A alma é um cenário.
Por vezes, ela é como uma manhã brilhante e fresca,
inundada de alegria.
Por vezes ela é como um pôr do sol...
triste e nostálgico.

-Rubem Alves-

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sexta-feira, 25 de julho de 2008




«Nunca devemos amar em silêncio...Um amor feliz precisa do turbilhão das palavras, das frases aparentemente inúteis e sem sentido, precisa de adjectivos, de elogios, do ruído das banalidades.»


«Sabes, quem não acredita em Deus, acredita nestas coisas, que tem como evidentes. Acredita na eternidade das pedras e não na dos sentimentos; acredita na integridade da água, do vento, das estrelas. Eu acredito na continuidade das coisas que amamos (…)

Nisto eu acredito: na veemência destas coisas sem princípio nem fim, na verdade dos sentimentos nunca traídos.»
(…)


Trechos do livro 'Não te deixarei morrer David Crockett'
Miguel Sousa Tavares (2001)

segunda-feira, 14 de julho de 2008

"Sol da meia-noite"


(A Desertificação ao Sol da Meia-Noite)
Tela by Gilberto Russa.



Era um sonho, uma atmosfera de véspera , talvez de algum advento, algum natal, mas não havia pressa nas ruas, a volúpia de embrulhos, cartões, preparativos de cerimoniais. Eu deslisava por diferentes cenários: uma floresta mas havia junto um mar , uma montanha , um deserto, e geleiras também, tudo envolto por uma atmosfera já prenunciando vespertinos tons. Ainda não haviam aparecido estrelas, só o sol se despedindo e uma lua antecipada, inteira. no céu. As árvores pulsavam em um nível mais intenso de vida, tinham faces, embebiam-se de lua e vento, como em rituais de remoto encanto.
E , então, vi os animais : um caracol espanando a concha, abelhas, ansiosas, lustrando a colméia, e os pássaros ajeitando os ninhos para mais ovos nas sombras dos quintais. E cantavam, fora de hora, os galos. Golfinhos fechavam grandes círculos, peixes multicores concentravam-se acima dos corais. Festejavam de galho em galho os macacos e no azul espelho do gelo um alvoroçado coro de pingüins ensaiava seus cantos e passos. No deserto , camelos em grupos, coesos, iam em busca de algum oásis no tempo... eram assim as imagens do sonho, todos em clima de véspera de um descomunal evento . Então apareceram os antigos pastores tocando ovelhas em calmas paisagens. Tudo parecia obedecer a um toque de preparar, limpar... uma alegre espera rondava o ar.
Por fim vieram os cometas, alongando seus feixes dourados , meteoros espocavam no ar cintilando em fagulhas que saudavam os vagalumes . E despontaram os planetas, e se desdobraram as galáxias, nunca tamanha profusão de celestes personagens reunidos eu vi .
Estranho sonho... como poderia o universo conspirar assim, tudo tão perto, tão junto dentro de mim?
E me vieram sons, de longe, como de antigas vozes , há tempos não ouvidas. Era clara a instrução que me transmitiam : eu desenharia longas linhas no ar, muitas, como em varias pautas musicais sobrepostas. Linhas que pareceriam , de início, traçadas a lápis. E foram me incentivando as vozes, e eu dedilhava, alongava as linhas, considerando tudo aquilo inútil, sem propósito. Tolo engano, depois de um certo tempo os traços foram se iluminando , um, depois outro, e assim todos reluzindo em raios de mais límpido ouro, chegando , como a um primeiro encanto, ao bojo de um alquímico sol, explosão inteira de uma luz primordial. E as antigas vozes versando em língua, que por arte dos sonhos eu entendia, em grave encantamento algo assim diziam:

“ Eis o teu sol da meia-noite,
Eis a luz transfigurada.
Benditos os que vivem
em bons termos
Com o hóspede imaginário,
Com a ‘ louca da casa’.”


( F. Campanella, 08 de Dezembro de 2006)

sábado, 12 de julho de 2008

“SPLEENBORED”




Chorar por todo o bem que se perdeu
choro por mim que se perdeu de mim
por quem eu fui que nunca aconteceu
o mesmo que sou eu chorando assim.


Chorar por quem até já me esqueceu
chorar por nada, ah! nem é tão ruim!
Chorar só por chorar também sou eu
desde o início dos meios de meu fim.


Então me deixem bêbado de espanto
desse mar na ressaca de meu pranto
que essa paixão é amor em desatino.


Ô, me deixem chorar por minha rosa
e pensar que o orvalho é a lacrimosa
semente de esplendor de seu destino...


A. Estebanez
(Dedicado com carinho à minha mestra
Maria Madalena Cigarán Schuck)

"WRITTEN IN VERY EARLY YOUTH"



Calm is all nature as a resting wheel.
The kine are couched upon the dewy grass;
The horse alone, seen dimly as I pass,
Is cropping audibly his later meal:

Dark is the ground; a slumber seems to steal
O'er vale, and mountain, and the starless sky.
Now, in this blank of things, a harmony,
Home-felt, and home-created, comes to heal

That grief for which the senses still supply
Fresh food; for only then, when memory
Is hushed, am I at rest. My Friends! restrain

Those busy cares that would allay my pain;
Oh! leave me to myself, nor let me feel
The officious touch that makes me droop again.


William Wordsworth

"Tristeza"



Eu amo a noite com seu manto escuro
De tristes goivos coroada a fronte
Amo a neblina que pairando ondeia
Sobre o fastígio de elevado monte.

Amo a desoras sob um céu de chumbo,
No cemitério de sombria serra,
O fogo-fátuo que a tremer doideja
Das sepulturas na revolta terra.

Amo ao silêncio do ervaçal partido
De ave noturna o funerário pio,
Porque minh’alma, como a noite, é triste,
Porque meu seio é de ilusões vazio.
(...)
O céu de anil, a viração fagueira,
O lago azul que os passarinhos beijam,
A pobre choça do pastor no vale,
Chorosas flores que ao sertão vicejam,

A paz, o amor, a quietação e o riso
A meus olhares não têm mais encanto,
Porque minh’alma se despiu de crenças,
E do sarcasmo se embuçou no manto.



Fagundes Varela
de 'Poesias"

sexta-feira, 11 de julho de 2008

"Solidão"




Imensas noites de inverno,
com frias montanhas mudas,
e o mar negro, mais eterno,
mais terrível, mais profundo.
Este rugido das águas
é uma tristeza sem forma:
sobe rochas, desce fráguas,
vem para o mundo, e retorna...

E a névoa desmancha os astros,
e o vento gira as areias:
nem pelo chão ficam rastros
nem, pelo silêncio, estrêlas.

A noite fecha seus lábios
— terra e céu — guardado nome.
E os seus longos sonhos sábios
geram a vida dos homens.

Geram os olhos incertos,
por onde descem os rios
que andam nos campos abertos
da claridade do dia.


Cecília Meireles
in "Poesia Completas"

"Elegia Amarga"




Tinha a noite escondida na espessura
de seus cabelos rotos pela aragem
quando a manhã cresceu para a ventura
em seus olhos magoados de paisagem.

E ouviu nas rotas claras da cintura
as confabulações do amor fortuito,
mas não fugiu, embora houvesse muito
desespero em redor da fonte escura.

Antes, em meio ao lúcido abandono
silenciosa ficou, a noite inteira,
louca de tédio e grávida de sono.

Depois, ardendo em chamas invisíveis
deu à fúria do mar a cabeleira
que inventava canções quase impossíveis.


Carlos Pena Filho
in 'Os Melhores Poemas'

"Desejo"




desejo de ser eu
e de não ser

de viver
e morrer


de partir
e ficar


- desejo de
não desejar ...



Anrique Paço D'Arcos
(1906-1993- Lisboa)

"Tema e voltas"




Mas para que tanto sofrimento,
se nos céus há o lento
deslizar da noite.

Mas para que tanto sofrimento,
se lá fora o vento
é um canto da noite?

Mas para que tanto sofrimento,
se agora, ao relento.
cheira a flor da noite.

Mas para que tanto sofrimento,
se meu pensamento
é livre na noite?


Manoel Bandeira
in 'Estrela da Vida Inteira'

"Pastoral"



Não há, não,
duas folhas iguais em toda a criação.

Ou nervura a menos, ou célula a mais,
não há de certeza, duas folhas iguais.

Limbo todas têm,
que é próprio das folhas;
pecíolo algumas;
bainha nem todas.
Umas são fendidas,
crenadas, lobadas,
inteiras, partidas,
singelas, dobradas.

Outras acerosas,
redondas, agudas,
macias, viscosas,
fibrosas, carnudas.

Nas formas presentes,
nos actos distantes,
mesmo semelhantes
são sempre diferentes.

Umas vão e caem no charco cinzento,
e lançam apelos nas ondas que fazem;
outras vão e jazem
sem mais movimento.
Mas outras não jazem,
nem caem, nem gritam,
apenas volitam
nas dobras do vento.

É dessas que eu sou.


António Gedeão
(Poesias Completas, 1956-1967 )

"Riso e lágima"




Há uma lágrima, sempre atenta, em nossos olhos.
'Luís Edmundo'



Morre na alma um sorriso e a lágrima, sentida,
surge, treme, de leve, e traz à vossa face
o signo natural da tristeza que nasce
e não pode viver tão secreta, escondida.

Muitas vezes, porém, nas horas em que a vida
alegre se vos faz, como se se ocultasse
viverá - quem o sabe? - inútil, esquecida.

E assim, quando esqueceis a vossa desventura
a tristeza se esvai e a lágrima procura
ocultar-se, qual flor que nasceu entre abrolhos.

No entanto, para mim, há destas variedades:
passo a vida a cantar para matar saudades,
vivo sempre a sorrir com lágrimas nos olhos...


Cassiano Ricardo
(Dentro da noite, 1915.)

"Tempo"




Um vago rumor
Trespassa a folhagem
É o vento
É o vento
Querendo criar imagem.

Um movimento brusco
Acontece de repente
É o vento
É o vento
Querendo fazer-se gente

Uma lufada nas nuvens
Descobre, expõe a lua
É o vento
É o vento
Querendo deixar-me nua

Um sopro quente, abafado
Percorre toda a avenida
É o vento
É o vento
Querendo levar-me a vida


(José Magno)

"Fiat"




Aqui, uma elegia
às estrelas baças,
às rimas pálidas, gastas,
de meus versos perdidos,
não vingados.

Uma lembrança
à metáfora inglória,
aos pássaros implumes,
à mais anti-poética estória -
às estrofes renegadas,
no malfeito das horas.

Nas gavetas do olvido
um louvor tardio
aos incipientes frutos
de que me desfiz ,
à face imberbe,
à sinfonia dos surdos,
ao tatear dos cegos,
um certo fracasso de mim.

Um toque de silêncio
aos moinhos de ventos
mais inertes e mudos,
ao que saberia ter sido,
à musa ingrata, opaca ,
a uma certa luz buscada,
que se não fez,
que se não cumpriu.


(Fernando Campanella)

sexta-feira, 4 de julho de 2008

"Porta de Sonhos"




Fiz uma porta de sonhos
com duas partes viradas
para as portas do jardim
os dias foram tamanhos
e de todos fiz os sonhos
que vivi dentro de mim...

Naquelas partes viradas
para as rosas do jardim
inventei uma esperança
de viver de quase nada
e minha vida inventada
do nada restou assim...

A alma nua e penitente
com a calma da manhã
e a memória do jardim
no sonho da primavera
convivendo de quimera
as duas partes de mim...


A. Estebanez
(Dedicado à minha generosa amiga
Silvana Filgueiras R. de Castro Reis)

terça-feira, 1 de julho de 2008

"Adágio com sentimento"




Ah, os dedos entre as pétalas de rosas brancas
sentimento da alma em todo o amor do mundo
nas teclas de um piano as flautas doem tantas
quantas doem as mágoas de meu ser profundo.

Cantata ou fuga entre crepúsculos em quantas
semibreves de outono vai-me o amor fecundo
esse cantar de sonho com que tu me encantas
segundo o nunca mais de apenas um segundo.

O compassado amor – em dor menor – talvez
enquanto a noite for meu lume inda que tarde
o compensado amor – em dor maior – jamais!

Que toda aurora é o anoitecer de alguma vez
meu dia é essa canção composta de saudade
e minha noite quase sempre é um nunca mais...

A. Estebanez
(Homenagem ao amigo Juarez Santos)

"Centelha"




Nunca espero desta vida
o que a vida não me deu
minh'alma compadecida
é do amor que renasceu.

Corações a toda a brida
o meu nas beiras do teu
mas tu amavas dividida
sem saber qual era meu.

Montanhas a fé remove
e o amor é que comove
a centelha dessa chama

que me dói e não apaga
e me diz que não acaba
que o amor inda te ama.


A. Estebanez
(Poema dedicado à gentil
amiga Priscilla Basílio)

"Alma de Pássaro"




Eu não sou maior
e nem sou menor
sou apenas como
adjunto do modo
eu somente podo
o resto é o pomo.

Nada é diferente
todo dia sempre
faz o outro igual
e nem é demora
o vagar da hora
refratária ao sol.

Há a água turva
há além a curva
onde o dia vaza
há a água funda
a luz é profunda
a alma é a casa.

Às vezes me falo
às vezes eu calo
para me escutar
e sei pelo vento
e pelo momento
de como cantar.

O eu vem à tona
o amor é carona
e vaga a viagem
a flor é a espécie
na rosa acontece
o resto é aragem...

A. Estebanez
(Dedicado ao poeta FERNANDO CAMPANELLA
– mensageiro da placidez da alma humana)

"Amar do verbo amor"




O amor não se conjuga no passado.
Contudo, se o amor de Deus passar...
Amor é instinto humano sublimado
e instintos não se podem conjugar...

Não amo amor que deva ser amado
segundo me convenha o verbo amar...
O amor é graça e nasce conjugado
como o fascínio que me traz o mar...

O amor é dom e nunca se ressente
do menos-que-perfeito do presente
nem do perfume se ressente a flor.

Juro por todo o amor que me doeu
que tanto que me dói ainda é meu
o presente de amar do verbo amor...


A. Estebanez
(Dedicado ao poeta carioca Théo Drummond
– membro da Academia Brasileira de Poesia)

"O sentido da flor"




... E neste milênio
o que for pequeno
vai multiplicar...
O que estava morto
ou que nasceu torto
vai ressuscitar...
Cada pensamento
é um testamento
do que vai ficar...
Nem uma aquarela
terá luz mais bela
que a rosa amarela
de intenso brilhar...

E a tulipa de ouro
secreto o tesouro
só pode encontrar
no verso do verso
do imenso universo
no anverso do mar...

É mais que uma flor
e mais do que amor
é o sentido de amar...

A. Estebanez