A alma é um cenário.
Por vezes, ela é como uma manhã brilhante e fresca,
inundada de alegria.
Por vezes ela é como um pôr do sol...
triste e nostálgico.

-Rubem Alves-

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quinta-feira, 29 de novembro de 2012

''AO SAL''


 
 "Nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria."
(Pablo Neruda)

Nega-me tua alma –
esta alma, mesma, que me furtas

e é ao degredo irremediável
que me remetes.

Nega-me tua chama
que arde no delírio dos deuses,
teu anjo, que ressona na fluidez dos lagos,
tuas asas desdobradas,

nega-me, nega-me tua espuma
que regurgita no sonho das aves
(eu sou o teu infante pássaro)

e é sem minhas fontes que me deixas,
sem meu ar extasiado.

Nega-me teu mar, tua tempestade,
o sonho e a fantasia,
e me deixas ao relento, ao sal amargo
de cada dia.

Nega-me teu olhos e já não me atento

que a felicidade embora utopia das sombras
é também certa luz incidente
que só de teu olhar
meus olhos como cúmplices pressentem.

Fernando Campanella

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

''PRECE''



Eu queria cantar o mundo,
com voz bem afinada,
e fazer ressoar meu canto
em cada canto,
em cada estrada.

Eu queria tocar qualquer instrumento,
que vertesse som,
que fluísse música com harmonia
e fazer cada corpo vibrar
ao compasso da minha melodia.

Eu queria ser pintor,
espalhar cores, muitas cores,
manchar telas com habilidade,
retratar a natureza, os sentimentos,
alegrar olhos e almas
e transmitir paz, serenidade.

Eu pedi a Deus tudo isso,
pois queria enternecer corações,
encher a vida de alegria,
colorir pensamentos
e despertar emoções...

Antes mesmo de nascer,
eu pedi para ser esteta...
Ah! como eu pedi a Deus!...
Pedi tanto, tanto,
que Deus me fez poeta.

Adélia Maria Woellner

domingo, 11 de novembro de 2012

''POR AÍ ALÉM''


Deixa um momento o asfalto, vem comigo,
entre jogos de sombra e claridade
conhecer a cintura da cidade.

Respira a plenitude do silêncio
destes montes e montes sucessivos
que ignoram a dor dos seres vivos.

Mergulha no mistério vegetal
da mata exuberante, onde as lianas
e as bromélias se calam, soberanas.

E na imobilidade do saveiro
diante da igrejinha, vai sentindo
o que é doçura e paz na hora fluindo.


Carlos Drummond de Andrade
in ‘Poesia Errante ‘

''ACORDAR, VIVER''



Como acordar sem sofrimento?
Recomeçar sem horror?
O sono transportou-me
àquele reino onde não existe vida
e eu quedo inerte sem paixão.

Como repetir, dia seguinte após dia seguinte,
a fábula inconclusa,
suportar a semelhança das coisas ásperas
de amanhã com as coisas ásperas de hoje?

Como proteger-me das feridas
que rasga em mim o acontecimento,
qualquer acontecimento
que lembra a Terra e sua púrpura
demente?
E mais aquela ferida que me inflijo
a cada hora, algoz
do inocente que não sou?

Ninguém pode, a vida é pétrea.


Carlos Drummond de Andrade.
In 'Poesia Completa'

''A PALAVRA''

Já não quero dicionários
consultados em vão.
Quero só a palavra
que nunca estará neles
nem se pode inventar.

Que resumiria o mundo
e o substituiria.
Mais sol do que o sol,
dentro da qual vivêssemos
todos em comunhão,
mudos,
saboreando-a.


Carlos Drummond de Andrade,
in 'A Paixão Medida'

''QUALQUER TEMPO''



Qualquer tempo é tempo.
A hora mesma da morte
é hora de nascer.

Nenhum tempo é tempo
bastante para a ciência
de ver, rever.

Tempo, contratempo
anulam-se, mas o sonho
resta, de viver.


Carlos Drummond de Andrade,
in 'A Falta que Ama'

''A vida tem cores''





A vida tem cores
nas cores da vida,

em aquarela tingida
...desenha luz e som!
 
A vida tem cores
no beijo dos pássaros,
num adeus sem perfumes
... no pólen das flores!

A vida tem cores
numa palavra amarga,
num céu muito amplo
... presença que tarda!

A vida tem cores
num abraço amoroso,
num sorriso que chega
... num crepúsculo choroso!

A vida tem cores
nos sonhos vividos,
nos mares inquietos
... encontros perdidos!

A vida tem muitas e muitas cores,
as que ninguém pode ver,
quando minh'alma chora e ri
pela felicidade
que eu posso conter!

A vida tem cores
mesmo num coração morto!

Alvina Tzovenos
In Sonhos e Vivencias

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

''AERODINÂMICA''

A tarde às vezes me convida
para um exílio nos campos

entre contornos de montes
ante o silêncio de uma ermida.

A uma luz inclinada
por um certo sopro de outono
às vezes a tarde me quer voo
em transparências de azul
por entre as nuvens à deriva.

A tarde, soberana, irreverente,
se esquece às vezes
que não tenho o descompromisso
das aves, que sou gente.

(Fernando Campanella

''MEMORIAL''


 Aqueles túmulos me contam
que meus mortos vivem comigo,
que apenas deixaram invólucros
por algum tronco, suas vestes
ao esquecimento da estrada.

Um dia cantaremos também,
na memória, como as cigarras.

  Fernando Campanella

(Fotografia de Fernando Campanella)