A alma é um cenário.
Por vezes, ela é como uma manhã brilhante e fresca,
inundada de alegria.
Por vezes ela é como um pôr do sol...
triste e nostálgico.

-Rubem Alves-

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sexta-feira, 29 de julho de 2011

TÃO CÚMPLICES AS PALAVRAS

Às vezes vêm de muito longe:
de fatigadas viagens,
de mortes prematuras,
de excessivas solidões.
Mas vêm.
E trazem a inicial pureza das fontes.
E a lâmina do silêncio.
E a desordem da noite.
E a luz extenuada do olhar.
Tão cúmplices, as palavras.

GRAÇA PIRES
De O silêncio: lugar habitado, 2009

quinta-feira, 28 de julho de 2011

CLARAS CRUZADAS


Alva - clara,
a palavra das horas
lavra o tempo vivido.

Alva - clara,
a palavra triste
lava os olhos do esquecido.

Alva - clara,
a palavra insiste:
larva sob o vento transido.

Alva - clara,
a palavra marota
capina savana enluarada.

Alva- clara,
a palavra afoita
cavalga amante ensandecida.

Alva - clara,
a palavra servil
escava a alma perdida.

Alva - clara,
a palavra ardente
trava o sumário da vida.


*Jairo De Britto,
em "Dunas de Marfim"

quarta-feira, 20 de julho de 2011

O Solitário

Não: uma torre se erguerá do fundo
Do coração e eu estarei à borda:
Onde não há mais nada, ainda acorda
O indizível, a dor, de novo o mundo.

Ainda uma coisa, só, no imenso mar
Das coisas, e uma luz depois do escuro,
Um rosto extremo do desejo obscuro
Exilado em um nunca-apaziguar,

Ainda um rosto de pedra, que só sente
A gravidade interna, de tão denso:
As distâncias que o extinguem lentamente
Tornam seu júbilo ainda mais intenso.

Rainer Maria Rilke,
Tradução Augusto de Campos

sexta-feira, 15 de julho de 2011

'Neblina'

Estranho é caminhar na densa névoa:
Solitária esta cada planta ou pedra,
Nenhum arbusto enxerga o seu vizinho,
Cada um está só.
Cheio de amigos era, para mim, o mundo
Quando luminosa ‘inda era minha vida;
Agora que a névoa caiu,
Ninguém mais é visível.

Não é deveras um sábio
Quem não conhece a escuridão
Que, suavemente, nos separa
De tudo inexorável.

Estranho é caminhar na densa névoa:
Viver é estar solitário
Entre gente que se ignora.
Todos estamos sós!


Hermann Hesse
“Este Lado da Vida”,

Que diferença faz as flores


Que diferença faz às flores
se por um segundo as contemplo?
Nem sei se algo no mundo
precisa de meu olhar assim atento.
Se me procuras, em teu espelho
por um tempo me reflito.
Depois ao cálice de mim retrocedo.
Eu sou o velho vinho que me bebo
de minha embriaguês me contento.

Fernando Campanella,
de 'O Eu Confesso', XXX.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

DESPERDÍCIO

Pelos penhascos das horas,
A vida se precipita.
Célere, transpõe os anos.
Que aluvião de banalidade
Arrastam essas águas tumultuosas
Em sua trajetória efêmera!

Helena Kolody
In: Correnteza

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Poema III

Hoje não vou colher
nem laranjas, nem flores, nem amoras.
Vou ver crescer o dia
no redondo das frutas,
e ouvir sem pressa o canto destas aves.
Serão as mesmas de ontem?
Um dia a mais que fez de mim, que faz?
E as aves que cantavam,
se não são estas, onde
estão? O canto apenas se repete?
Aquela que ontem via
o que ora vejo, não é mais em mim?
Então eu me renovo
como as águas e as plantas?
Sou outra, ou me acrescento ao que já sou?
No entanto, é tudo igual,
embora eu saiba que só na aparência;
e meu prazer me vem
de estar sentada aqui,
detendo um tempo que se não detém.

Marly de Oliveira
(Cachoeiro de Itapemirim, Espírito Santo 1935 — Rio de Janeiro, 1 de junho de 2007)

sexta-feira, 8 de julho de 2011

EM ALGUM LUGAR

No deserto da vida eu erro e ardo
a gemer sob o peso do meu fardo,
mas em algum lugar quase esquecidos
sei de frescos jardins em sombra e em flor.

Em algum lugar, nos confins do sonho,
sei que um abrigo vela
onde a alma volta a ter pátria
e estão à espera o sono, a noite e as estrelas.

Hermann Hesse
In Andares
Tradução Geir Campos

segunda-feira, 4 de julho de 2011

LIVRO ABERTO


A rua é um livro aberto.
O olho minúsculo de um pássaro
é um livro aberto.
A porta fechada de um quarto
é um livro deserto.
Tenho escrito palavras
de muitos livros refeitos
que, surdos e quietos,
tecem límpidos e claros
os seus herméticos enredos.
Na rua leio o que soletro.
No minúsculo olho de um pássaro
não leio o que vejo,
embora pássaros e ruas
me ensinem o que percebo.
Me ensinam, por exemplo,
o desterro aberto e refeito
de todo livro relido,
se atrás da porta fechada,
refaço o seu silêncio desfeito,
releio o meu silêncio perdido.

Mário Chamie
(1933-2011)
Um dos poemas inéditos em livro que Mário Chamie preparava para editar e que foi publicado pelo "Estado" em dezembro do ano passado.