ao Céu e à Terra

OUTONO



Vem. Fica ao meu lado ... Há uma calma outonal
Que diz bem, meu amor, com os nossos dias ...
Já não se avistam mais os céus de fogo
Na pompa vesperal do estio ardente.
A tarde se dilui em gradações suaves,
Em matizes sutis, esvanescentes ...
Dir-se-ia uma violeta que se fecha
Longe do sol ... Perdendo a cor ... Morrendo! ...

Repara como é bom este perfume!
Um perfume diluído em lilases ...
Perfume imaterial! Olor que não existe,
Mas que tu sentirás, tal qual eu sinto:
Caricioso, envolvente, adormecente!
Perfume da nossa íntima ternura ...

Agora, meu amor, nossa estima se casa
Com esta paz sideral, macia e branda
Como o frouxel de um ninho acolhedor ...
Eu te olho de outra forma. E outra doçura
Tem teu olhar tranqüilo, repousado,
Que já não trai os estos da paixão ...
Nossas mãos se procuram, se acarinham,
E se deixam ficar entrelaçadas
Na muda confidência enternecida
Do amor que tudo tem e chega ao termo
Celebrando as vitórias alcançadas
Nas refregas do tempo percorrido,
E que podemos relembrar felizes
Entre os vapores de perfumes místicos
Desta paz outonal dos nossos dias.


Emilio Kemp
in Cantos de Amor ao Céu e à Terra

Lapsum


(Destiny, John William Waterhouse)


No lapso entre a eternidade e a alma
Equilibra-se a pluma de um arcanjo
Na qual o madrigal de um doloso drama
Flui como sombra de um passado espanto

Aurora pálida que brilha como lâmpada
No tempo da beleza e do espírito
Que demarca as notas da tola alvorada
Vaidade que atravessa, cruel, o infinito

Abre-se como um leque o meu desejo
Enquanto de rendas e lágrimas me visto
Tecido que abraça o corpo com tal gracejo
Do cetim, da ópera, dos nobres, do imprevisto.

Nem liras, nem claves satisfazem o olhar
Que me fita com o esnobismo de uma gueixa
Neste olhar repousam jóias feitas de ar
Como rubi estilhaçado que em meus dedos deixa

E nas ruínas, no nada, naquilo que restou
Escorre na escuridão a forma bela e alva
Um prisma de luz que és tu e é o que sou
No lapso entre a eternidade e a alma.


(Jessica Katleen - WaruWaru)

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

UN ALMA


(Miranda the Tempest by John William Waterhouse)

Bajo los grandes cielos
Afelpados de sombras o dorados de soles,
Arropada en el manto
Pálido y torrencial de mi melancolía,
Con una astral indiferencia miro
Pasar las intemperies...
Ceños
De los reconcentrados horizontes;
Aletazos de fuego del relámpago;
Deshielos de las nubes;
Fantásticos tropeles
Desmelenados de los huracanes;
Pórticos esmaltados de los iris,
Abiertos a las fúlgidas bonanzas:
Pasad!... Yo miro indiferente y fija,
Indiferente y fija como un astro!


Delmira Agustín
(Delmira Agustini)
(Uruguay- 1886-1914)

Felicidade



Acumulei tesouro de esperança
No tímido segredo de minh'alma.
Tudo, porém, fugiu,
Irreparavelmente,
Por alguma recôndita ferida
Que o desencanto abriu,
Como a serragem se escoa
Duma boneca de pano...

Tentei prender a ventura
Nestas tristes mãos vazias,
Como o sedento que enche
As mãos crestadas e ardentes
Da linfa clara da fonte.
Mas, os dedos não puderam
Reter essa água corrente.


Helena Kolody

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Persona




Eu,
Que nesta mutação vou me perdendo,
E no casulo destes poucos anos
Limitada - mente
Fico assim, acabrunhada, ardendo
Descontente
Todos os dias , ao recolher pedaços
Pistas,
Arroubos psicanalistas
Que encontrar-me é mais forte que viver
E completar-me, mais mágoa que morrer.

Lá longe tem um mar. E além mais outro.
Atrás desse universo tem eu mesma.
E fico assim
Feito estrela
Borboleta
Fechada aqui qual mapa de tesouro
No mar que tem lá longe do outro mar.

E nesta mutação vou me esquecendo
Num canto das minhas ternuras
Brinquedos
Fechada qual caminhante
Nesta noite que se afoga
Nas águas de si mesma.


Queen of Hearts (Vera Muniz - 1976)

Silence



Silence is a dream;
An awareness of pain;
A lamp for the darkness
Of the heart;
Words,
Not moulded by lips,
Not tasted by the tongue;
And nightingales,
Which will sing only when
Spring comes
To the garden of desires.
Today, the words
Are only words,
Unspoken, unformed;
A dance of fingers
On the harp of the soul,
A melody of desire,
Soundless and formless.

Ali Sardar Jafri
Translated from Urdu:
Baider Bakht and Kathleen Grant Jaeger

(Lovely poem, sent by a friend on Orkut.)

LEGADO



Eu já não deixo as mesmas madrugadas,
nem o luar em que me batizei.
Minha alma de carícias renegadas
contempla das imagens desmaiadas,
imagens clandestinas que acordei.

Não deixo qualquer nome de linhagem,
tampouco o da beleza e da magia.
Ficam as minhas cismas, a miragem;
o pouco de investida e de coragem
e as nuances de uma estranha fantasia.

Meu bem-querer - seu derradeiro espanto
que guardarei comigo até o final.
Minhas tardes quebradas de quebranto
num servilismo ao júbilo, conquanto
não fosse minha têmpora imortal.

Deixo a poesia - meu amor primeiro
onde cantei a vida e a solidão;
o tempo mais feliz e prazenteiro;
o dom de superar todo braseiro,
que ardia dentro em mim - no coração.

Deixo saudade onde encobri dstâncias
vôos longínquos do albatroz sem asas.
Parto pelo caminho de outras ânsias
a desvendar nas graves ressonâncias,
o limite do céu por entre as gazas.

Eu deixo a fé primeira do aprendiz
que navega nos mares da inquietude.
o meu farnel - a lira me bendiz,
o tempo que sonhei em ser feliz
e finalmente ser feliz não pude.

Deixo também meus poucos descendentes
ancorados à flor da mocidade.
São córregos de lúcidas vertentes;
são rios de pequenos afluentes,
mas são sementes para a eternidade.

Jandira Grillo
em Antologia 2000 - Academia Amparense de Letras

PESCA MARAVILHOSA



Lança a rede no fundo da memória
que as águas da consciência, revolvidas,
trarão à tona a pesca compulsória
das almas mais carentes, mas queridas.

A vida, que transcende a trajetória
humana, vai além dessas medidas
de tempo e desta Saga expiatória,
no reacender de dores e feridas.

No contorno profundo desses mares,
há feições reprimidas de luares,
por canseiras sem fim, por tantas mágoas...

Como eu quisera, então, por um momento,
abrir essas comportas de lamento
e encher de amor o fundo dessas águas.

Jandira Grillo
in: 'Uma canção de amor para você'
São Paulo