A alma é um cenário.
Por vezes, ela é como uma manhã brilhante e fresca,
inundada de alegria.
Por vezes ela é como um pôr do sol...
triste e nostálgico.

-Rubem Alves-

Seja bem-vindo. Hoje é
Deixe seu comentário, será muito bem-vindo, os poetas agradecem.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

''Ano novo''





A quem direi dessa nova
manhã que tinge o horizonte
de uma cor que se renova?
Ao que em toda a caminhada
teve a alma crucificada
e, já sem alma, resiste,
embora não tenha nada,
além do sonho, que é menos
do que nada?
Ou, antes, ao que sentia
estar o mundo já morto
quando mal amanhecia?
Ao pária, ao triste, ao mendigo?
Dá-la a todos? A ninguém,
para que morra comigo
e todos acabem sem?
Ah, não saber a quem dá-la,
não saber a quem levá-la,
mensagem, flâmula, palma,
um sim nítido que fosse
até o sonho, até a alma
já perdida
no que há de morte na vida!  



Emílio Moura
In: Itinerário Poético
Noite Maior 

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

"Quando um homem quiser"


 Tu que dormes a noite na calçada de relento
Numa cama de chuva com lençóis feitos de vento
Tu que tens o Natal da solidão, do sofrimento
...És meu irmão amigo
És meu irmão

E tu que dormes só no pesadelo do ciúme
Numa cama de raiva com lençóis feitos de lume
E sofres o Natal da solidão sem um queixume
És meu irmão amigo
És meu irmão

Natal é em Dezembro
Mas em Maio pode ser
Natal é em Setembro
É quando um homem quiser
Natal é quando nasce uma vida a amanhecer
Natal é sempre o fruto que há no ventre da Mulher

Tu que inventas ternura e brinquedos para dar
Tu que inventas bonecas e comboios de luar
E mentes ao teu filho por não os poderes comprar
És meu irmão amigo
És meu irmão

E tu que vês na montra a tua fome que eu não sei
Fatias de tristeza em cada alegre bolo-rei
Pões um sabor amargo em cada doce que eu comprei
És meu irmão amigo
És meu irmão

Natal é em Dezembro
Mas em Maio pode ser
Natal é em Setembro
É quando um homem quiser
Natal é quando nasce uma vida a amanhecer
Natal é sempre o fruto que há no ventre da Mulher

José Carlos Ary dos Santos
(Lisboa, 7 de Dezembro de 1936 — Lisboa, 18 de Janeiro de 1984)
-Portugal-

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

''Anseio''


Ah, eu quisera ser aquela árvore
coberta pelas garças brancas de vôo incerto!
Árvore plantada pelo acaso
à margem do rio enorme!
Árvore de frondes anantos,
desejosa, quase humana,
que se arrepia ao contato
das penas dos papagaios que passam!
Árvore que tem o grande amor do vento
e que da sombra para o gado descansar.
Árvore estéril, árvore bela, árvore fresca,
árvore amante de todos os crepúsculos,
no solstício do inverno ou do verão,
Árvore do pensamento das outras árvores!

- Adalcinda Camarão,
do livro "Poesia do Grão-Pará"
(seleção e notas de Olga Savary). Rio, Graphia, 2001.

''SORTILÉGIO''


Há um pensamento chorando dentro da noite erma.
Há um pensamento virgem, solitário,
apalpando a floresta,
roçando no rio largo,
por onde bóia, em cada estirão,
o sortilégio da mãe-d’água.

O jurutai canta para a lua cheia,
Os grilos arremedam o assobio do vento,
As nuvens sacodem chuva e tristeza
só porque eu quero luar nos meus pés.

E vem lá de dentro da mata,
lá de onde eu não sei como está,
a voz rouca do silêncio amazônico
consolando as umbaubeiras perdidas
que a trovoada vergou.

Há um pensamento chorando dentro da noite esquecida…
Descendo pela correnteza,

pedindo a mão das estrelas…
Há um pensamento com sono e sem poder dormir…
Marinheiro, vê se tu podes compreender
esse pensamento de mulher.

Adalcinda Magno Camarão Luxardo
Poesia do Grão-Pará
(Rio, Graphia, 2001, seleção e notas de Olga Savary)


segunda-feira, 25 de novembro de 2013

 
porto é lugar da memória
atrelemos o desejo às ondas -

somos barcos, frágeis barcos
sobre as horas

Fernando Campanella

Do álbum: MINAS EM GROTAS

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

''CANÇÃO''

Passa o vento de outono
derrubando a tarde:
caem torres douradas,
folhas azuis caem.

E passa o tempo louco
derrubando os sonhos:
caem torres de amor,
trêmulas folhas caem.

No vazio cai,
sem fim, meu coração.
Nada pode salvar-me.
Deus sabe que estou morto.

Sobre mim passa um rio
de esquecimento sem remédio.
Acima cruzam flores.
Sei que ninguém me ouve.


Eduardo Carranza
In: Antologia Poética

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

''PARA SER FELIZ''


...nada saber de Geografia
ignorando, assim, a semelhança
entre a ilha perdida no oceano
e o sozinho em meio à multidão

....não conhecer História Natural,
imaginando integram um só reino
os animais e os minerais,
não havendo surpresa ao defrontar,
a cada passo, corações de pedra

....nunca ter aprendido Matemática
e não poder, então, somar angústias,
multiplicar tristezas e desgostos,
contar e recontar horas vazias

....desconhecer Astronomia,
posição e distância das estrelas
supondo ser possível alcançá-las,
trazê-las aos punhados, faiscantes,
para o enlevo dos olhos bem amados

....não ter qualquer noção de Geometria,
de ângulos, triângulos, polígonos;
não entender de círculos e retas,
porque só é feliz quem nada sabe,
nem percebe que o Sonho e a Realidade
fazem jornada em ruas paralelas.

Graciette Salmon,1960

terça-feira, 19 de novembro de 2013

"O Vento e Eu"

O vento morria de tédio
porque apenas gostava de cantar
mas não tinha letra alguma para a sua própria voz,
cada vez mais vazia...
Tentei então compor-lhe uma canção
tão comprida como a minha vida
e com aventuras espantosas que eu inventava de súbito,
como aquela em que menino eu fui roubado pelos ciganos
e fiquei vagando sem pátria, sem família, sem nada neste vasto mundo...
Mas o vento, por isso,
me julga agora como ele...
E me dedica um amor solidário, profundo!

Mario Quintana
de 'velório sem Defunto'

[Tela by Dima Dmitriev]

domingo, 17 de novembro de 2013

'noturna'

 

passam as horas
lentas na chuva
que passa
na janela

exaustas dos dias
ardentes

passa sua dor
silenciosa nos olhos
que miram a chuva
por trás dos vidros   

alheia pelo que
somos

silêncio e melancolia


Adair Carvalhais Júnior

Do blogger do autor;
[ http://ventosdesencontrados.blogspot.com.br/]

''Transitório''

Amanheço com a chuva
dos anos da memória
e nada exaure mais
que este gosto de sal

E quanto queria
amanhecer longe
destes páramos
e perder com justeza
e sorrir com a vida
mas nada transporta
ou redime
os amigos mortos

A vida dói na alma
como uma tina de fel
e guardamos o segredo
de continuar vivos
para incrível surpresa
dos que comandam a vida

Luís de Miranda*

*Luiz Carlos Goulart de Miranda (Uruguaiana, 6 de abril de 1945) é um premiado poeta brasileiro, renomado autor da obra poética mais extensa do mundo, com 3432 páginas contabilizadas (seguido por Pablo Neruda, 2.080 páginas; Ezra Pound, 837 páginas). Poeta gaúcho com mais de quarenta e cinco anos de carreira literária, possui 33 livros publicados num total de páginas que impressiona pelo volume, pela qualidade e conteúdo. Trabalhou e escreveu em diversos órgãos de impressa de Porto Alegre, Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte.
Em 1987 é eleito para a Academia Rio-Grandense de Letras, e em 2000 é eleito para a Academia Sul Brasileira de Letras. Em junho de 2010, tendo sido informado por Diva Pavesi, recebeu uma insignia da Academia de Artes, Ciências e Letras de Paris.
Foi indicado ao Prêmio Nobel de Literatura pela parceria da PUCRS com o comitê organizador do prêmio sueco.

[Tela by Dima Dmitriev]

''Nada existe''


Nada existe do outro lado do mar,
a não ser o azul que sonhamos,
as parreiras densas de algum vinho,
havido nos barris do sonho
e envelhecido na resina espessa
que em nós ensina a solidão.

Ah, coração, solta teus fantasmas,
o que dorme no silêncio mas vibra
antigas cinzas, vidros, espelhos,
paisagens esquecidas, retratos.

Ah, coração, transporta a acidez,
do verão, os utensílios diários da insônia,
o que me silencia os nervos
e arde neste vento de dezembro,
violino enlouquecido.

Nada existe do outro lado do mar
que não sejam velhas cartas,
poemas interminados,
o silêncio das palavras.

Nada existe do outro lado da vida,
animal exposto a visitação pública.
Passageira como nós, que não vai ao mar,
e morre em ais pelos caminhos.

Luiz de Miranda.


[Tela de Dima Dmitriev]

''NEM TUDO''

Nem tudo é proibido:
a rosa é dádiva
e há pétalas no caminho salpicadas

O sol é dádiva
o mar, o vento, o fruto
o pouso do guerreiro e as suas asas
abertas na ilusão do viadante

A sombra, o sonho, o olhar de súplica
a voz inesperada, o amor incerto
o gesto sôfrego, o adeus, o abraço,o afago
...nem tudo é proibido

A vida passa na folha que cai
no momento perdido
e na dúvida que fere vezes mais
que este medo de espinhos de que fugimos

Mauro Salles
In O Gesto

[Tela by Oksana Kravchenko]

sábado, 16 de novembro de 2013

O SONO DAS ÁGUAS


Há uma hora certa, no meio da noite,
uma hora morta, em que a água dorme.
Todas as águas dormem:
no rio, na lagoa,
no açude, no brejão, nos olhos d'água,
nos grotões fundos
E quem ficar acordado,
na barranca, a noite inteira,
há de ouvir a cachoeira
parar a queda e o choro,
que a água foi dormir...
Águas claras, barrentas, sonolentas,
todas vão cochilar.
Dormem gotas, caudais, seivas das plantas,
fios brancos, torrentes.
O orvalho sonha
nas placas da folha
geme adormece.
Até a água fervida,
nos copos de cabeceira dos agonizantes...
Mas nem todas dormem, nessa hora
de torpor líquido e inocente.
Muitos hão de estar vigiando,
e chorando, a noite toda,
porque a água dos olhos
nunca tem sono...

Guimarães Rosa
In 'Magma'*

*O livro “Magma” (1936) foi ganhador do concurso literário criado pela Academia Brasileira de Letras, com o autor assinado sob o pseudônimo “Viator”.
 Considerado pelo próprio Guimarães um “livro menor”, foi publicado apenas 61 anos depois, pela Editora Nova Fronteira.

"Song of myself" part 32 (excerpt)



“I think I could turn and live with the animals, they are so placid and self contained;
I stand and look at them long and long.
They do not sweat and whine about their condition;
They do not lie awake in the dark and weep for their sins;
They do not make me sick discussing their duty to God;
Not one is dissatisfied-not one is demented with the mania of owning things;
Not one kneels to another, nor his kind that lived thousands of years ago;
Not one is responsible or industrious over the whole earth.”


Walt Whitman
(Excerpt by "Song of myself" part 32)

''Harpa Esquisita''

Dói-te a festa feliz da verdade da vida...
Tanges da harpa, em teu sonho, almas e cordas, cantas,
Bóiam-te as notas no ar, a asa no azul diluída
E, assombrados, reptis – homens, não! tu levantas!

E apupilam-te a frente as mil pedras agudas
De ódios e ódios a olhar-te... E és um rei que as avista,
No halo, do Amor, que tens! se em colar as transmudas
Vais – um dervixe persa, o manto azul – Artista!

Inda olhar adormido abre, e é de ocre, e avermelha!...
Vem colar-te ao colar...e, oh! tua harpa esquisita
Plange... flora a zumbir, minúscula, que imita
A abelheira da Dor, em centelha e centelha.

E é a sombra... E o instrumento, a gemer, iluminado,
Como que à noite estrela um núbio corvo... E lindo
(Inda que as asas não no terás ao lado)
Por que os pétalos d’ouro, a haste de prata, abrindo,

Um lírio de ouro se alça?...Os passos voam-te, pelas
Ribas...Oh! que ilusões da flor, que tantaliza!
Sobe a flor? Sobes tu e a alma nas pedras pisa?....
Pairas... Em frente, o mar, polvos de luz – estrelas...

Pairas... e o busto a arfar – longe, vela sem norte.
Negro o céu desestrela, o seio arqueado: escuta.
No amoroso oboé solveja um vento forte
E, alta, em surdo ressoo, a onda betúmea e bruta.

A ânsia do mar, lá vem, esfrola-se na areia...
Seu líquido cachimbo é mágoa acesa, e fuma!
E chamas a onda: “irmã!”. E em fósforo incendeia
Na praia a onda do mar, ri com dentes de espuma.

De ametista, em teu sonho, uma antiga cratera
Mal te embebe – alegria! – alvos dedos de frio,
Eis se emperla o rosto e a prantear vês, sombrio
A onda crescer, rajar-se em brutal besta-fera!

Olhas... E, soluçoso, à música das mágoas
Amedulas o Mar e amedulas a Terra!
A sombra aclara... E é ver a dança verde de águas
E arvoredos dançando ao coruto da serra!

Gemes... Dedando o Azul as magras mãos dos astros
Somem, luzindo... Ao longe, esqueleta uma ruína
Em teu sonho a anervar argentina, argentina...
De ilusões, no horizonte, ossos brancos... são mastros!

Quente estrias a alma, à frialgem, nas cousas...
Que bom morrer! manhã, luz, remada sonora....
Pousas um dedo níveo às níveas cordas, pousas
E és náufrago de ti, a harpa caída, agora.

Ah! os homens percorre um frêmito. Num choro...
Move oceânica a espécie, amorosa, amorosa!
Mais que um dervixe, és deus, que morre, a irradiosa
Glorificação de ouro e o sol de ouro... à paz de ouro.


Pedro Kilkerry*

*Pedro Kilkerry (Salvador BA, 1885 – 1917) formou-se bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais na Faculdade de Direito da Bahia, em 1913. Na época, já atuava como colaborador das revistas Nova Cruzada, Os Anais, Via Láctea, A Voz do Povo e de vários jornais, entre os quais A Tarde, A Gazeta do Povo e Jornal Moderno, onde publicou a série de crônicas Quotidianas - Kodaks. Foi advogado e escriturário da Repartição de Contabilidade do Tribunal de Contas de Salvador. Poeta simbolista, Kilkerry não publicou livro em vida. Apenas em 1971 ocorreria a publicação póstuma de 36 de seus poemas, no livro ReVisão de Kilkerry, de Augusto de Campos. Para Campos, “Kilkerry não só compreendeu mais conscientemente que outros simbolistas o papel desempenhado na criação pelo subconsciente - mais tarde supervalorizado pelo Surrealismo - como soube levar mais longe a liberdade de associação imagética. Por outro lado, a capacidade de síntese, assim como a consciência das limitações da sintaxe ordinária, são mais agudas em Kilkerry do que em qualquer outro poeta do nosso Simbolismo”.

[Tela by Vered Fishman]

"Um poema de Moacir Félix"


Inalterável, eu, que atravessei o tempo
com a mensagem triste dos velhos outonos
presa no meu relógio,
eu, védica sandália, Atenas grave e trágica
ou doce fruto de uma dor hebraica,
às margens deste rio
cantarei no que fui como criança

a lenda


de uma princesa adormecida
(tão bela como a vida)
que dormia e dormia
(tão bela como a vida)
até que a despertaram
tão bela como a vida.


Moacyr Félix*



*Moacyr Félix (de Oliveira) nasceu no Rio de Janeiro em 11 de março de 1926. Fez o antigo curso primário e parte do antigo ginásio em Juiz de Fora, Minas Gerais. De 1939 a 1941, já no Rio de Janeiro outra vez, concluiu o ginasial no colégio Santo Inácio, onde também fez um curso complementar de Direito da Universidade Católica do Rio.

Ainda como estudante de direito, e depois como advogado, trabalhou no Departamento Jurídico da Companhia Auxiliar de Empresas Elétricas (Caeeb), de 1946 a 1949.


Em 1950, foi convidado oficialmente pelo governo francês para prosseguir seus estudos na França, na qualidade de étudiante patronné, seguindo até 1953 vários cursos de filosofia na Faculdade de Letras da Universidade de Paris (Sobornne). Foi aluno, então, de grandes nomes como Etienne Souriau, Jean Poirier, Jean Wahl, Merleau-Ponty e Gaston Bachellard. Em 1953, estudou filosofia com o prof. M. Goueroult, e psicologia e história das artes plásticas com os profs. René Huyge e Pierre Francastel, no Collège de France. Ainda em Paris, trabalhou, durante dois anos, como redator e locutor de um programa de Radiodifusão e Televisão Francesa para a América Latina.


De volta ao Brasil, em 1954 e 1955, foi membro do Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política (Ibesp). Em 1954, fez parte da equipe de redação da revista literária Marco, e de 1954 a 1956 integrou a comissão de redação da revista Caderno do Nosso Tempo, do Ibesp (sendo o seu ensaio mais conhecido o publicado sob o título "Aspectos da Questão Colonial", no nº 2 dessa revista).

[Tela by Christian Schloe]

''Es un sueño la vida"

Es un sueño la vida,
pero un sueño febril que dura un punto;
cuando de él se despierta,
se ve que todo es vanidad y humo. . .


¡Ojalá fuera un sueño
muy largo y muy profundo!
¡Un sueño que durara hasta la muerte!. . .
Yo soñaría con mi amor y el tuyo.




Gustavo Adolfo Becker*


*Gustavo Adolfo Domínguez Bastida
 (Sevilla, 17 de febrero de 1836 – Madrid, 22 de diciembre de 1870),
 más conocido como Gustavo Adolfo Bécquer, fue un poeta y narrador español, perteneciente al movimiento del Romanticismo, aunque escribió en una etapa literaria perteneciente al Realismo. Por ser un romántico tardío, ha sido asociado igualmente con el movimiento posromántico. Aunque mientras vivió fue moderadamente conocido, sólo comenzó a ganar verdadero prestigio cuando, tras su muerte, fueron publicadas muchas de sus obras.
Sus más conocidos trabajos son sus Rimas y Leyendas. Los poemas e historias incluidos en esta colección son esenciales para el estudio de la Literatura hispana, siendo ampliamente reconocidas por su influencia posterior.

XLVIII -'' Da Mais Alta Janela da Minha Casa''

 

Da mais alta janela da minha casa
Com um lenço branco digo adeus
Aos meus versos que partem para a Humanidade.
E não estou alegre nem triste.
Esse é o destino dos versos.
Escrevi-os e devo mostrá-los a todos
Porque não posso fazer o contrário
Como a flor não pode esconder a cor,
Nem o rio esconder que corre,
Nem a árvore esconder que dá fruto.


Ei-los que vão já longe como que na diligência
E eu sem querer sinto pena
Como uma dor no corpo.


Quem sabe quem os terá?
Quem sabe a que mãos irão?
Flor, colheu-me o meu destino para os olhos.
Árvore, arrancaram-me os frutos para as bocas.
Rio, o destino da minha água era não ficar em mim.
Submeto-me e sinto-me quase alegre,
Quase alegre como quem se cansa de estar triste.


Ide, ide de mim!
Passa a árvore e fica dispersa pela Natureza.
Murcha a flor e o seu pó dura sempre.
Corre o rio e entra no mar e a sua água é sempre a que foi sua.


Passo e fico, como o Universo.


Alberto Caeiro

(Fernando Pessoa)

"roça"


saber que o horizonte
não tem fim
e continua se abrindo
através dos silêncios


e as árvores permanecem
protegendo os segredos
que se espalham
horizonte afora


perceber que a terra
viceja sob mãos ásperas


e se desvenda devagar
para as águas mais fundas
constroem se raízes
que se entrelaçam lentamente
para sustentar cada manhã
e nutrir os dias
em silêncio



Adair Carvalhais Júnior*
*Mineiro de Governador Valadares, graduado em História e Direito e mestre em Filosofia pela UFMG.

[(Tela by Benjamin Parlagreco (1856–1902)]

''NÉVOAS''




À frente a lua, atrás os sonhos,
qual a distância a percorrer?
Não a suspeitam nossos olhos:
a bruma sobe das estradas
e desorienta homens e bússolas.

Mesmo que voássemos bem alto,
e os céus se abrissem para nós,
nem mesmo assim divisaríamos
os frutos rubros que buscamos
pelos pomares das estrelas.

Como condores, fronte a pino,
cortando os ares meio tontos,
em vez de dar com o rumo certo
cairíamos na terra cega,
ruiríamos no mar opaco.

Este é o castigo que nos deram:
imaginar com vista ousada,
porém achar grossas neblinas
fechando o mundo que buscamos
por tê-lo visto em pensamento.

E assim deixamos para trás
os sonhos, deuses compassivos:
sem os podermos contemplar
olhamos como um branco enigma
- nevoentos, zonzos os caminhos –

somente a lua à nossa frente.


Péricles Eugênio da Silva Ramos
in 'A Noite da Memória'

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

DE Rubem Alves



Assim são as imagens poéticas:
Elas têm o poder de ir lá no fundo da alma
Onde moram os esquecimentos
E quando um desses esquecimentos acorda
A gente sente um estremeço no corpo
Essa é a missão da poesia:
Recuperar os pedaços perdidos de nós...

Rubem Alves

''CONVERSA COM O SILÊNCIO''




O silêncio sussurra sua voz
Ante a multidão de vestígios
Que vai passando (in)consciente
Em busca de amantes.

Por onde quer que se ande
Imagens atravessam os sons
São sorrisos e faces disfarçadas
Brilho de saudade permanente.

Há também deleite do passado
Guardando-se do dia longo
Ruidoso que contou a história
De sobrevida desta memória.

Nos lastimamos em olhares
Do tempo insistente de hoje
Das eras de recordações vivas
Subjetivas de emoção e ardor.

O compasso do tempo marca
O sopro das estações que chegam
Nas palavras nos cabelos soltos
Nas alvoradas de outrora.


Vany Campos
In  'Poemas à Flor da Pele', Volume 7
Pag. 156

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

''Dos Silêncios''


As vozes da multidão soam
Sussurram silêncios longos
Lembranças de um passado
Por onde se andasse alado.

Imagens atravessam as paredes
Sorrisos disfarçados escondidos
Deleitando saudade no relógio
Na sobrevida das memórias.

O pensamento lastima-se
Nos hiatos da hora insistem
Nas lembranças das eras
Recordações de emoções passadas.

Acordam as manhãs do tempo
Dormidas nos corações dos homens
Onde existe um sopro de primavera
Que afaga os cabelos da aurora.

Vany Campos


[Arte de Viola Sado]

''Lembranças''


Na penumbra do passado
Há fatos acordados
Cada vez mais longe
Na saudade se esconde.

Há ternura em minha alma
Por idos que espalma...
Tantas tormentas vencidas
Dentro da própria vida.

Gira na minha lembrança
Uma onde que dança
De ontem à hoje é quanto
Na seara da vida é tanto...

Vany Campos
15/08/2010

terça-feira, 5 de novembro de 2013

''SONETO MELANCÓLICO''


    Quando o teu sol de luar de ti se esquece,
    e seus raios, ausentes, se consomem
    sobre o pesar, a nódoa, o abismo e a prece
    da minha obscura circunstância de homem;

    ou quando a sombra do teu dedo cobre
    a minha estrada e a minha sede antigas,
    e o teu rumor lava o meu mundo pobre,
    com arco-íris, ovelhas e cantigas;

    ou, no ar, a tua forma transeunte
    relâmpagos escreve, e frutos, e ondas,
    não sei o que suplique, nem pergunte,

    e bebo o escuro do silêncio aberto,
    por temer, ó manhã, que me respondas
tua escada de fogo e o meu deserto.

Abgar Renault
Obra Poética – 1.990 -

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

''Ode ao Vento Ocidental''



1

Oh, Vento Ocidental selvagem, exalas dos seres do outono o cheiro,
    De tua presença invisível, as folhas mortas
Lançadas são tal como fantasmas fugindo de um mágico.

Multidões delas de peste acometidas !
   Amarelas, pretas, pálidas e sanguíneas! Ó tu
Que, em carruagens, te transportas ao seu sombrio canteiro de inverno
 As sementes aladas, nas quais jazem frias e miúdas
   Cada qual como um cadáver na sua cova, até que
Tua azul-celeste irmã da Primavera toque
O seu clarim sobre a terra em sonhos, e encha de
   Pressurosos suaves rebentos iguais a flores povoando o ar,
Nas planícies e colinas, com cores e odores vivos.
Espírito selvagem que por toda a parte se move;
   Destruidor e preservador: escuta, oh, escuta!


2


Tu, em cuja corrente, em meio à íngreme convulsão do firmamento,
    Onde, como folhas murchas da terra, nuvens dispersas se derramam
Galhos emaranhados do céu e oceano sacudiste,

Anjos da chuva e dos raios! Aí espraiados
     Sobre a superfície azul de teu vagalhão etéreo
Qual brilhantes cabelos levantados
De alguma terrível Bacante, que vão da fina borda do
   Horizonte às alturas do zênite,
As madeixas da tempestade que se avizinha. Nênias entoas
Ao ano que se despede, para o qual esta noite se acaba
   Será a cúpula de um vasto sepulcro
Construído com todo o teu poder concentrado
De vapores, de cuja sólida atmosfera
   Chuva negra, e fogo e granizo arrebentar-se-ão: Escuta!


3


Tu que de fato acordaste de seus sonhos de verão,
    O azul Mediterrâneo, onde jazia,
Acalentado pelo azul espiralado de suas correntes cristalinas,
Junto a uma ilha de pedra-pome na baía Baiae,
   Viste adormecidos vetustos palácios e torres
Agitando-se num dia mais intenso de ondas,
Invasão completa de musgos e flores azuis
   Tão suaves que os sentidos não conseguem pintá-las! Tu
Por cujo caminho as forças do nível do Atlântico
Abrem-se em abismos, enquanto, bem no fundo,
   As florações marinhas e as florestas lodosas, que destroem
A folhagem seca dos oceanos,

Se agitam e se anulam, conheces
Tua voz e súbito te tornas medroso: Escuta!


4


Ah, fosse eu uma folha morta que pudesses segurar,
    Ah, fosse eu uma nuvem veloz para contigo:voar
Uma onda suspirando por sob teu poder e extirpar
O impulso da tua força, só que menos livre
   Do que tu, ó incontrolável! Se pelo menos
Ainda estivesse na minha infância e pudesse ser
O companheiro de tuas andanças nos céus
  Pois então, quando fosse para superar tua velocidade celeste
Mal pareceria uma visão, - Nunca teria eu feito tanto esforço
Quanto assim contigo em prece nas horas de dolorida necessidade.
   Oh! ergue-me como se uma onda fosse, uma folha, uma nuvem!
Desmaio  sobre os espinhos da vida!  Eu sangro!
Um fardo enorme de horas acorrentou-me e me oprimiu
    Alguém também como tu – rebelde, dinâmico e orgulhoso.


5


De mim fazes a tua lira, igual assim à floresta:
    O que ocorreria se minhas folhas com as dela caíssem!
A desordem das tuas poderosas harmonias
Um profundo tom outonal retirarão de ambos,
   Suave embora triste. Sê tu, Espírito selvagem,
Meu espírito! Fazes de ti o meu ser, impetuoso espírito!
Conduze meus pensamentos mortos através do universo,
   À semelhança da folhas murchas, a fim de um novo nascimento apressar;
E, pela magia destes versos,
Difundir, como se viessem de uma lareira sempre ardente,
   Cinzas e centelhas, minhas palavras à humanidade
Através de minha boca para uma terra adormecida
Sê tu, ó vento, a trombeta de uma profecia!
   Com o retorno do inverno, não poderia a primavera logo sucedê-lo?




Percy Bysshe Shelley
(Trad. de Cunha e Silva Filho)

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

"Ensaio"


No silêncio deste branco céu,
calmo e tempestuoso,
fluem lembranças coloridas,
dançantes valsas imaginárias,
com suas formas incertas,
feito livre voo das borboletas;
nítidas tal vivo quadro,
que de tão real
confunde o ensaio das nuvens!

Warllem Silva
In: Infinitude da Graça

[Arte de Jimmy Lawlor]

''SONETOS GÊMEOS''



I

Gota de luz no cálice de agosto,
Sabe a lúcida calma o desengano.
Em vão devora o tempo o mês e ao ano:
Vindima é a vida, vinho me é o sol-posto.

Cobre-se o vale de um rubor humano.
Um beijo solto voa no ar, um gosto
De uva madura, um aroma de mosto
Desce da rubra luz do céu serrano.

Vem, noite grave. E assim chegasse o outono
Meu, tão sutil e manso como agora
Mesmo subiu a sombra serra acima...

Tudo se apague e a hora esqueça a hora,
Que só do sonho eu vivo, e grato é o sono
A quem provou seu dia de vindima.


II

A quem provou seu dia de vindima
Votado ao outro lado, ao eco, ao nada,
Grata é a sombra mais longa e o fim da estrada
Começo de um descer, que é mais acima.

Grave, de uma tristeza inconsolada
Mas fiel, a minha sombra é a minha rima.
Princípio de um além que se aproxima
É o fim, talvez limiar de outra morada.

Gosto amargo e tão doce de ter sido
Poroso a tudo, alma aberta às auroras
Que hão de nascer, e ao lembrado e esquecido!

Saudade! mas saudade em que não choras
Senão cantando, o próprio mal vivido...
Que as horas voltem sempre, as mesmas horas!

Augusto Meyer


[Tela by Nita Engle]

sábado, 19 de outubro de 2013

''VIAGEM''

 
Sob o esplendor lunar,
a Noite,
imensamente silenciosa,
com ruídos
roucos,
nas toiceiras de ácidos perfumes.
Além, na longa estrada, o carro.
Avança. Vem.
¿ Quem eras tu, Viajante?
Passou.
Nunca saberás.
Uma estrela cadente
cintila
¿ Quem eras tu, no Espaço?
Fugiu, foi-se.
Nunca saberás.
Só saberás a ninharia
circundante
da tua vida.
Mas livra tua Alma
de todas as estreitezas.
Vê o infinito
do gesto bom
e
sem causas finais,
o gesto que brilha
como o Sol.
Vê a órbita dos planetas
e dos eléctrons invisíveis.
Se quiseres, se puderes, vê Deus.
Mas nunca, nunca desprendas os teus olhos
da Beleza
inatingível.

Pontes de Miranda,
de 'Inscrições da estrela interior',
in Obras literárias Prosa e poesia, 1960

''TRANQÜILIDADE''


A água misteriosa
pelas montanhas
desce,
sem cessar,
sem se ouvir...

Tranqüilidade.
Longe, na curva do oceano,
as velas
silenciosas,
sem se moverem,
sem se ouvirem,
avançam...

Tranqüilidade.
Espaçadamente,
mais uma pétala murcha
no chão recoberto de flores
aparece,
sem se ver,
sem se ouvir.

Tranqüilidade.
O perfume das árvores, dos campos,
canta, nas urnas de pólen,
o silencioso canto de amor...

Tranqüilidade.
Descendo às furnas úmidas
de mim mesmo,
paro,
e
debruço-me
sobre o lago inestanque,
imóvel,
do meu Pensamento.

Tranqüilidade.

Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda,
de 'Inscrições da estrela interior',
in Obras literárias Prosa e poesia, 1960.

(Maceió, 23 de abril de 1892 — Rio de Janeiro, 22 de dezembro de 1979) foi um jurista, filósofo, matemático e escritor brasileiro.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

  É por ti que se enchem os rios
de carpas azuis,
de águas que querem saltar
pela minha janela.
Como é belo este silêncio ilimitado
quando nas copas redondas das árvores
o teu nome me chama.
Pedi-te que apagasses a lua
e que nos campos tacteando te encontrasse.
Sei-te na aurora, por isso não temo
e agora a lanterna dos dias pode
por fim ficar em ventos de abraços.
Voam aves dentro dos teus sonhos
como memórias de pétalas acordadas.
Ficas ancorado dentro do meu tempo.
Não há saudade nem solidão
que se não derrube.

Lília Tavares
 in 'Parto com os ventos'

[Tela by Christian Schloe]

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

''DESPEDIDA''


No ar leve perfume de rosas
Em minha voz solidão profunda
e o tremor da tua voz cansada
sem horizontes e o amanhã imperecível

banindo promessas, clarões de madrugadas
como se a vida toda resumisse
em dizer adeus, partir somente
com nossas mágoas, dores e desejos

na incerteza do que vivemos e amamos
a implorar do infinito o impossível
no imperioso abandono de nós mesmos.

Elza Heloisa
de O Jardim de Judith

terça-feira, 8 de outubro de 2013

''AMOR PROFUNDO''


Não seja meu amor um mero passageiro
nesta estação de embarque de quimeras
em que a esperança espera em cativeiro
nas lembranças do encanto das esperas.

Que em nossas vidas fique o cancioneiro
com memórias do amor de quantas eras
migradas de entre as pedras ao canteiro
onde hás plantado à flor das primaveras.

Que os dias não nos passem enfadonhos
e nos deixem sonhar nossos dois sonhos
como almas gêmeas de meu travesseiro.

Provavelmente o amor venha a ser tanto
que transcenda os limites desse encanto
e seja tão eterno o quanto é verdadeiro.


Afonso Estebanez Stael

''Fio da vida''

Já fiz mais do que podia
Nem sei como foi que fiz.
Muita vez nem quis a vida
a vida foi quem me quis.

Para me ter como servo?
Para acender um tição
na frágua da indiferença?
Para abrir um coração

no fosso da inteligência?
Não sei, nunca vou saber.
Sei que de tanto me ter,
acabei amando a vida.

Vida que anda por um fio,
diz quem sabe. Pode andar,
contanto (vida é milagre)
que bem cumprido o meu fio.

Thiago de Mello,
em "Campo de milagres", 1998.

''Água de remanso''


Cismo o sereno silêncio:
sou: estou humanamente
em paz comigo: ternura.

Paz que dói, de tanta.
Mas orvalho. Em seu bojo
estou e vou, como sou.

Ternura: maneira funda,
cristalina do meu ser.
Água de remanso, mansa
brisa, luz de amanhecer.

Nunca é a mágoa mordendo.
Jamais a turva esquivança,
o apego ao cinzento, ao úmido,
a concha que aquece na alma
uma brasa de malogro.

É ter o gosto da vida,
amar o festivo, o claro,
é achar doçura nos lances
mais triviais de cada dia.

Pode também ser tristeza:
tranquilo na solidão macia.
Apaziguado comigo,
meu ser me sabe: e me finca
no fulcro vivo da vida.

Sou: estou e canto.

 Thiago de Mello,
em "Faz escuro mas eu canto",

''Arabesco''

Já próximos escutamos o rumor
dos cavalos que correm pela treva.
Até agora, porém, nada aprendemos:
não conquistamos nem a paz dos loucos
nem a mudez das fragas solitárias.
E enquanto a noite enorme, que nos ronda,
estende as suas mãos para afagar-nos
na areia das palavras desenhamos
o arabesco invisível desta mágoa:
— somos frágeis demais e não sabemos
sequer o que nos falta para sermos
completos como um deus — ou como um pássaro.

Thiago de Mello,
em "Vento geral", 1960.

''Como um rio''


Ser capaz, como um rio
que leva sozinho
a canoa que se cansa,
de servir de caminho
para a esperança.
E de lavar do límpido
a mágoa da mancha,
como o rio que leva,
e lava.

Crescer para entregar
na distância calada
um poder de canção,
como o rio decifra
o segredo do chão.

Se tempo é de descer,
reter o dom da força
sem deixar de seguir.
E até mesmo sumir
para, subterrâneo,
aprender a voltar
e cumprir, no seu curso,
o ofício de amar.

Como um rio, aceitar
essas súbitas ondas
feitas de água impuras
que afloram a escondida
verdade nas funduras.

Como um rio, que nasce
de outros, saber seguir
junto com outros sendo
e noutros se prolongando
e construir o encontro
com as águas grandes
do oceano sem fim.

Mudar em movimento,
mas sem deixar de ser
o mesmo ser que muda.
Como um rio.

- Thiago de Mello,
em "Mormaço na floresta", 1981.

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

''Prece''


dá-me a lucidez das
correntezas para que eu descubra
entre as tristezas que se
avolumam algum
sorriso mesmo
que não seja para mim

dá-me a serenidade de uma
estrela para que eu imagine
entre as lágrimas que não
me deixam qualquer
paz ainda
que breve

dá-me a claridade das
luas cheias para que eu invente
entre as angústias que se esparramam um
horizonte mesmo
que se transmutem em ilusão

dá-me a esperança das
árvores para que eu teça
entre as ausências que se
intensificam uma sanidade ainda
que estofada de
delírios

[Adair Carvalhais Junior]

''PELAS MULHERES ANÔNIMAS''


Rogo hoje a Deus pelas mulheres esquecidas
que sempre foram ‘caso’ e nunca foram tema:
mulheres sem o amor das musas pertencidas
sem o nome lembrado ao menos num poema.

E penso nas mulheres nunca compreendidas
as que sofrem sozinhas porque sentem pena
das mulheres que choram porque suas vidas
são extremos entre o prazer e a dor suprema.

E Deus se apraza das mulheres sem história
que desistem do sonho sem deixar memória
ou vivem de ilusões dos sonhos já passados.

Rogo de Deus o amor de dias complacentes
eis porque todas as mulheres são nascentes
dos milagres de amor que foram realizados!

Afonso Estebanez

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

''RETROVIAGEM''


Adiada a chegada
o mar é só vertigem
o porto está distante.

A noite nos oceanos
é uma tragédia de negrumes
onde se perdem
os homens ávidos de idílios
entre cetáceos ressabiados
e atlânticas saudades.

A estrela que me acompanha
(ou a persigo, em solitária romaria?)
restabelece o ancoradouro
que precocemente fugiu
das garras tênues
de um viandante inconcluso.

Mais inquieta é a esperança
se nela não navego
ou galopam outros sonhos.

A geografia dessas águas
fabrica desafios, enquanto no rosto
mareja o sacrifício da espera.

Ronaldo Cagiano
De Canção dentro da noite

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

"As estrelas do lago'


Havia, ontem à noite, tanta estrela
A tremer, a luzir n’água do lago,
Que eu pensei que era o céu
Que, por artes de algum mago,
Tinha descido à terra, de repente! ...
Parei-me junto ao lago, contemplando ...
E as estrelas, uma a uma,
Como espuma,
À flor d’água tremiam, refulgiam ...
Mas pouco a pouco foram reduzindo
O seu brilho,
E desapareceram ...

Olhei o céu: Lá estavam todas elas
A tremer, a brilhar! ...
Por certo riam
Da minha ingênua confusão ...
Que importa! ...
As estrelas do céu também se apagam.

Terra e céu cabem juntos
Dentro do mesmo sonho e da mesma ilusão ...


Emilio Kemp
in ‘Cantos de Amor ao Céu e à Terra’
(1873-1955)