A alma é um cenário.
Por vezes, ela é como uma manhã brilhante e fresca,
inundada de alegria.
Por vezes ela é como um pôr do sol...
triste e nostálgico.

-Rubem Alves-

Seja bem-vindo. Hoje é
Deixe seu comentário, será muito bem-vindo, os poetas agradecem.

terça-feira, 18 de setembro de 2007

...



A vida ,este espaço entre o choro
dos que chegam e o choro dos que
ficam ébmuito importante para que
a deixe passar fria e inconsequente.

Planta teu jardim,
mesmo que ainda não tenhas o vaso.
Semeia os teus grãos antes que a fome apareça.
Tu és o dono e o condutor de tua vida.

Ela é tua e cabe a ti, fundamentalmente a ti,
guiá-la pelos caminhos da felicidade.
Ninguém tem o direito
de arrebatar das tuas mãos a batuta
que há de reger a sinfonia da tua vida.

Tu és quem deve decidir.
E o que decidas, seja pelo amor!
Viver, para quem ama,
é uma coisa tão sensacional, tão maravilhosa,
que esta lição, cantada há milênios,
deve ser a única explicação lógica e plausível
para dirimir as dúvidas quanto à razão de viver.

E, mesmo que não seja a grande razão,
por amor vale aceitá-la.

Só pelo amor vale a vida!


Orison Swett Marden

Clarice Lispector




"Viver é um ato que não premeditei. Brotei das trevas. Eu só sou válida para mim mesma. Tenho que viver aos poucos, não dá para viver tudo de uma vez. Nos braços de alguém eu morro toda. Eu me transfi­guro em energia que tem dentro dela o atômico nuclear. Sou o resultado de ter ouvido uma voz quente no pas­sado e de ter descido do trem quase antes dele parar — a pressa é inimiga da perfeição e foi assim que corri para a cidade perdendo logo a estação e a nova par­tida do trem e seu momento privilegiado que desperta espanto tão dolorido que é o apito do trem, que é adeus."

Clarice Lispector in 'Um Sopro de Vida'



Clarice Lispector -Brasil-

"AS CHAVES"




Felizes os homens que tem as chaves
porque só encontram portas abertas...


Como podem tantos homens dormir sossegados e felizes
de portas fechadas,
quando essas portas se fecham para tantos homens
que ficam sempre ao relento
e nunca podem entrar?

Neste mundo de tantas portas,
quando teremos cada um, a sua chave,
e a sua hora de voltar?...


JG de Araújo Jorge-Brasil-

SIMPLICIDADE,FELICIDADE




Simplicidade... Simplicidade...
Ser como as rosas, o céu sem fim,
a árvore, o rio... Por que não há de
ser toda gente também assim?

Ser como as rosas: bocas vermelhas
que não disseram nunca a ninguém
que têm perfumes... Mas as abelhas
e os homens sabem o que o que elas têm!

Ser como o espaço, que é azul de longe,
de perto é nada... Mas quem o vê
— árvores, aves, olhos de monge... —
busca-o sem mesmo saber porque.

Ser como o rio cheio de graça,
que move o moinho, dá vida ao lar,
fecunda as terras... E, rindo, passa,
despretensioso, sempre a cantar.

Ou ser como a árvore: aos lavradores
dá lenha e fruto, dá sombra e paz;
dá ninho às aves; ao inseto flores...
Mas nada sabe do bem que faz.

Felicidade — sonho sombrio!
Feliz é o simples que sabe ser
como o ar, as rosas, a árvore, o rio:
simples, mas simples sem o saber!


Guilherme de Almeida- Brasil-

"PARA ALÉM DA CURVA DA ESTRADA"




Para além da curva da estrada
Talvez haja um poço, e talvez um castelo,
E talvez apenas a continuação da estrada.
Não sei nem pergunto.
Enquanto vou na estrada antes da curva
Só olho para a estrada antes da curva,
Porque não posso ver senão a estrada antes da curva.
De nada me serviria estar olhando para outro lado
E para aquilo que não vejo.
Importemo-nos apenas com o lugar onde estamos.
Há beleza bastante em estar aqui e não noutra parte qualquer.
Se há alguém para além da curva da estrada,
Esses que se preocupem com o que ha para além da curva da estrada.
Essa é que é a estrada para eles.
Se nós tivermos que chegar lá, quando lá chegarmos saberemos.
Por ora só sabemos que lá não estamos.
Aqui há só a estrada antes da curva, e antes da curva
Há a estrada sem curva nenhuma.


Fernando Pessoa -Portugal-

...



"Quando escrevo, repito o que já vivi antes.
E para estas duas vidas, um léxico só não é suficiente.
Em outras palavras, gostaria de ser um crocodilo
vivendo no rio São Francisco. Gostaria de ser
um crocodilo porque amo os grandes rios,
pois são profundos como a alma de um homem.
Na superfície são muito vivazes e claros,
mas nas profundezas são tranqüilos e escuros
como o sofrimento dos homens."

João Guimarães Rosa -Brasil-

"CONSCIÊNCIA CÓSMICA"



Já não preciso de rir.
Os dedos longos do medo
largaram minha fronte.
E as vagas do sofrimento me arrastaram
para o centro do remoinho da grande força,
que agora flui, feroz, dentro e fora de mim...


Já não tenho medo de escalar os cimos
onde o ar limpo e fino pesa para fora,
e nem deixar escorrer a força dos meus músculos,
e deitar-me na lama, o pensamento opiado...


Deixo que o inevitável dance, ao meu redor,
a dança das espadas de todos os momentos.
E deveria rir , se me restasse o riso,
das tormentas que pouparam as furnas da minha alma,
dos desastres que erraram o alvo do meu corpo...


João Guimarães Rosa
(1908 - 1967)
de 'Magma'
Autor: ROSA, João Guimarães
Editora: Nova Fronteira
Local: Rio de Janeiro
Data: 1997
ISBN: 85-209-0843-8

"MAL SECRETO II"


Se em muita fronte que parece calma,
Se em muito olhar que límpido parece;
Se pudesse notar, ler se pudesse,
Tudo o que n'alma existe e vive n'alma!

Entre essa paz fictícia que se espalma
No rosto, a inveja, raro transparece;
Ela que à glória alheia se enraivece,
E que às alheias lágrimas se acalma.

Alma, vítima dessa enfermidade!
Mal sabes que à dos outros sendo adversa,
Tu és adversa à própria f'licidade!

A inveja os risos todos te dispersa:
Menos ódio merece que piedade,
Porque és mais insensata que perversa.

Raimundo Correia
Do livro: "Antologia de Poesia Brasileira - Realismo e Parnasianismo",
Ed. Ática, 1985, SP

OLHAS O AMANHECER



Olhas o amanhecer,
vives o amanhecer como o único instante
em que o céu é entreaberto segredo de um deus mudo.

Espera: algo vai se revelar e deves estar pronto
para mergulhar teu sonho num poço de luz casta.

O intocado te espera. E amanhece. E te iluminas
como se trincasses com os dentes a polpa do absoluto.


Alphonsus de Guimaraens Filho

"O VALE"





Sou como um vale, numa tarde fria,
Quando as almas dos sinos, de uma em uma,
No soluçoso adeus da ave-maria
Expiram longamente pela bruma.

É pobre a minha messe. É névoa e espuma
Toda a glória e o trabalho em que eu ardia...
Mas a resignação doura e perfuma
A tristeza do termo do meu dia.

Adormecendo, no meu sonho incerto
Tenho a ilusão do prêmio que ambiciono:
Cai o céu sobre mim em pirilampos...

E num recolhimento a Deus oferto
O cansado labor e o inquieto sono
Das minhas povoações e dos meus campos.


Olavo Bilac-Brasil-

"NOX"





Noite,vão para ti meus pensamentos,
quando olho e vejo, à luz cruel do dia,
tanto estéril lutar, tanta agonia,
e inúteis tantos ásperos tormentos...

Tu, ao menos, abafas os lamentos,
que se exalam da trágica enxovia...
O eterno Mal, que ruge e desvaria,
em ti descansa e esquece alguns momentos...

Oh! antes tu também adormecesses
por uma vez, e eterna, inalterável,
caindo sobre o Mundo, te esquecesses,

e ele, o Mundo, sem mais lutar nem ver,
dormisse no teu seio inviolável,
noite sem termo, noite do Não-ser!


Antero de Quental-Portugal-

...




O mundo não amei, nem ele amou-me
nunca adulei seu hálito corrupto,
nem a seus ídolos ajoelhei submisso
na minha face não cunhei sorrisos,
jamais gritei p'ra prestar culto a um eco;
na turba, ninguém dela julgar-me-ia.
No meio deles, mas sem ser um deles,
as minhas opiniões suas não eram,
e hoje ainda fora assim, se eu não limasse
minha razão havendo-a subjugado.

O mundo não amei, nem ele amou-me;
mas leais inimigos separamo-nos,
creio, bem que o contrário tenha achado,
qu'inda há palavras que denotam coisas,
que há esperanças, qu'enganar não querem,
que há virtudes piedosas, que não armam
laços aos fracos: também creio ainda
que há quem sincero sinta os males de outrem,
que um ou dois quase são quanto parecem,
que a bondade não é somente um nome,
e que não é a felicidade um sonho.


Lord Byron-Inglaterra-

"CÁRCERE DAS ALMAS"





Ah! Toda a alma num cárcere anda presa,
soluçando nas trevas, entre as grades
do calabouço, olhando imensidades,
mares, estrelas, tardes, natureza.

Tudo se veste de uma igual grandeza
quando a alma entre grilhões as liberdades
sonha e, sonhando, as imortalidades
rasga no etéreo Espaço da Pureza.

O almas presas, mudas e fechadas
nas prisões colossais e abandonadas,
da Dor no calabouço, atroz, funéreo!

Nesses silêncios solitários, graves,
que chaveiro do Céu possui as chaves
para abrir-vos as portas do Mistério?!


Cruz e Souza -Brasil-

"MINGNON"



Só quem conhece a saudade
conhece o meu sofrimento !
No amargor da soledade,
eu fico a todo momento
olhando com olhar triste
o caminho que seguiste.

E penso: aquela que me ama
vagueia distante agora!...
E estranha candente chama
as entranhas me devora.
Só quem conhece a saudade
conhece a minha ansiedade.


Goethe
in "Wilhelm Meister Lehrejahre"
Traduçao de Ary de Mesquita
*
(Tela de Wshington Maguetas)

"ARLEQUIM"



A grande sala estava constantemente vazia.
O piano, às vezes, ficava aberto
e exalava um cheiro antigo de madeira, seda, metal.

As estátuas seguravam seus mantos,
Olhando e sorrindo, altas e alvas.

E eu parava e ouvia o silêncio:
o silêncio é feito como de muitos guizos,
leves, pequeninos,
campânulas de flor com aragem e orvalho.

Quando abriam as cortinas,
pela vidraça multicor o sol passava
e deitava-se no sofá como um longo Arlequim.

Meu coração batia quase com o mesmo som
daquele relógio de cristal
que se via brilhar entre pequenas colunas
brancas e douradas.

Tudo era calmo e belo
e naquele sofá o Arlequim de luz dormia.

Cecília Meireles

(Tela de Washington Maguetas)

PAR ÍMPAR





Encostados à grande muralha de pedra - que esperamos nós dois?
Eu sei que não acabo em ti - tu sabes que não acabas em mim.
Já nos destruímos mesmo antes de nos conhecermos. Já tínhamos vivido
algumas vidas. Nossas biografias perdem-se na órbida do infinito.

Resta ainda uma chama nos nossos olhos.Descanso o braço no teu ombro.
Parece que existimos há séculos.Somos contemporâneos do primeiro homem,
da primeira carícia, da primeira revolta, do primeiro desânimo, do primeiro peixe, do primeiro navio, da primeira constelação.Nossa maior vontade é nos identificarmos com esta muralha de pedra.

Nada mais acontecerá.


Murilo Mendes -
In Poesia Completa e Prosa

"VAIDADE"



Sonho que sou a Poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidade!

Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher todo o mundo! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade!
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!

Sonho que sou Alguém cá neste mundo...
Aquela de saber vasto e profundo,
Aos pés de quem a Terra anda curvada!

E quando mais no céu eu vou sonhando,
E quando mais no alto ando voando,
Acordo do meu sonho... E não sou nada!...



Florbela Espanca

terça-feira, 11 de setembro de 2007

"OPINIÕES"




Quantas opiniões nos cerceiam a cada instante...
O ir e vir constante.
O que ontem abraçava com ardor...
Hoje não sei daquele calor..

A primeira idéia...
Formata e incendeia...
Mas passado o momento...
Do acontecimento...

Já não resplandece...
Empalidece...
O que agora brilha...
E que não é mais minha trilha...

Quantas vezes...
Revezes atrozes..
Calam me a voz...
E de mim fazem algoz...

E de repente...
Estou aqui eloqüente...
Fomentando outra opinião...
Que se insinua no coração...

Uma mesma caminhada...
Traz brilho a estrada..
De outra feita...
Agora não enfeita...

O sonho que sempre tive...
Não me contive...
Agora invalidou...
Nem na memória ficou...

Plantou...
Mas não vingou...
Pois a semente não eclodiu..
E enfim não brotou...

As diretrizes que sempre tive...
De repente ficaram sem raízes..
Flutuo...Fico livre...
Busco algo que me motive

E assim cada um pode dizer de si...
Que a contradição margeia...
Fortalece idéias... Que ora ateiam
Mas são plantadas na areia..

Paixões que não sedimentam...
Não alimentam...
O que num primeiro momento se buscou...
E assim portanto não se edificam...

Identificam a razão primeira...
Soberana...Plena...,
Encena apenas...A duras penas...
Sensações amenas.
Mas que agora já saíram de cena...


Carmen Cecília
05/09/07

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

"ENTRE PARTIR E FICAR"




Entre partir e ficar hesita o dia,
enamorado de sua transparência.

A tarde circular é uma baía:
em seu quieto vai e vem se move o mundo.

Tudo é visível e tudo é ilusório,
tudo está perto e tudo é intocável.

Os papéis, o livro, o vaso, o lápis
repousam à sombra de seus nomes.

Pulsar do tempo que em minha têmpora repete
a mesma e insistente sílaba de sangue.

A luz faz do muro indiferente
Um espectral teatro de reflexos.

No centro de um olho me descubro;
Não me vê, não me vejo em seu olhar.

Dissipa-se o instante. Sem mover-me,
eu permaneço e parto: sou uma pausa.



Octávio Paz-Mexico-
(Trad. Antônio Moura)

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

...





Sob o céu tão azul que se espiritualiza,
o jardim vai fechar as pétalas das rosas
como alguém que cerrasse as pálpebras medrosas
para ver o que só no sonho se divisa.

Tudo adormece em torno... E a paisagem, mais lisa
que um esmalte, desfaz-se em sombras vaporosas...
Nascem apenas no ar, vêm das moitas cheirosas
arabescos de sons de flauta, pela brisa...

A sombra desce e abranda as cores... E do luxo
do jardim silencioso, onde as luzes se enfeixam,
subsiste só o esguicho esvelto do repuxo.

E, sob o céu que foge em tons de anoitecer,
fecham-se as flores, como os olhos que se fecham
para ver o que só no sonho podem ver.



Onestaldo de Pennafort-Brasil-
- Interior - Poesia

"RECOLHIMENTO"



Sê sábia, minha dor, e mantém-te mais quieta!
Reclamavas a Noite, ei-la que vem descendo:
Ar de sombra por tudo a atmosfera projeta,
A uns trazendo a paz, a angústia a outros trazendo.

Enquanto dos mortais a multidão objeta,
Sob o flagelo do Prazer, este algoz sem virtude,
Na festa mais servil de remorso e repleta,
Minha Dor, dá-me a mão! Teu corpo em mim se escude!

Vê curvados além perdidos os Anos passados,
Nas sacadas dos céus de vestidos antiquados,
Surgir do fundo do mar a Saudade sorridente;

Dormir o Sol morrente sob arcada branda
E assim com um sudário arrastado no Oriente,
Ouve, minha cara, a doce noite que anda.



Charles de Baudelaire -França-
In As Flores do Mal
Tradução de Pietro Nassetti

"COM LENTO AMOR"


Com lento amor olhava os dispersos
Tons da tarde. A ela comprazia
Perder-se na complexa melodia
Ou na curiosa vida dos versos.

Não o rubro elemental mas os cinzentos
Fiaram seu destino delicado,
Feito a discriminar e exercitado
Na vacilação e nos matizes.

Sem se atrever a andar neste perplexo
Labirinto, olhava lá de fora
As formas, o tumulto e a carreira,

Como aquela outra dama do espelho.
Deuses que habitam para lá do rogo
Abandonaram-na a esse tigre, o Fogo.


Jorge Luis Borges-Argentina-
(Tela de Washington Maguetas)

AUSÊNCIA





I


Para atenuar esta saudade longa,
acendo o aroma de um cigarro inglês.
Pelo ar, a noite longa se prolonga
com a paciência doentia de um chinês...

II

Que saudade de ti, que estás distante,
tão distante, mas tanto, que parece
que estás doente, quase agonizante...

E, porque estás agonizante,
minha saudade toma a forma de uma prece...

III

Fecha os teus olhos tristes, para que eu
não chore ao vê-los! Não desejo vê-los!
Cobre-os na noite azul dos teus cabelos...
Apaga o olhar... pensa que ele morreu...

Fecha os teus olhos e olha para dentro
de ti mesma... Que vês? Ninguém? – Ninguém.
Mas ai de mim, que nunca me concentro,
para não ver, dentro de mim, alguém...



Onestaldo de Pennafort-Brasil-

"OS ANOS SÃO DEGRAUS"



Os anos são degraus; a vida, a escada.
Longa ou curta, só Deus pode medi-la.
E a Porta, a grande Porta desejada,
só Deus pode fechá-la,
pode abri-la.


São vários os degraus: alguns sombrios,
outros ao sol, na plena luz dos astros,
com asas de anjos, harpas celestiais;
alguns, quilhas e mastros
nas mãos dos vendavais.


Mas tudo são degraus; tudo é fugir
à humana condição.
Degrau após degrau,
tudo é lenta ascensão.


Senhor, como é possível a descrença,
imaginar, sequer, que ao fim da estrada
se encontre após esta ansiedade imensa
uma porta fechada
— e nada mais?


Fernanda de Castro-Portugal-

"UMA FONTE, UMA ASA...'





Os anos passam… Já vai sendo tempo
De pensar na Viagem.
Irei bem ou enganei-me? Este caminho
É verdade ou miragem?

Procuro em vão sinais. Em vão persigo
As horas silenciosas.
De olhos abertos, cega, vou andando
Sobre espinhos e rosas.

Errada ou certa é longa a caminhada,
Longo o deserto em brasa.
Ah, não fora, Senhor, esta esperança
De uma fonte, uma asa!

Fonte, Senhor, que mate a longa sede
Desta longa subida.
Asa que ampare o derradeiro passo
No limite da vida.

Ah, Senhor, que mesquinhas as palavras!
Vida ou morte, que importa?
Para entrar e sair a porta é a mesma:
Senhor, abre-me a porta!


Fernanda de Castro-Portugal-

"VIAGEM"




Aparelhei o barco da ilusão
E reforcei a fé de marinheiro.
Era longe o meu sonho, e traiçoeiro
O mar...
(Só nos é concedida
Esta vida
Que temos;
E é nela que é preciso
Procurar
O velho paraíso
Que perdemos).

Prestes, larguei a vela
E disse adeus ao cais, à paz tolhida.
Desmedida,
A revolta imensidão
Transforma dia a dia a embarcação
Numa errante e alada sepultura...
Mas corto as ondas sem desanimar.
Em qualquer aventura,
O que importa é partir, não é chegar.


Miguel Torga -Portugal-

...





Choro por ver que os dias passam breves
E te esqueces de mim quando tu fores;
Como as brisas que passam doidas, leves,
E não tornam atrás a ver as flores.


Teófilo Braga-Brasil

"EM PAZ"





Perto do meu ocaso, eu te bendigo, ó Vida,
porque nunca me deste esperança falida
nem trabalhos injustos, nem pena imerecida.

Porque vejo no fim de meu rude caminho
que fui eu o arquiteto de meu próprio destino;
que se os méis ou o fel eu extraí das cousas
foi que nelas pus mel ou biles amargosas:
quando plantei roseiras, não colhi senão rosas.

Às minhas louçanias vai suceder o inverno;
mas tu não me disseste que maio fosse eterno!
Julguei sem fim as longas noites de minhas penas;
mas não me prometeste noites boas apenas,
e, afinal, tive algumas santamente serenas...

Amei e fui amado, o sol beijou-me a face.
Vida, nada me deves! Vida, estamos em paz!


Amado Nervo-Mexico-
Tradução de Anderson Braga Horta

"EN PAZ"




Muy cerca de mi ocaso, yo te bendigo, Vida,
porque nunca me diste ni esperanza fallida
ni trabajos injustos, ni pena inmerecida.

Porque veo al final de mi rudo camino
que yo fuí el arquiteto de mi propio destino;
que si extraje las mieles o la hiel de las cosas
fué porque en ellas puse hiel o mieles sabrosas:
cuando planté rosales, coseché siempre rosas.

Cierto, a mis lozanías va a seguir el invierno;
¡mas tu no me dijiste que Mayo fuese eterno!
...Hallé sin duda largas las noches de mis penas;
mas no me prometiste tú solo noches buenas;
y en cambio tuve algunas santamente serenas...

Amé, fuí amado, el sol acarició mi faz.
¡Vida, nada me debes! ¡Vida, estamos em paz!


Amado Nervo-Mexico-

"HINO AO AMOR"



Sempre que haja um vácuo na tua vida,
enche-o de Amor.
Adolescente, jovem, velho:
Sempre que haja um vácuo na tua vida,
Enche-o de Amor.
Logo que saibas
De um tempo livre à tua frente,
vai buscar o Amor.
Não penses: sofrerei.
Não penses: vão enganar-me.
Não penses: duvidarei.
Vai simplesmente, transparente,
Regozijando, em busca do Amor.
Que espécie de Amor?
Não importa.
Todo o amor
Está cheio de excelência, e de nobreza.Ama como puderes,
Ama a quem puderes tudo o que puderes...
Mas ama sempre
Não te preocupes com a felicidade do teu amor.
Ele tem em si mesmo a sua felicidade.
Não te julges incompleto
Porque não correspondem à tua ternura:
O amor tem em si mesmo a sua própria plenitude.
Sempre que haja um vácuo na tua vida,
Enche-o de AMOR."


Amado Nervo-Mexico-

'Gitano'



amor cigano
é bela viola
oco de dentro
em canto por fora

asas que arrastam
é ave rompante

beijos que explodem
e viram abóbora

luas em transe
vagas de mar
jades que chamam

areias que cedem
- sereia de tranças
onde vou me enredar

febre do mato
amor vagalume

vinhos que encorpam
em porres baratos

grifes que deixam
perfumes prescritos

fome de romãs
nos entreatos


F. Campanella

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

"REMINICÊNCIAS"



Elos que se interligam
Na mente
E instigam
Toda sorte de lembranças...

Pedaços de recordações
Situações ações...
Mistos de emoções...
Esparsas que falham na memória

Que insiste na trajetória
Que foi embora...
Como um cometa
Sem história...

Nas entrelinhas...
Sozinhas
Distantes...
Mescla de instantes...

Borrões
As vezes clarões..

De um que de saudades...
Entremeadas em sonhos...

São reminiscências
Clarividências
Em que a eloqüência...
Perdeu a seqüência...

Olhamos nos olhos
Do passado emaranhado..
Em que tudo está atado...

Indagações que se perdem
Invertem...
A primeira intenção
Trazendo comoção...

Vai e volta insólida
Envolvente na sua melancolia
E insólida consolida..

O que pra tras ficou...
Danificou
O todo mal resolvido
E o que não tem mais sentido!


Carmen Cecilia-São Paulo-Brasil-
04/09/07

domingo, 2 de setembro de 2007

"VESPERAL"





Dentro do véu da tarde silenciosa,
os jardins adormecem a sonhar...
Choram, sonhando, a sorte de uma rosa
que vai morrer nos braços do luar.

Dentro do véu da tarde silenciosa,
alguém soluça, erguendo os braços no ar,
uma velha balada dolorosa
de um grande amor que ninguém soube amar...

Pela tristeza de um longínquo olhar,
dentro do véu da tarde silenciosa,
beijo uma sombra que me faz chorar.

Canta um repuxo na hora vaporosa...
Quantas flores ainda vão tombar
dentro do véu da tarde silenciosa...



Onestaldo Pennafort-Rio de Janeiro-Brasil

"A FONTE"





Da espalda de um rochedo, gota a gota
límpida fonte sobre o mar caia,
Mas, ao vê-la tombar em seu regaço:
” O que queres de mim?” O mar dizia.
“Eu sou da tempestade o antro escuro;
“Onde termina o céu aí começo;
“Eu que nos braços toda a terra espreito,
“De ti, tão pobre e vil, de ti careço?…
No tom saudoso do quebrar das águas
Ao mar, serena, a fonte assim murmura:
“A ti, que és grande e forte, a pobre fonte
Vem dar-te o que não tens, dar-te a doçura!”


Victor Hugo -França

"PASSAGEM DE AGOSTO"





A procissão de ventos desde a aurora
avança por aldeias, por desertos,
cantando vem chegando, vai embora,
ziguezagueia em seu vagar incerto.

Dedos inquietos, saltam bailarinos
nas hastes escamadas das palmeiras
soam flautas, violões e violinos
seguindo a voz de louca feiticeira.

Os ventos vão erguendo entre as estrelas
solene catedral a Sebastian:
torres de solidão, vozes e velas,
chamas de linho ardendo na manhã.

Harpas marulham em vastidões escuras
por onde o vento passa indiferente,
desatando canções que são loucura
na garganta perdida dos dementes.

Ventos de luz e flamas que confluem,
silfo de cinza e sal eu me desfaço
em nuvens que do chão ao céu refluem
no azul que cai ao chão feito em pedaços.


Geraldo Falcão-Pernambuco-Brasil

"AS PALAVRAS"




As palavras...
São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.

Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam;
barcos ou beijos,
as águas estremecem.

Eugénio de Andrade -Portugal-

"A VIAGEM DEFINITIVA"




Ir-me-ei embora. E ficarão os pássaros
Cantando.
E ficará o meu jardim com sua árvore verde
E o seu poço branco.

Todas as tardes o céu será azul e plácido,
E tocarão, corno esta tarde estão tocando,
Os sinos do companário.

Morrerão os que me amaram
E a aldeia se renovará todos os anos.
E longe do bulício distinto, surdo, raro
Do domingo acabado,
Da diligência das cinco, das sestas do banho,
No recanto secreto do meu jardim florido e caiado
Meu espírito de hoje errará nostálgico...
E ir-me-ei embora, e serei outro, sem lar, sem árvore

Verde, sem poço branco,
Sem céu azul e plácido...
E os pássaros ficarão cantando.


Juan Ramón Jiménez -Espanha-

"TERNURA"




Com as estrelas que deixei cair
de minhas asas de borboleta-transparente,
pedi à minha fada-madrinha
que bordasse, com linhas do infinito,
uma noite somente para meu amor.

E com as flores que deixei cair
De minhas folhas de violeta amadurecida,
Pedi ao meu anjo-da-guarda
Que bordasse, com linhas de eternidade,
Um céu branco e lilás
para ser o dia da noite do meu amor.


Oswaldo Antonio Begiato-São Paulo -Brasil-

"VOAR'






Deve ser bom voar! Abrir as asas,
fechar os olhos e partir sem rumo,
pairar sobre as cidades, sobre as casas,
como pássaro, estrelas, nuvem, fumo...

Deve ser bom voar! Erguer os braços
e acima dos telhados e dos ninhos,
esquecer os sinais de inúteis passos,
fugir ao pó de todos os caminhos...

Mas onde as asas para assim voar,
para subir às nuvens e às estrelas?
As dos homens, são asas de matar...
...e as dos anjos, quem pode pretendê-las ?



Fernanda de Castro-Portugal-
em Trinta e Nove Poesias – 1.941 –

"VENTO"



Passaram os ventos de agosto,levando tudo.
As árvores humilhadas bateram,bateram com os ramos no chão.
Voaram telhados,voaram andaimes,voaram coisas imensas:
os ninhos que os homens não viram nos galhos
e uma esperança que ninguém viu,num coração.

Passaram os ventos de agosto,terríveis,por dentro da noite.
Em todos os sonos pisou,quebrando-os,o seu tropel.
Mas,sobre a paisagem cansada da aventura excessiva - sem forma e sem eco,
o sol encontrou as crianças procurando outra vez o vento
para soltarem papagaios de papel.


Cecília Meireles
de Viagem

"O SEMEADOR"





Não tarda a noite sombria,
Corre a brisa vesperal...
Admiro este fim de dia
Cuja luz ainda alumia
Do trabalho a hora final.

É assim que, no vale umbroso,
Contemplo com emoção
Um pobre velho andrajoso
Que a mancheias, sem repouso,
Semeia o bendito grão...

Sua esquálida figura
Avulta ao longe, e é de ver
Como essa boa criatura,
Desde cedo à noite escura,
Sabe oo tempo despender...

Num vaivém, colhe a semente,
Reabre a mão, a semear...
E, estranho a esse augusto ambiente,
Eu, como obscuro assistente,
Entro agora a meditar...

Eis que uma estrela aparece
(Ainda se ouve algum rumor...),
Mais outra...Outra mais...Parece
Que vai surgindo a áurea messe
Ao gesto do semeador...



Victor Hugo -França-
Tradução de C. Tavares Basto
- In Poemas para Juventude

"TRISTEZA"




Eu perdi minha vida e o alento,
E os amigos, e a intrepidez,
E até mesmo aquela altivez
Que me fez crer no meu talento.

Vi na Verdade, certa vez,
A amiga do meu pensamento;
Mas, ao senti-la, num momento
O seu encanto se desfez.

Entretanto, ela é eterna, e aqueles
Que a desprezaram - pobres deles! -
Ignoraram tudo talvez.

Por ela Deus se manifesta.
O único bem que ainda me resta
É ter chorado uma ou outra vez.


Alfred de Musset-França-
Tradução de Guilherme de Almeida

...



Tenho dó das estrelas
Luzindo há tanto tempo,
Há tanto tempo...
Tenho dó delas.
Não haverá um cansaço
Das coisas,
De todas as coisas,
Como das pernas ou de um braço?

Um cansaço de existir,
De ser,
Só de ser,
O ser triste brilhar ou sorrir...

Não haverá, enfim,
Para as coisas que são,
Não a morte, mas sim
Uma espécie de fim,
Ou uma grande razão -
Qualquer coisa assim
Como um perdão?


Fernando Pessoa -Portugal-

"DIZENDO ADEUS"




Estou sempre dando adeus:
também ao desencontro e ao
desencanto.

Estou sempre me despedindo
do ponto de partida que me lança de si,
do porto de chegada que nunca é
aqui.

Estou sempre dizendo adeus:
até a Deus,
para o reencontrar em outra esquina
de adeuses.

Estarei sempre de partida,
até o momento de sermos deuses:
quando me fizeres dar adeus à solidão
e à sombra.


Lya Luft -Brasil-
in “Para não Dizer Adeus“

[...]

Entre a idéia
E a realidade
Entre o movimento
E a ação
Tomba a Sombra
Porque Teu é o Reino

Entre a concepção
E a criação
Entre a emoção
E a reação
Tomba a Sombra
A vida é muito longa

Entre o desejo
E o espasmo
Entre a potência
E a existência
Entre a essência
E a descendência
Tomba a Sombra
Porque Teu é o Reino
Porque Teu é
A vida é
Porque Teu é o

Assim expira o mundo
Assim expira o mundo
Assim expira o mundo
Não com uma explosão, mas com um suspiro.

T.S.Eliot-EUA-
tradução: Ivan Junqueira
Excerto do poema 'Os homens ocos"

"PLANTAREMOS ESTES ARBUSTOS"



Plantaremos estes arbustos
que darão flor apenas
daqui a três anos.

Plantaremos estas árvores
que darão fruto um dia,
mas só depois de dez anos.

Não plantaremos jardins de amor,
porque imediatamente
abrem tristeza e saudade.

Não plantaremos lembranças
porque estão desde já e para sempre
carregadas de lágrimas.

Cecília Meireles-Brasil-

"OS DOIS LADOS"




Deste lado tem meu corpo
Tem o sonho
Tem a minha namorada na janela
Tem as ruas gritando de luzes e movimentos
Tem meu amor tão lento
Tem o meu anjo da guarda
Que às vezes se esquece de me guardar
Tem o mundo batendo na minha memória
Tem o caminho para o trabalho.

Do outro lado tem outras vidas vivendo a minha vida
Tem pensamentos sérios me esperando na sala de visitas
Tem minha noiva definitiva me esperando com flores na mão
Tem a morte, as colunas da ordem e da desordem.

Murilo Mendes
Brasil

...




Talvez uma manhã andando num ar de vidro,
voltando-me, verei cumprir-se o milagre:
o nada às minhas costas, detrás de mim
o vazio, com um terror de bêbedo.

Depois como numa tela, acamparão de um jato
árvores ,casas, colinas, para a ilusão costumeira.
Mas será tarde e eu partirei calado
entre os homens que não se voltam, com o meu segredo.


Eugenio Montale-Itália-
(tradução: Geraldo H. Cavalcanti)

"MEDITAÇÃO"




A gente começa a amar
Por simples curiosidade,
Por ter lido num olhar
Certa possibilidade.

E como, no fundo, a gente
Se quer muito bem,
Ama quem a ama somente
Pelo gosto igual que tem.

Pelo amor de amar começa
A repartir dor por dor.
E se habitua depressa
A trocar frases de amor.

E, sem pensar vai falando
De novo as que já falou...
E então continua amando
Só porque já começou.


Paul Geraldy -França-
Tradução de Guilherme de Almeida

"FIM DE 68"



Contemplei da lua, ou quase,
o modesto planeta que contém
filosofia, teologia, política,
pornografia, literatura, ciências
exatas ou arcanas. Nele há mesmo o homem,
e eu entre eles. E tudo ë muito estranho.

Dentro de poucas horas será noite e o ano
terminará entre explosões de espumantes
e fogos de artifício. Talvez de bombas e coisas piores,
mas não aqui onde estou. Se alguém morre
ninguém se importa desde que seja
desconhecido e longe.


Eugenio Montale-Itália-
tradução: Geraldo H. Cavalcanti