A alma é um cenário.
Por vezes, ela é como uma manhã brilhante e fresca,
inundada de alegria.
Por vezes ela é como um pôr do sol...
triste e nostálgico.

-Rubem Alves-

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Deixe seu comentário, será muito bem-vindo, os poetas agradecem.

quinta-feira, 30 de abril de 2015

SUBSTANTIVOS QUASE ABSTRATOS



I

Carinho
é um pássaro lazo e azul:
sublime, arisco e raro,
precisa de paz, luz e ninho. 


II

Ternura
é uma nuvem de verde cura:
precisa de abrigo
no coração da aventura.

III

Afeto
é tudo que ofertamos às almas
de mãos postas e peito aberto:
precisa de amores (di)versos.

IV

Gratidão
é um sentimento cúmplice:
precisa de coragem e culto diário
para voraz atropelar a escuridão!


Jairo De Britto,
em "Dunas de Marfim"

Aniversariar



Aniversariar
é como abrir a janela pela manhã e ver,
sentir os outros bem diferentes,
mais ou menos amáveis, na nossa medida.


Aniversariar
é re-colocar parentes e amigos,
todos -- vivos ou mortos -- ao redor da mesa
da casa longe de casa.

Aniversariar
é tentar dissimular que hoje não é o dia
e não conseguir esse disfarce
simplesmente porque hoje é de fato
o dia do aniversário.

Aniversariar
é um limite e uma esperança
de que esse limite não se limite tanto
a um determinado momento em que se recebe abraços,
beijos e presentes.

Aniversariar
é qualquer coisa assim
como um motivo de fugaz felicidade
para o poeta fazer um poema de amor e amizade que dure
até quando se puder guardar esse poema.


Ricardo dos Anjos

[Fotografia que ganhei da amiga Dulce Mendes- Cassino - Rio grande do Sul.28/04/215]

domingo, 19 de abril de 2015

ABSTRATO


Nem veste
Nem pele
Só alma

Jefferson Dieckmann,

CANÇÕES DAS FLORES



I


Como os lírios na noite
junto às águas sombrias do regato,
brilhas diante de mim, amiga, em meus dias sombrios.
Nos meus longos outonos
é um belo consolo pensar
que onde quer que eu vá, vou à luz dos lírios.

As sombrias águas da torrente
escoam-se rápidas na noite
e não visitam mais a ribeira dos lírios.
Quanto mais me afasto
mais me recordo de tua beleza;
sigo, ébrio do odor de lírios, e espero e confio.

Erik Axel Karlfeldt**
in Poesias


**Erik Axel Karlfeldt (Karlbo, 20 de Julho de 1864 — Estocolmo, 8 de Abril de 1931) foi um poeta sueco simbolista, cujas poesias aparecem como regionalistas da era popular. Recebeu o Nobel de Literatura de 1931. Karlfeldt recusou o prêmio em 1919, considerando tal atribuição injusta por ser ele o secretário permanente da Academia Sueca.
Karlfeldt nasceu em uma família de agricultores em Karlbo, na província de Dalarna. Inicialmente, seu nome era Erik Axel Eriksson, mas ele assumiu seu novo nome em 1889, querendo se distanciar de seu pai, que havia sofrido a desgraça de uma condenação penal. Ele estudou na Universidade de Uppsala,1 ao mesmo tempo apoiando-se através do ensino escolar em vários lugares, incluindo Djursholms samskola em Djursholm, subúrbio de Estocolmo, e em uma escola para adultos. Após completar seus estudos, ele ocupou uma posição na Biblioteca Real da Suécia, em Estocolmo, por cinco anos.
Em 1917, Karlfeldt recebeu seu alma mater da Universidade de Uppsala, concedendo-lhe o título de Ph.D. em Honoris causa.

POEMA

 
E então, pergunto, por que esta vida
de pão e horas moídas?

Por que não somente um pássaro
na insciência da tarde clara,

uma árvore verde embutida
no musgo da manhã... Por que esta vida?

Por que não uma pedra severa
que não procura, não erra, não espera,

ou então outra vida, outra vida
que não esta, de sal e lâminas finas,

que não esta, de sal sobre as feridas?


Renata Pallottini
De Obra Poética (1995)

"Campos de Algodão"




Passeava em meus pensamentos..
A Poesia e a inspiração..
A lembrança era sempre a mesma..
Com momentos de ilusão..
Entre a viagem nas nuvens..
Sobre os campos de algodão..
Com aquele aperto no peito..
E o calor da sensação..
Quando surgiu no horizonte..
Aquela vibração..
Um raio de luz na penumbra..
Trazendo consigo na alma desnuda..
Magia.. encantamento..
Sempre esta doce emoção..
Poesia..
Dona desta inspiração..


Marta Eloiza

BUCÓLICA



A vida é feita de nadas:
De grandes serras paradas
À espera de movimento;
De searas onduladas
Pelo vento;


De casas de moradia
Caídas e com sinais
De ninhos que outrora havia
Nos beirais;

De poeira;
De sombra de uma figueira;
De ver esta maravilha:
Um pai a erguer uma videira
Como uma mãe que faz a trança à filha.


Miguel Torga
[Escrito em S. Martinho de Anta, 30 de Abril de 1937
Publicado em “Diário I”, Coimbra, 1941
E em “Poesia Completa”, 2000
Editora: Dom Quixote -Portugal]

LONGE



Às vezes,
tudo é tão longe em mim...
Meu viver parece um história
que alguém sonhou
há muito tempo,
num país distante.


(Sempre Palavra)

Helena Kolody
In: Luz Infinita

CANTAR


Quem vai cantando
não vai sozinho.
Dançam em seu caminho
o sonho e a canção.


(Poesia Mínima)


Helena Kolody
In: Luz Infinita

O VOO




Dói o domingo
no ninho dos tédios.

Dói o verão:
esta pele seca
estirada
sobre os ministérios vazios.

Dói o clube
dos domingos.

Dói o rito
dos domingos:
o amargo esporte
de viver.

O amargo esporte
de esquecer.

Dói a divisão da vida:
o pão subtraído,
o peixe poluído,
a paz envenenada.

Dói o voo cortante desta tarde.


H. Dobal,
Poeta piauiense, nasceu em Teresina.
In Antologia - I Concurso Nacional de Poesias
"Vinicius de Moraes" para Servidor Público.


[Arte;Michael&Inessa Garmash]

SILÊNCIO





Nada.
Nem o riso.
Nem a palavra.
Nem o humano grito.
Nada é mais duradouro que o silêncio.
 
Vicente Cechelero

JOGO


Ímpar –
Solidão que se acredita
Feliz se chegar a par.

Par –
Dois ímpares que se juntam
Em solidões separadas...
Par ou ímpar?

Tanto faz –
O resultado da escolha
É a mesma falta da paz.


Homero Frei
In: Lado Alado

[Arte; Denis Nolet]

domingo, 12 de abril de 2015

Milagre


De tempos em tempos, necessita-se um milagre
Algo a ser visto, mostrado, não por sobrenatural,
mas por algo que toque e desvele a natureza mesma,
por onde ela se esconde na miséria de sua invenção


De tempos em tempos, um milagre:
um gesto, humano e natural que seja,
que resgate, por um instante,
( que embale a eternidade)
um corpo que cai em irreal realidade

De tempos em tempos, um milagre que nos veja
e acaricie os olhos vedados
de nossa cega mortalidade

Em tempo, um milagre,
para que enfim se veja
que milagre é todo tempo
que esculpe uma verdade

Milagre que revele
nossa transcendente humanidade.

Adrilles Jorge.

-Paint by  -Vladimir Kush-

Falta


Quem sentirá tua falta quando faltares?
Importa a ti a tua falta
quando aqui não mais te achares?
Que falta faz a falta a si
quando a falta a ela mesma se torna presente?



Tu, que de ti nunca te ausentas
que de ti sempre te escondes
sabes bem
que tudo sobra
porque sempre falta algo que se ausenta,
desde antes que te abandonaram à vida,
quando nasceste
E até sempre
quando tu também
te encontrares na memória do que falta.


Adrilles Jorge.

-Paint by  Christian Schloe-

Na treva


Na treva, desenhamos o esboço da luz
para que nossa criação nos ilumine

Na treva, tateamos a voz mais próxima
que ecoa o calor de um corpo
que aquecerá
a multidão de nossas solidões entrelaçadas

Abrimos os olhos
e enxergamos com nitidez
a escura salvação que nos cega

Fechamos os olhos novamente
a fim de nos libertar
da cegueira que nos conduz
e tocamos nossa nudez desamparada
invisível a olhos sempre vestidos
por uma sempre clara ilusão.


Adrilles Jorge.
[Poeta belo-horizontino]