A alma é um cenário.
Por vezes, ela é como uma manhã brilhante e fresca,
inundada de alegria.
Por vezes ela é como um pôr do sol...
triste e nostálgico.

-Rubem Alves-

Seja bem-vindo. Hoje é
Deixe seu comentário, será muito bem-vindo, os poetas agradecem.

domingo, 31 de agosto de 2008

'XIX'



Entra comigo na tarde,
sente a luz e os deuses
que me assediam
e os cogumelos
que ao olvido me tentam.
Eis inteiro o abismo
Que esta paisagem
Me concede.

(Bendita esta tarde,
Meu amor,
Em que a quase-noite me puxa
e tua mão intercede.)


F. Campanella,
da série o 'Eu confesso'

'XXX'




Que diferença faz às flores
Se por um segundo as contemplo
Nem sei se algo no mundo
Precisa de meu olho atento.
Se me procuras , em teu espelho
Por um segundo eu me reflito.
Depois ao cálice de mim
Eu retorno.
Eu sou o vinho que me bebo,
De minha embriaguês
Me contento.

F.Campanella,
da série "O Eu confesso'

'XXVI '



Espera,restam uma vela ou duas e
E este vento que sopra te basta.
Segura-as ao largo da noite,
E me navega.
Oh velador de meus sonhos,
ordena minhas imagens,
Tuas águas,
Trêmulas ondas que passam.


F.Campanella.
da série 'O eu confesso"

'XXXIII'




Madrugada,
três vezes canta ainda o galo
em sua órbita assinalado.
Espio o colar de estrelas
contornando o frio torso da noite.
Três vezes, em silêncio,
Ainda àquela porta eu bato.
Não me atende o coração
do recolhimento indevassável.
Quantas almas e o assombro de um Deus
não terão assim por um instante
se entreolhado!


F.Campanella,
da série 'O Eu Confesso'

'XXXII'



Colhe a palavra
Senão cai de madura
ou leva o melhor a ave.
Lambe a seiva
De seus implícitos favos,
abusa a língua
da inconsciente doçura -

sol a pino
é solstício
é verão.


(F. Campanella,
da série 'O Eu Confesso'

‘DEUS!’



Ouço a voz do Senhor na voz dos passarinhos,
nos gemidos da fonte e no rugir do mar:
Vejo-o na flor que nasce em meio dos espinhos,
no doirado clarão das noites de luar.


Sinto-o na tepidez benéfica dos ninhos,
no pálido fulgor da aurora no despontar:
Na relva que viceja na beira dos caminhos,
na hera, que se abraça no tronco secular.


Deus, na esmola que espalha a mão da caridade,
na esperança, na fé, no amor e na verdade,
no conjunto estelar iluminando os céus.


Deus! no celeste azul de esplêndida beleza,
nas folhas de oiro e luz da bíblia-Natureza,
porque tudo revela um Ser supremo – Deus!


Emiliana Delminda
in ‘Folhas Caídas’
(1865-1963)

quinta-feira, 28 de agosto de 2008



Final art by Leila Araújo Derzi.

'I WANDERED LONELY AS A CLOUD'


(Glencoyne Bay, Ullswater- England)

I wandered lonely as a cloud
That floats on high o'er vales and hills,
When all at once I saw a crowd,
A host of golden daffodils;
Beside the lake, beneath the trees,
Fluttering and dancing in the breeze.
Continuous as the stars
that shine and twinkle on the Milky Way,
They stretched in never-ending line
along the margin of a bay:
Ten thousand saw I at a glance,
tossing their heads in sprightly dance.

The waves beside them danced; but they
Out-did the sparkling waves in glee:
A poet could not but be gay,
in such a jocund company:
I gazed - and gazed - but little thought
what wealth the show to me had brought:

For oft, when on my couch I lie
In vacant or in pensive mood,
They flash upon that inward eye
Which is the bliss of solitude;
And then my heart with pleasure fills,
And dances with the daffodils.

William Wordsworth
(1770-1850)

'IX'


(Lecythis pisonis Cambess)


Setembro floresce em sapucaias,
vórtice de abelha
em aroma roxo-lilás.
Logo a flor será cumbuca de fruto.
Bendito o tempo entre floração e semente,
doce a amêndoa
do beijo que eu consigo roubar.


F Campanella
da série 'Efemérides'
Fotografia- Fernando Campanella
Frutos da árvore Sapucaia.(Cambucas)

'Poema escrito na água!




Minha mão volta a escrever
entre as páginas das águas
onde o amor me volte a ler
a história de suas lágrimas.

Que nunca me falte a tinta
para o branco da memória
que amor é mágoa distinta
da mágoa de toda história.

E entre as páginas viradas
que inundam meu coração
deixo mágoas derramadas
com sabor de uma canção.

Quantas delas já verteram
das águas todas passadas
e de espuma converteram
dor em flores restauradas.

Minha mão vem descrever
como faz a flor das águas
que reescreve o alvorecer
da vida isenta de mágoas.

A. Estebanez

'BEBENDO À LUZ DA LUA'



Um jarro de vinho entre as flores,
bebo sozinho - nenhum amigo me acompanha.
Alço minha taça, convido a lua
e minha sombra - agora somos três.

A lua não bebe
e minha sombra apenas imita meus gestos.
Mesmo assim, são elas as minhas companhias.
É primavera, tempo de festa -
canto, a lua escuta e cintila;
danço, minha sombra se agita, animada.

Enquanto estou sóbrio, juntos estamos os três;
quando me embriago, cada um segue seu rumo.
Selamos uma amizade que nenhum mortal conhece.
E juramos nos encontrar no mundo além das nuvens.

Li Po

Drinking Alone by Moonlight

A cup of wine, under the flowering trees;
I drink alone, for no friend is near.
Raising my cup I beckon the bright moon,
For her, with my shadow, will make three men.

The moon, alas, is no drinker of wine;
Listless, my shadow creeps about at my side.
Yet with the moon as friend and the shadow as slave
I must make merry before the Spring is spent.

To the songs I sing the moon flickers her beams;
In the dance I weave my shadow tangles and breaks.
While we were sober, three shared the fun;

Now we are drunk, each goes his way.
May we long share our eternal friendship,
And meet at last on the Cloudy River.

Li Bai or Li Po
(Chinese: pinyin: Lǐ Bái / Lǐ Bó) (701-762) was a Chinese poet. He was part of the group of Chinese scholars called the "Eight Immortals of the Wine Cup" in a poem by fellow poet Du Fu.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

'Escada sem corrimão'



Uma escada em caracol
e que não tem corrimão.
Vai a caminho do Sol
mas nunca passa do chão.
Os degraus,quanto mais altos,
mais estragados estão.

nem sustos nem sobressaltos
servem sequer de lição.
Quem tem medo não a sobe.
Quem tem sonhos também não.

Há quem chegue a deitar fora
o lastro do coração.
Sobe-se numa corrida.
Correm-se perigos em vão.
Adivinhaste: é a vida
a escada sem corrimão.


David Mourão-Ferreira

'Climbing up the Cold Mountain'



Clambering up the Cold Mountain path,
The Cold Mountain trail goes on and on:
The long gorge choked with scree and boulders,
The wide creek, the mist-blurred grass.
The moss is slippery, though there's been no rain
The pine sings, but there's no wind.
Who can leap the world's ties
And sit with me among the white clouds?

Hanshan

(Chinese: 寒山; pinyin: Hánshān; literally "Cold Mountain", fl. 9th century) was a legendary figure associated with a collection of poems from the Chinese Tang Dynasty in the Taoist and Chan tradition. He is honored as an incarnation of the Bodhisattva -figure Manjusri in Zen lore.

'Sobre a Lenda do Pássaro Azul'




Israel Pedrosa, no livro “Da cor à cor inexistente”,
escreve que a lenda do pássaro azul, símbolo da felicidade inatingível, nasceu da analogia secreta do azul com o inacessível. Diante do azul – formula o autor –, a lógica do pensamento consciente cede lugar à fantasia e aos sonhos, que emergem dos abismos mais profundos de nosso mundo interior. Por sua indiferença, impotência e passividade aguda que fere, o azul atinge o portal do inconsciente.

Só o azul, desprovido da ardileza mundana, só o metafísico azul é pigmento de leveza e liberdade.

Da Vinci formulou: “o azul é composto de luz e trevas, de um preto perfeito e de um branco muito puro como o ar”. E disse Goethe: “o preto que clareia torna-se azul”, percebendo, na criação, a maravilhosa passagem da treva à luz. E, no desespero pela libertação das trevas, fizemo-nos Ulisses, e singramos a imensidão azul dos sete mares, e dos sete mil Danúbios azuis, na ânsia de apalparmos a matéria invisível dos sonhos.

Fizemo-nos Quixotes, pelas andanças em busca de devaneios, campeando nas quimeras da pureza. No deslizar da história, e tentando vencer a gravidade do chão, fizemo-nos, enfim, ritualísticos e desde sempre Ícaros. Contemplamos a terra como um sonho todo em azul.

No grande tear da existência, ao tecer as fibras mais ordinárias do estar e conviver no mundo, fazemos do azul a cor do Nirvana; dependuramos em nós a pedra-amuleto de água-marinha, na crença propiciatória das viagens tranqüilas; pintamos a casa nos tons de azul, se a queremos morada da felicidade.
E, se buscamos na fonte o batismo da inspiração, tingimo-nos de azul, e escrevemos uma crônica toda em azul. E azul será, imaginária e livre, a crônica de um amanhecer acinzentado, no espaço branco e preto do jornal.



Excerto da crônica – 'Liberdade é azul'- de Romildo Sant’Anna,
escritor, livre-docente,
recebeu o Prêmio ‘Casa de las Américas” – Havana.
É curador do Museu de Arte Primitivista ‘José Antônio da Silva’ – São José do Rio Preto –SP – Brasil

'XXXV'



Aquele pássaro ronda de novo
a minha janela,
Há tempos que eu não o ouvia.
Seu canto dias já idos me lembra,
Algo como “eu era infeliz
Mas tinha junto de mim a alegria”.

Vai dormir, sonoro amigo,
Já é da noite
a quase sombra que nos fecha.
Vai e se possível
ao Sol de meus dias retorna
(Eu que nunca fui tão feliz
Te confesso:
Agora tenho um anjo triste
A minha volta .)

F.Campanella
Poema da série 'O EU Confesso'

'XXXIV'



Esta chuva tem uma melancolia
de úmidas árvores, de pálidas luas,
de aromas sonâmbulos no tempo.
Um frêmito perpassa os ruídos
e bate à porta de meu silêncio
e entra.

Algo em mim, eu sinto,
chama as almas
que de outros reinos
isentas de voz me chegam.
(Eu sou o dócil instrumento
daquelas naturezas dormentes
que agora, eu sei,
me são algo de dentro)

F.Campanella
Poema da série 'O EU Confesso'

'UM SONETO PARA AUGUSTO DOS ANJOS'



Ser ou não ser é a questão da vida
que a espécie fratricida desvendou
gerando a flor do bem numa ferida
que a gênese do mal jamais curou.

Quanta pena de mim chora fingida
como se fosse pranto o que penou.
Mas é somente a dor compadecida
penando pela dor que não causou.

A luz que me acendia agora apaga
a mão que me feria inda me afaga
amor de bem-querer não é paixão.

Meu ser ainda é o lobo de meu ser
pela pátria não posso mais morrer
o amor, enterrem no meu coração.

A. Estebanez

'A FOTO NA PAREDE'



Meu retrato na parede
só traz uma novidade:
o fundo tinto de verde
ficou tinto de saudade.

O olhar pálido de sede
no poço da eternidade
é a luz filtrada na rede
da grade da liberdade.

Uma ruga me comove
de ter restado na vida
do nada que me ficou.

E só o sonho se move
na retina amanhecida
desta foto que restou.

A. Estebanez
(Dedicado com muito carinho
à amiga Lucia Borini Simões)

*Tela de Washington Maguetas- pintor impressionista brasileiro.-

'A MEDIA LUZ'



Sempre reneguei o tango
e os entusiastas de Gardel,
(longe de mim a passional postura
eivada de desolação e dor),
o amor sempre em mim a eterna nuvem
e um campo de mais alvos lírios
onde jamais choveu.
Cerrei as tendas, afastei o bruxo,
mas na contrapartida
adiei o fruto, me ceguei à cor.

Violinos eternos , bandoneóns ,
toquem-me hoje um tango crepuscular
e tardio, toquem, que desaprendi
o me bastar e o meu cismar sozinho,
à meia-luz
meu coração
são girassóis que dançam -
todo chama, e torvelinho.

(Fernando Campanella)

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

'Acontecimento'



AQUI estou, junto à tempestade,
chorando como uma criança
que viu que não eram verdade
o seu sonho e a sua esperança.

A chuva bate-me no rosto
e em meus cabelos sopra o vento.
Vão-se desfazendo em desgôsto
as formas do meu pensamento.

Chorarei toda a noite, enquanto
perpassa o tumulto nos ares,
para não me veres em pranto,
nem saberes, nem perguntares:

«Que foi feito do teu sorriso,
que era tão claro e tão perfeito?»
E o meu pobre olhar indeciso
não te repetir: «Que foi feito...?»

Cecília Meireles
in 'Viagem'

'Epigrama nº7'



A TUA RAÇA de aventura
quis ter a terra, o céu, o mar.

Na minha, há uma delícia obscura
em não querer, em não ganhar...

A tua raça quer partir,
guerrear, sofrer, vencer, voltar.

A minha, não quer ir nem vir.
A minha raça quer passar.

Cecília Meireles
in 'Viagem'

'Corpo no mar'



ÁGUA DENSA do sonho, quem navega?
Contra as auroras, contra as baías:
barca imóvel, estrêla cega.

Bate o vento na vela e não a arqueia.
— Não foi por mim!
Partiram-se as cordas, rodaram os mastros,
os remos entraram por dentro da areia...

Os remos torceram-se, e trançaram raízes.
— Inútil forçá-los — alastram-se, fogem
na sombra secreta de eternos países...

Mudou-se a vela em nuvem clara!
Choraram meus olhos, minhas mãos correram...
— Alto e longe! — Não foi por mim...

E apenas pára
um corpo na barca vazia,
à mercê das metamorfoses,
olhos vertendo melancolia...

O vento sopra no coração.

Adeus a todos os meridianos!
Deito-me como num caixão.

Ah! sobrevive o mar no meu ouvido...
«Marinheiro! Marinheiro!»

(Ilhas...Pássaros...Portos... — nêsse ruído,

— O mar...O mar!...O mar inteiro!...)

Mas é tempo perdido!


Cecília Meireles
in 'Viagem'

'Epigrama nº6'



NESTAS pedras caíu, certa noite, uma lágrima.
O vento que a secou deve estar voando noutros países,
o luar que a estremeceu tem olhos brancos de cegueira,
— esteve sôbre ela, mas não viu seu esplendor.

Só, com a morte do tempo, os pensamento que a choraram
verão, junto ao universo, como foram infelizes,
que, uma lágrima foi, naquela noite a vida inteira,
— tudo quanto era dar, — a tudo que era opôr.

Cecília Meireles
in 'Viagem'

'Descrição'



HÁ UMA água clara que cai sôbre pedras escuras
e que, só pelo som, deixa ver como é fria.

Há uma noite por onde passam grandes estrêlas puras.
Há um pensamento esperando que se forme uma alegria.

Há um gesto acorrentado e uma voz sem coragem,
e um amor que não sabe onde é que anda o seu dia.

E a água cai, refletindo estrêlas, céu, folhagem...
Cai para sempre!

E duas mãos nela mergulham com tristeza,
deixando um esplendor sôbre a sua passagem.

(Porque existe um esplendor e uma inútil beleza
nessas mãos que desenham dentro da água sua viagem
para fóra da natureza,

onde não chegará nunca esta água imprecisa,
que nasce e deslisa, que nasce e deslisa...)

Cecília Meireles
in 'Viagem'

'Campo'



CAMPO da minha saüdade:
vai crescendo, vai subindo,
de tanto jazer sem nada.

Desvêlo mudo e contínuo
que vai revestido os montes
e estendendo outros caminhos.

Mergulhada em suas frondes,
a tristeza é uma esperança
bebendo a vazia sombra.

Águas que vão caminhando
dispersam nos mares fundos
mel de beijo e sal de pranto.

Levam tudo, levam tudo
agasalhado em seus braços

Campo imenso — com o meu vulto...

E ao longe cantam os pássaros.

Cecília Meireles
in 'Viagem'

'AMOR NO ÉTER'



Há dentro de mim uma paisagem
entre meio-dia e duas horas da tarde.
Aves pernaltas, os bicos
mergulhados na água,
entram e não neste lugar de memória,
uma lagoa rasa com caniço na margem.
Habito nele, quando os desejos do corpo,
a metafísica, exclamam:
como és bonito!
Quero escrever-te até encontrar
onde segregas tanto sentimento.
Pensas em mim, teu meio-riso secreto
atravessa mar e montanha,
me sobressalta em arrepios,
o amor sobre o natural.
O corpo é leve como a alma,
os minerais voam como borboletas.
Tudo deste lugar
entre meio-dia e duas horas da tarde.


Adélia Prado

'Distância'



QUANDO o sol ia acabando
e as águas mal se moviam,
tudo que era meu chorava
da mesma melancolia.
Outras lágrimas nasceram
com o nascimento do dia:
só de noite esteve sêco
meu rosto sem alegria.
(Talvez o sol que acabara
e as águas que se perdiam
transportassem minha sombra
para a sua companhia...)
Oh!
mas nem no sol nem nas águas
os teus olhos a veriam...
— que andam longe, irmãos da lua,
muito clara e muito fria...

Cecília Meireles
in 'Viagem'

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

'BEATA SOLITUDO'



What land of Silence,
Where pale stars shine
On apple-blossom
And dew-drenched vine,
Is yours and mine?

The silent valley
That we will find,
Where all the voices
Of humankind
Are left behind.

There all forgetting,
Forgotten quite,
We will repose us,
With our delight
Hid out of sight.

The world forsaken,
And out of mind
Honour and labour,
We shall not find
The stars unkind.

And men shall travail,
And laugh and weep;
But we have vistas
Of Gods asleep,
With dreams as deep.

A land of Silence,
Where pale stars shine
On apple-blossoms
And dew-drenched vine,
Be yours and mine!

Ernest Dowson

'THE GARDEN OF SHADOW'




Love heeds no more the sighing of the wind
Against the perfect flowers: thy garden's close
Is grown a wilderness, where none shall find
One strayed, last petal of one last year's rose.

O bright, bright hair! O mount like a ripe fruit!
Can famine be so nigh to harvesting?
Love, that was songful, with a broken lute
In grass of graveyards goeth murmuring.

Let the wind blow against the perfect flowers,
And all thy garden change and glow with spring:
Love is grown blind with no more count of hours
Nor part in seed-tune nor in harvesting.


Ernest Dowson

'Autumnal'




Pale amber sunlight falls across
The reddening October trees,
That hardly sway before a breeze
As soft as summer: summer's loss
Seems little, dear! on days like these.

Let misty autumn be our part!
The twilight of the year is sweet:
Where shadow and the darkness meet
Our love, a twilight of the heart
Eludes a little time's deceit.

Are we not better and at home
In dreamful Autumn, we who deem
No harvest joy is worth a dream?
A little while and night shall come,
A little while, then, let us dream.

Beyond the pearled horizons lie
Winter and night: awaiting these
We garner this poor hour of ease,
Until love turn from us and die
Beneath the drear November trees.


Ernest Dowson

'Balada de Outono'




Impiedoso Setembro …
Traz a balada de Outono
Que muda na folha as cores
Seduz e despe as flores
Num sestro de abandono...

Em toada persistente
As folhas , essas coitadas
Vão caindo lentamente
Das àrvores amarguradas
Ao ficarem desnudadas
De cada folha cadente...

Será que uma folha sente
Na despedida a tristeza ?…
Como dom da Natureza !…
E que em secreta amargura
Sofre, mas nunca se queixa
Como alguém que a Pátria deixa
Por destino ou desventura ?!…

E em cada folha caída
Resta uma angústia profunda
Num frágil sopro de vida
A sussurrar moribunda:
Não fez sentido viver
Esta tão curta existência…
Outono… Sem clemência
Tão cedo me fez morrer !…

Euclides Cavaco

'Luz Cadente'



Serão miragens
aqueles tons em cobre
ondulando em folhas na tarde?
Meus olhos devem andar poéticos
ou delirantes.
ou mais febril a minha percepção
que entende
que os animais atendem
às nuances que aquela luz poente concede.
Luz e folha devem ter naturezas atadas
em delicado, intraduzível elo
que traça o pássaro ao ninho.
Não sei.
O que para as aves deve ser
algo como arbóreas núpcias
em mim
é um degredo em ecos,
um vago ruflar de um sentido.

Minha razão nada pode
contra a luz cadente
que vela e desvela
aquele tom amêndoa
- ferrugem quase dor,
quase leve -
que a alma agora consente.
E que de volta
à presciência do mundo,
ao ninho da terra
vai me cumprindo.

(Fernando Campanella)

'RESQUÍCIO'


("La pluie'- Volpi)

Às vezes
A dor de chuvas passadas
Cai em mim fina,
Reelaborada,
A ponto de não ser eu
Assim mais que bolhas
Na espuma da tarde
Molhada.

F.Campanella



"Sabe, para mim a vida é um punhado
de lantejoulas e purpurina que o vento
sopra. Daqui a pouco tudo vai ser
passado mesmo - deixa o vento soprar,
let it be,fique pelo menos com o gostinho
de ter brilhado um pouco... "

(Caio Fernando Abreu)

'No campo'




Tarde. Um arroio canta pela umbrosa
Estrada; as águas límpidas alvejam
Com cristais. Aragem suspirosa
Agita os roseirais que ali vicejam.


No alto, entretanto, os astros rumorejam
Um presságio de noute luminosa
E ei-la que assoma - a Louca tenebrosa,
Branca, emergindo às trevas que a negrejam.


Chora a corrente múrmura, e, à dolente
Unção da noite, as flores também choram
Num chuveiro de pétalas, nitente,


Pendem e caem - os roseirais descoram
E elas bóiam no pranto da corrente
Que as rosas, ao luar, chorando enfloram.

Augusto dos Anjos
Pau d’Arco - 1902

'Gaivotas'




Do crespo mar azul brancas gaivotas
Voam - de leite e neve o céu manchando,
E vão abrindo às regiões remotas
As asas, em silêncio, à tarde, e em bando.

Depois se perdem pelo espaço ignotas,
O ninho das estrelas procurando:
Cerras os cílios, com teu dedo notas
Que elas vêm outra vez o azul furando.

Uma na vaga buliçosa dorme,
Uma revoa em cima, outra mais baixo...
E ronca o abismo do oceano enorme...

Cai o sol, com já queimada facho...
Do lado oposto espia a noite informe...
Tu me perguntas se isto é belo?... e eu acho...

Luís Delfino
In 'Os Melhores Poemas'
1834/1910
Poesia recebida da amiga Dione Coppi.

'BORBOLETA E RAIO DO SOL'



Da selva frondosa
Na sombra acordou
Gentil pousalousa
Centelha, voou.

E as aves trinaram
E a brisa correu
E as ondas rolaram
De azul como céu:

Que doce harmonia!
Que amena soidão
Raiando do dia
A luz! E a visão

Do sol, que aparece
Dentre oiro e rubi,
Dos montes, e desce
Dos vales. Eu vi

Gentil pousalousa
Qual olhos de amor,
Turbada – encantada
No prado e na flor.

Nos bosques, agora,
Na várzea de luz,
No lago de aurora
Que a chama e seduz,

Dos bosques, perdida
No aroma, no amor,
Aos raios erguida
Balança-se a flor...

O aéreo amaranto
Quem viu? – Se perdeu.
Dizei dela o encanto:
Amou e... morreu.

Que sorte minguada!
Que triste existir
Da vida irradiada
De glória e de rir!

Mas – que nos importa
Ser onda ou ser Théos,
Se o mar não aporta
Pra fora dos céus?

Sousândrade
(Paris, 1855)

'À noite'



Eis-me a pensar, enquanto a noite envolve a terra;
Olhos fitos no vácuo, a amiga pena em pouso,
Eis-me, pois, a pensar... De antro em antro, de serra
Em serra, ecoa, longo, um "requiem" doloroso.

No alto uma estrela triste as pálpebras descerra,
Lançando, noite dentro, o claro olhar piedoso.
A alma das sombras dorme; e pelos ares erra
Um mórbido langor de calma e de repouso...

Em noite escura assim, de repouso e de calma,
É que a alma vive e a dor exulta, ambas unidas,
A alma cheia de dor, a dor tão cheia de alma...

É que a alma se abandona ao sabor dos enganos,
Antegozando já quimeras pressentidas
Que mais tarde hão de vir com o decorrer dos anos.

Francisca Júlia
(Xiririca 31/08/1871- São Paulo 01/11/1920)

'O martelo'


('Coruja das torres'-Portugal- Photo by ZéJRicardo )

As rodas rangem nas curvas dos trilhos
Inexoravelmente.
Mas eu salvei do meu naufrágio
Os elementos mais cotidianos.
O meu quarto resume o passado em todas as casas que habitei.

Dentro da noite
No cerne duro da cidade
Me sinto protegido.
Do jardim do convento
Vem o pio da coruja.
Doce como um arrulho de pomba.
Sei que amanhã quando acordar
Ouvirei o martelo do ferreiro
Bater corajoso o seu cântico de certezas.

Manuel Bandeira
Editora José Olýmpio. Rio de Janeiro/1986. 'Poemas escolhidos',p.11
Poema recebido da amiga Leila Derzi.

'AS MINHAS ILUSÕES'


(Capri-Itália)

Hora sagrada dum entardecer
De Outono, à beira-mar, cor de safira,
Soa no ar uma invisível lira ...
O sol é um doente a enlanguescer ...


A vaga estende os braços a suster,
Numa dor de revolta cheia de ira,
A doirada cabeça que delira
Num último suspiro, a estremecer!

O sol morreu ... e veste luto o mar ...
E eu vejo a urna de oiro, a balouçar,
À flor das ondas, num lençol de espuma.

As minhas Ilusões, doce tesoiro,
Também as vi levar em urna de oiro,
No mar da Vida, assim ... uma por uma ...

Florbela Espanca
In: 'Livro de Mágoas'
Photo by Leila Araujo Derzi