sábado, 16 de novembro de 2013
O SONO DAS ÁGUAS
Há uma hora certa, no meio da noite,
uma hora morta, em que a água dorme.
Todas as águas dormem:
no rio, na lagoa,
no açude, no brejão, nos olhos d'água,
nos grotões fundos
E quem ficar acordado,
na barranca, a noite inteira,
há de ouvir a cachoeira
parar a queda e o choro,
que a água foi dormir...
Águas claras, barrentas, sonolentas,
todas vão cochilar.
Dormem gotas, caudais, seivas das plantas,
fios brancos, torrentes.
O orvalho sonha
nas placas da folha
geme adormece.
Até a água fervida,
nos copos de cabeceira dos agonizantes...
Mas nem todas dormem, nessa hora
de torpor líquido e inocente.
Muitos hão de estar vigiando,
e chorando, a noite toda,
porque a água dos olhos
nunca tem sono...
Guimarães Rosa
In 'Magma'*
*O livro “Magma” (1936) foi ganhador do concurso literário criado pela Academia Brasileira de Letras, com o autor assinado sob o pseudônimo “Viator”.
Considerado pelo próprio Guimarães um “livro menor”, foi publicado apenas 61 anos depois, pela Editora Nova Fronteira.
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