A alma é um cenário.
Por vezes, ela é como uma manhã brilhante e fresca,
inundada de alegria.
Por vezes ela é como um pôr do sol...
triste e nostálgico.

-Rubem Alves-

Seja bem-vindo. Hoje é
Deixe seu comentário, será muito bem-vindo, os poetas agradecem.

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

"ORAÇÃO A MIM MESMO"




Que eu me permita
Silenciar e aprender e sonhar mais.
Falar menos com minhas certezas
E mais com meus gestos de gratidão.
Chorar menos pelos cantos
E mais na presença de meus amigos.
Acreditar mais na importância de minhas bobagens
E menos na de meus grandes planos.

Ver nos olhos de quem me vê
A admiração que else me têm
E não a inveja que prepotentemente penso que têm.
Escutar com meus ouvidos atentos
E minha boca estática,
As palavras que se fazem gestos
E OS gestos que se fazem palavras

Permitir sempre
Escutar aquilo que eu não tenho
Me permitido escutar.

Saber realizar
OS sonhos que nascem em mim
E por mim
E comigo morrem por eu não OS saber sonhos.

Então, que eu possa viver
OS sonhos possíveis
E OS impossíveis;
Aqueles que morrem
E ressuscitam
A cada novo fruto,
A cada nova flor,
A cada novo calor,
A cada nova geada,
A cada novo dia.

Que eu possa sonhar o AR,
Sonhar o mar,
Sonhar o amar,
Sonhar o amalgamar.

Que eu me permita o silêncio das formas,
Dos movimentos,
Do impossível,
DA imensidão de toda profundeza.

Que eu possa substituir minhas palavras
Pelo toque,
Pelo sentir,
Pelo compreender,
Pelo segredo das coisas mais raras,
Pela oração mental
(aquela que a alma cria e
Que só ela, alma, ouve
E só ela, alma, responde).

Que eu saiba dimensionar o calor,
Experimentar a forma,
Vislumbrar as curvas,
Desenhar as retas,
E aprender o sabor DA exuberância
Que se mostra
Nas pequenas manifestações
DA vida.

Que eu saiba reproduzir na alma a imagem
Que entra pelos meus olhos
Fazendo-me parte suprema DA natureza,
Criando-me
E recriando-me a cada instante.

Que eu possa chorar menos de tristeza
E mais de contentamentos.
Que meu choro não seja em vão,
Que em vão não sejam
Minhas dúvidas.

Que eu saiba perder meus caminhos,
Mas saiba recuperar meus destinos
Com dignidade.
Que eu não tenha medo de nada,
Principalmente de mim mesmo:
- Que eu não tenha medo de meus medos!

Que eu adormeça
Toda vez que for derramar lágrimas inúteis,
E desperte com o coração cheio de esperanças.

Que eu faça de mim um homem sereno
Dentro de minha própria turbulência,
sábio dentro de meus limites
Pequenos e inexatos,
Humilde diante de minhas grandezas
Tolas e ingênuas
(que eu me mostre o quanto são pequenas
Minhas grandezas
E o quanto é valiosa a minha pequenez).

Que eu me permita ser mãe,
Ser pai,
E, se for preciso,
Ser órfão.

Permita-me eu ensinar o pouco que sei
E aprender o muito que não sei,
Traduzir o que OS mestres ensinaram
E compreender a alegria
Com que OS simples traduzem suas experiências;
Respeitar incondicionalmente
O ser;
O ser por is só,
Por mais nada que possa ter além de sua essência,
Auxiliar a solidão de quem chegou,
Render-me ao motivo de quem partiu
E aceitar a saudade de quem ficou.

Que eu possa amar
E ser amado.
Que eu possa amar mesmo sem ser amado,
Fazer gentilezas quando recebo carinhos;
Fazer carinhos mesmo quando não recebo
Gentilezas.

Que
Eu jamais fique só,
Mesmo quando
Eu me queira só.

Amém.

Oswaldo Antônio Begiato

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

"ESTREITO ESPAÇO PARA A ILUSÃO"




Antes, em voo ousado, a imaginação
Subia até aos céus, plena de alento:
Hoje basta um estreito espaço para a ilusão
Se afundar nos abismos do tempo.
Logo o cuidado se aninha bem dentro
Do peito e traz secreto sofrimento;
Balança inquieto, estorva prazer e paz,
São sempre novas as máscaras que traz:
É casa e bens, mulher, os filhos que tiverdes,
Água, fogo, punhal, veneno, eu sei lá;
E tu tremes com medo do que nunca virá,
E choras sem cessar aquilo que não perdes.


Goethe,
in Fausto

"CULTIVO UMA ROSA BRANCA"


.

Cultivo uma rosa branca,
em julho como em janeiro,
para o amigo verdadeiro
que me estende sua mão franca.

E para o mau que me arranca
o coração com que vivo,
cardo ou urtiga não cultivo:
cultivo uma rosa branca.


José Marti

...





"Ninguém pode construir em teu lugar as pontes que precisarás de passar para atravessar o rio da vida. Ninguém, exceto tu, só tu. Existem, por certo, atalhos sem número, e pontes, e semideuses que se oferecerão para levar-te além do rio, mas isso te custaria a tua própria pessoa: tu te hipotecarias e te perderias. Existe no mundo um único caminho por onde só tu podes passar. Aonde leva? Não perguntes, segue-o!"



Friedrich Nietzsche

"MUROS"




Sem cuidado nenhum, sem respeito nem pesar,
ergueram à minha volta altos muros de pedra.

E agora aqui estou, em desespero, sem pensar
noutra coisa: o infortúnio me depreda.

E eu que tinha tanta coisa por fazer lá fora!
Quando os ergueram, mal notei os muros, esses.

Não ouvi voz de pedreiro, um ruído que fora.
Isolaram-me do mundo sem que eu percebesse.


Konstantinos Kaváfis
Trad de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis

Walls

With no consideration, no pity, no shame,
they have built walls around me, thick and high.
And now I sit here feeling hopeless.
I can't think of anything else: this fate gnaws my mind -
because I had so much to do outside.
When they were building the walls, how could I not have noticed!
But I never heard the builders, not a sound.
Imperceptibly they have closed me off from the outside world.

Constantine P. Cavafy

"APÓS LONGO SILÊNCIO"




A palavra após longo silêncio; certo é que,
Distantes ou mortos todos os outros amantes,
Oculta pela sombra a luz hostil,
Corridas as cortinas sobre a noite inimiga,
Dissertemos e dissertemos
Acerca do supremo tema da Arte e do Canto.
A decrepitude física é sabedoria; jovens
Nos amávamos e éramos ignorantes.



William Butler Yeats
Tradução de José Agostinho Baptista

"AS JANELAS"




Nestas salas escuras, onde vou passando
dias pesados, para cá e para lá ando
à descoberta das janelas. - Uma janela
quando abrir será uma consolação. -
Mas as janelas não se descobrem, ou não hei-de conseguir
descobri-las. E é melhor talvez não as descobrir.
Talvez a luz seja uma nova subjugação.
Quem sabe que novas coisas nos mostrará ela.

Konstandinos Kavafis
- tradução de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis

The Windows

In these dark rooms where I live out empty days,
I wander round and round
trying to find the windows.
It will be a great relief when a window opens.
But the windows aren't there to be found -
or at least I can't find them. And perhaps
it's better if I don't find them.
Perhaps the light will prove another tyranny.
Who knows what new things it will expose?

Constantine P. Cavafy

[...]




Como a floresta,
faz de mim a tua lira,
não importa que também as minhas folhas caiam,
o tumulto das tuas poderosas harmonias
virá arrancar-nos

um som profundo do Outono suave,
apesar da sua tristeza



Percy Bysshe Shelley

"AMOSTRA SEM VALOR"




Eu sei que o meu desespero não interessa a ninguém.
Cada um tem o seu, pessoal e intransmissível:
com ele se entretém
e se julga intangível.

Eu sei que a Humanidade é mais gente do que eu,
sei que o Mundo é maior do que o bairro onde habito,
que o respirar de um só, mesmo que seja o meu,
não pesa num total que tende para infinito.

Eu sei que as dimensões impiedosos da Vida
ignoram todo o homem , dissolvem-no, e, contudo,
nesta insignificância, gratuita e desvalida,
Universo sou eu, com nebulosas e tudo.


António Gedeão

"SEMÂNTICA"




Não se enganem comigo:
se digo sul pode ser norte,
chego mais fico ausente,
o triste é também o belo,
procuro o que não se perde
nem se pode encontrar.

Buscar respostas nos livros
é esconder-se entre linhas.
Não creio no que se enxerga,
mas nisso que se disfarça
por mais que se tente olhar:
assim me tem seduzida.

Eis o jogo que eu persigo,
meu jeito de ser feliz,
o desafio que me embala:
sempre que escrevo "morte"
estou falando de vida.

Lya Luft

"COMO UMA FLOR VERMELHA"




À sua passagem a noite é vermelha,
E a vida que temos parece
Exausta, inútil, alheia.

Ninguém sabe onde vai nem donde vem,
Mas o eco dos seus passos
Enche o ar de caminhos e de espaços
E acorda as ruas mortas.

Então o mistério das coisas estremece
E o desconhecido cresce
Como uma flor vermelha.


Sophia de Mello Breyner Andresen

"SOBE O PANO"




Onde se solta o estrangulado grito
Humaniza-se a vida e sobe o pano
Chegam aparições dóceis ao rito
Vindas do fosso mais fundo do humano.

Ilumina-se a cena e é sobretudo,
No palco, o real oculto no conflito.
É tragédia? É comédia? É, por engano,
O seqüestro de um deus num barro aflito?

É o teatro: a magia que descobre
O rosto que a cara do homem cobre;
E refletidos no teu espelho - o ator -

Os teus fantasmas levam-te para onde
O tempo puro que te corresponde
Entre horas ardidas está em flor.


Natália Correa

Um excerto de Clarice Lispector






"… cantada por um homem chamado Caruso que se diz que já morreu.
A voz era tão macia que até doía ouvir.
A música chamava-se "Una Furtiva Lacrima".
"Una Furtiva Lacrima" fora a única coisa belíssima na sua vida.
Enxugando as próprias lágrimas tentou cantar o que ouvira.
Mas a sua voz era crua e tão desafinada como ela mesma era.
Quando ouviu começara chorar.
Era a primeira vez que chorava, não sabia que tinha tanta água nos olhos.
Não chorava por causa da vida que levava:
porque, não tendo conhecido outros modos de viver, aceitara que, com ela, era "assim". Mas também creio que chorava porque, através da música,
adivinhava talvez que havia outros modos de sentir,
havia existências mais delicadas e até com um certo luxo de alma.
Muitas coisas sabia que não sabia entender…"

Clarice Lispector, in A hora da Estrela

[...]




Amo as horas sombrias do meu ser
em que os meus sentidos se aprofundam;
nelas encontrei, como em velhas cartas,
o meu dia a dia já vivido,
ultrapassado e vasto como numa lenda.

Elas me ensinam que possuo espaço
p’ra uma intemporal Segunda vida.
E por vezes sou como a árvore
que, madura e rumorosa, sobre uma campa
cumpre o sonho que a criança de outrora
(abraçada por suas cálidas raízes)
perdeu em tristezas e canções.


RAINER MARIA RILKE
Tela de Washington Maguetas

"ANOITECER"




A luz desmaia num fulgor d’aurora,
Diz-nos adeus religiosamente…
E eu, que não creio em nada, sou mais crente
Do que em menina, um dia, o fui… outrora…

Não sei o que em mim ri, o que em mim chora
Tenho bênçãos d’amor pra toda a gente!
Como eu sou pequenina e tão dolente
No amargo infinito desta hora!

Horas tristes que são o meu rosário…
Ó minha cruz de tão pesado lenho!
Meu áspero e intérmino Calvário!

E a esta hora tudo em mim revive:
Saudades de saudades que não tenho…
Sonhos que são os sonhos dos que eu tive…


Florbela Espanca
- Livro de Soror Saudade

"O TONEL DO ÓDIO"



O Ódio é o tonel das brancas danaídes;
A Vingança febril, de braços rubros, fortes,
Tenta precipitar nessas trevas vazias
Grandes baldes com o sangue e as lágrimas dos mortos,

Em segredo o Diabo fura esses abismos
Por onde verteriam mil suores e esforços
Se o Ódio, ele mesmo, reanimasse as vítimas
E para as espremer ressuscitasse os corpos.

O Ódio é um bêbado numa taberna,
Que quanto mais bebeu mais sede ainda vai tendo,
Vendo-a multiplicar-se, qual hidra de Lerna.

- Mas, se o ébrio feliz conhece quem o vence,
A sorte lamentável o Ódio está votado:
A de nunca poder adormecer saciado.


Charles Baudelaire

"ÁLIBI"



Não estive presente
quando se perpetrou
o crime de viver:
quando os olhos despiram,
quando as mãos tocaram,
quando a boca mentiu,
quando os corpos tremeram,
quando o sangue correu.
Não estive presente.
Estive fora, longe
do mundo, do meu mundo
pequeno e proibido
que embrulhei e amarei
com cordéis apertados
de meridianos meus
e de meus paralelos.
Os versos que escrevi
provam que estive ausente.
Eu estou inocente.


Guilherme de Almeida

'CABALLITOS DE MAR'



O teu silêncio é ave noturna
- Pupila que de remotas torres vigia.
Do filhote, já os trêmulos augúrios;
Do consorte, a fome de rapina.

Tem algo abissal, o teu silêncio
- Pérola onde toda luz ensaia.
Dos cavalos do mar, o galope náutico
E as líquidas crinas;
Das dorsais oceânicas, a geometria do assombro,
O sólido, frontal encanto.

Ato litúrgico, iluminuras, litanias
- o teu silêncio é ainda espargido incenso
( cinza imemorial e odora)
nave dos silêncios góticos que ergui.

(Melhor te amariam os olhos
que distraídos de mim te vissem.)

F. Campanella

"NÃO SEI QUANTAS ALMAS TENHO"



Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo : "Fui eu ?"
Deus sabe, porque o escreveu.

Fernando Pessoa

"VOA, MEU SONHO"



Voa, meu sonho, voa sobre as planícies geladas,
Voa sobre as árvores mortas do Inverno,
Paira sobre a lonjura das belas noites de estrelas,
Nunca pares, continua a voar cada vez mais.
Arde, minha saudade, como uma chama eterna,
Arde na escuridão onde tudo se apagou e foi há muito.
Eterna é esta saudade, é a vida, é a ousadia,
E o fogo que salta sobre o véu de cinzas.

Compreende que para quem nada conseguiu,
E junto à praia nunca repousou,
Não há morte para alta fogueira que ardeu,
Não há medida para as terras azuis da sua saudade.
O meu coração vive de saudade em saudade.
Sempre para desconhecida costa se volta –
A saudade de um poeta não obedece às leis do espaço,
A terra de sonhos não tem fronteiras.


Bertel Gripenberg

"BRANCA NOITE DE LUAR"




Mal o dia se esgueira e foge entre as árvores do crepúsculo,
insinuam-se os seus finais entre as dúvidas do nascer da noite.
Para o rio a sua viagem. Cessam as águas a sua noz.
Canto de pássaros interrompem-se e tombam nos ouvidos da solidão.
Póstumos bois adormecem no relvado as suas sombras,
e um gesto final do ocaso conduz a ovelha derradeira.
Entre os rebanhos recolhidos recolheu-se a tarde
e, enquanto as distâncias se estiram brancamente,
lúcido vinho vai a terra embebedando:
o chão é claro sonho e firmamento.
Verte o céu a sua azul antiguidade
sobre as formas, as ausências e os corações dos homens,
e a lua vai abrindo em leve solo nas alturas
imaginativas ruas de silêncio, de outrora,
de alva tristeza e amoroso pensamento.


Abgar Renault
Obra Poética – 1.990 –

"COMO NA NOITE"



Como na noite a vila dorme santamente
e não há carruagem, nem armazém, nem gente,

Caminha o homem na noite com a cabeça ao vento,
o corpo agilizado de carne e sentimento,

se imagina suspenso das estrelas.Pensa
que se este céu noturno fosse uma taça imensa

e sua alma como um fruto se espremesse sobre ela
e o sumo de sua alma lavasse assim as estrelas,

a alegria do céu seria a sua alegria
e perdido entre os astros seu cantar ficaria,

e igual às águas de um repuxo imaginário
seu sangue dessedentaria os jardins lunários.

O homem que caminha grita incessantemente.
O homem que caminha deve ser um demente.

Sonâmbulo ou bêbado, deixá-lo que caminhe
tropeçando nas pedras, pisando nos hortos.

Esquecerá do céu ao cruzar uma rua
e ficará cravado como árvore no solo.

Mariposa sem asas, clavicórdio sem notas,
o espírito curvado como uma corda rota

e ouvindo nas estrelas a voz que o não nomeia,
o homem que caminha soluçará na sombra.


Pablo Neruda

"FUGAZES"



Sobre a alvura e o vazio da página
voejam idéias e anjos.


Há que puxá-los pelas asas rápidas,
que não se rompa o fio da candura.
Cuidado com o cetim da vestimenta
e o arisco vaga-lume das espáduas.


E há que entretê-los - que não se extraviem
ou se desfaçam a algum ledo engano.
Há que agarrá-los pelas mãos de nuvens,
aprisioná-los nesse escasso armário.


Asas abertas sobre brancas folhas,
voam anjos de túnicas fugazes
trançando em dedos frágeis alguns fios
da vasta cabeleira das palavras.


Ymah Théres
Tela by Domenichino

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

...




Chora em meu coração
como chove lá fora.
Porque esta lassidão
me invade o coração?



Oh! ruido bom da chuva
no chão e nos telhados!
Para uma alma viúva,
oh! o canto da chuva!



E chora sem razão
meu coração amargo.
Algum desgosto? - Não!
É um pranto sem razão.



E essa é a maior dor,
não saber bem por que,
sem ódio sem amor,
eu sinto tanta dor.


Paul Verlaine
Tradução de Onestaldo Pennafort

"EM SURDINA"





Calmo, na paz que difunde
a sombra dos altos ramos,
que o nosso amor se aprofunde
neste silêncios em que estamos.



Coração, alma e sentidos
se confundam com estes ais
que exalam, enlanguescidos,
medronheiros e pinhais.



Fecha os olhos mansamente
e cruza as mãos sobre o seio.
Do teu coração dolente
afasta qualquer anseio.



Deixemo-nos enlevar
ao embalo desta brisa
que a teus pés, doce, a arrulhar,
a relva crestada frisa.



E quando a noite sombria
dos carvalhos for baixando,
o rouxinol a agonia
da nossa alma irá cantando.


Paul Verlaine
Trad.Onestaldo de Pennafort

...



O céu azul sobre o telhado
repousa em calma.
Uma árvore sobre o telhado
balança a palma.



A voz de um sino mansamente
ressoa no ar.
Um passarinho mansamente
põe-se a cantar.



Meu Deus, meu Deus, esta é que é a vida
simples, tranqüila,
como o rumor suave de vida
que vem da vila.



-Tu que aí choras, que é que fizeste,
dize, em verdade,
tu que aí choras, que é que fizeste
da mocidade?



Paul Verlaine
Trad -Onestaldo de Pennafort
de Poemas Escolhidos

...


(Café Terrace à Noite, de Van Gogh)


O ruido dos cafés; a lama das calçadas;
os plátanos pelo ar desfolhando as ramadas;
o ônibus, furacão de rodas e engrenagens,
enlameado, a ranger num rumor de ferragens
e girando o olho verde e rubro das lanternas;
os operários a caminho das tavernas,
com os cachimbos à boca a afrontarem os guardas;
paredes a ruir; telhados de mansardas;
sarjetas pelo chão resvaladiço e imundo, -
tal meu caminho, - mas com o paraíso ao fundo.


Paul Verlaine
in Poemas Ecolhlidos
Trad-Onestaldo de Pennafort

"PARA ROSAS"



Para as rosas, escreveu alguém,
o jardineiro é eterno.
E que melhor maneira de ferir o eterno
que mofar das suas iras?

Eu passo, tu ficas;
mas eu não fiz mais que florir e aromar,
servi a donas e a donzelas,
fui letra de amor,ornei a botoeira dos homens, ou expiro no próprio
arbusto, e todas as mãos, e todos os olhos me trataram
e me viram com admiração e afeto.

Tu não, ó eterno;
tu zangas-te, tu padeces, tu choras, tu afliges-te!
A tua eternidade não vale um só dos meus minutos.

Machado de Assis

"O AUTO RETRATO"



Solidão e Sua Porta


Quando mais nada resistir que valha
a pena de viver e a dor de amar
E quando nada mais interessar
(nem o torpor do sono que se espalha)

Quando pelo desuso da navalha
A barba livremente caminhar
e até Deus em silêncio se afastar
deixando-te sozinho na batalha

Arquitetar na sombra a despedida
Deste mundo que te foi contraditório
Lembra-te que afinal te resta a vida

Com tudo que é insolvente e provisório
e de que ainda tens uma saída
Entrar no acaso e amar o transitório.


Carlos Pena Filho

"CHORA EM MEU CORAÇÃO"



Chora em meu coração
Como chove na cidade :
Que lassidão é esta
Que invade meu coração?

Oh doce rumor da chuva
Na terra e nos telhados!
Num coração que se enfada
Oh o canto da chuva!

Chora sem razão
Neste coração exausto.
O quê! nenhuma traição?...
Este luto é sem razão.

E é bem a dor maior
A de não saber porquê
Sem amor e sem rancor
Meu coração tanto dói!


Paul Verlaine
Tradução de Amélia Pais

"CORAÇÃO É TERRA QUE NINGUÉM VÊ"




Quis ser um dia, jardineira
de um coração.
Sachei, mondei - nada colhi.
Nasceram espinhos
e nos espinhos me feri.

Quis ser um dia, jardineira
de um coração.
Cavei, plantei.
Na terra ingrata
nada criei.

Semeador da Parábola...
Lancei a boa semente
a gestos largos...
Aves do céu levaram.
Espinhos do chão cobriram.
O resto se perde
una terra dura
da ingratidão

Coração é terra que ninguém vê
- diz o ditado.
Plantei, reguei, nada deu, não.
Terra de lagedo, de pedregulho,
- teu coração. Bati na porta de um coração.
Bati. Bati. Nada escutei.
Casa vazia. Porta fechada,
foi que encontrei...


Cora Coralina

" MACABET "(excerto)




Amanhã amanhã amanhã amanhã
Rasteja em passo parco dia a dia
Até a última sílaba do tempo.
E os ontens, todos, só nos alumiam
O fim do pó. Apaga, apaga, vela
Breve!
A vida é só uma sombra móvel.
Pobre ator
Que freme e treme o seu papel no palco
E logo sai de cena. Um conto tonto
Dito por um idiota – som e fúria,signi-
ficando nada.


William Shakespeare, Macbeth
-trad. de Augusto de Campos

"CANTIGA"


.

Entre tamanhas mudanças,
Que coisa terei segura?
Duvidosas esperanças
Tão certa desaventura.

Venham estes desenganos
Do meu longo engano, e vão,
Que já o tempo e os anos
Outros cuidam que me dão.
Já não sou para mudanças,
Mais quero uma dor segura.
Vá crê-las, vãs esperanças,
Quem não sabe o qu'aventura.


Bernardim Ribeiro
-século XVI

"DESPEDIDA"




Por mim, e por vós, e por mais aquilo
que está onde as outras coisas nunca estão
deixo o mar bravo e o céu tranqüilo:
quero solidão.
Meu caminho é sem marcos nem paisagens.
E como o conheces ? - me perguntarão.
- Por não Ter palavras, por não ter imagem.
Nenhum inimigo e nenhum irmão.
Que procuras ?
Tudo.
Que desejas ?
Nada.
Viajo sozinha com o meu coração.
Não ando perdida, mas desencontrada.
Levo o meu rumo na minha mão.
A memória voou da minha fronte.
Voou meu amor, minha imaginação ...
Talvez eu morra antes do horizonte.
Memória, amor e o resto onde estarão?
Deixo aqui meu corpo, entre o sol e a terra.
(Beijo-te, corpo meu, todo desilusão !
Estandarte triste de uma estranha guerra ...)

Quero solidão.


Cecília Meireles

"CANÇÃO INÚTIL"




A vida, a verdadeira vida,
Aquela que não é vivida,
A que é perdida, sonhada,
A realidade irrealizada,
A que eu procuro e não encontro,
Houve por certo um desencontro...
Nenhum problema filosófico,
Trata-se de uma catástrofe.
Salva-se o corpo, é verdade,
Vive-se mas com humildade,
Em cima o montão de entulho,
E embaixo, humilhado, o orgulho.
Reveste-se um falso tédio
Qua adia o inútil suicídio.


Dante Milano

"SONETO Nº30"



Quando à corte silente do pensar
Eu convoco as lembranças do passado,
Suspiro pelo que ontem fui buscar,
Chorando o tempo já desperdiçado,

Afogo olhar em lágrima, tão rara,
Por amigos que a morte anoiteceu;
Pranteio dor que o amor já superara,
Deplorando o que desapareceu.

Posso então lastimar o erro esquecido,
E de tais penas recontar as sagas,
Chorando o já chorado e já sofrido,

Tornando a pagar contas todas pagas.
Mas, amigo, se em ti penso um momento,
Vão-se as perdas e acaba o sofrimento.


William Shakespeare

"ESPELHO NÃO ME PROVA QUE ENVELHEÇO"




O espelho não me prova que envelheço
Enquanto andares par com a mocidade;
Mas se de rugas vir teu rosto impresso,
Já sei que a Morte a minha vida invade.

Pois toda essa beleza que te veste
Vem de meu coração, que é teu espelho;
O meu vive em teu peito, e o teu me deste:
Por isso como posso ser mais velho?

Portanto, amor, tenhas de ti cuidado
Que eu, não por mim, antes por ti, terei;
Levar teu coração, tão desvelado
Qual ama guarda o doce infante, eu hei.

E nem penses em volta, morto o meu,
Pois para sempre é que me deste o teu.


William Shakespeare,
tradução de Ivo Barroso

"ATITUDE"





Minha esperança perdeu seu nome…
Fechei meu sonho, para chamá-la.
A tristeza transfigurou-me
como o luar que entra numa sala.O último passo do destino
parará sem forma funesta,
e a noite oscilará como um dourado sino
derramando flores de festa.Meus olhos estarão sobre espelhos, pensando
nos caminhos que existem dentro das coisas transparentes.

E um campo de estrelas irá brotando
atrás das lembranças ardentes.


Cecília Meireles

"CANÇÃO DE OUTONO"



O outono toca realejo
No pátio da minha vida.
Velha canção, sempre a mesma,
Sob a vidraça descida...

Tristeza? Encanto? Desejo?
Como é possível sabê-lo?
Um gozo incerto e dolorido
De carícia a contrapelo...

Partir, ó alma, que dizes?
Colher as horas, em suma...
Mas os caminhos do Outono
Vão dar em parte nenhuma!

Mário Quintana

"SOLIDARIEDADE"




Sou ligado pela herança do espírito e do sangue
Ao mártir, ao assasino, ao anarquista,
Sou ligado
Aos casais na terra e no ar,
Ao vendeiro da esquina,
Ao padre, ao mendigo,
à mulher da vida,
Ao mecânico, ao poeta, ao soldado,
Ao santo e ao demônio,
Construídos à minha imagem e semelhança.


Murilo Mendes
- In Poesia Completa e Prosa

"UNIDADE"



As plantas sofrem como nós sofremos.
Por que não sofreriam
se esta é a chave da unidade do mundo?

A flor sofre, tocada
por mão inconsciente.
Há uma queixa abafada
em sua docilidade.

A pedra é sofrimento
paralítico, eterno.

Não temos nós, animais,
sequer o privilégio de sofrer.


Carlos Drummond de Andrade
- In Farewell

"À VOCÊ"




Eu desejo
que sua estrada
se apresente livre de pedras;
que o sol ilumine seu caminho,
sem queimar sua face;
que a chuva caia leve
sem encharcar,
por onde você passar;
que a semente brote
em seus campos,
com promessa de fartura;
que a esperança
seja sua companheira de caminhada
e que você sempre tenha
um sonho a seguir.
Porque
só os que sonham
conhecem o segredo
da magia de existir!



Wadad Naief Kattar Camargo

"EU SOU ESSA PESSOA A QUEM O VENTO CHAMA"





Eu sou essa pessoa a quem o vento chama,
a que não se recusa a esse final convite,
em máquinas de adeus, sem tentação de volta.

Todo horizonte é um vasto sopro de incerteza:
Eu sou essa pessoa a quem o vento leva:
já de horizontes libertada, mas sozinha.

Se a Beleza sonhada é maior que a vivente,
dizei-me: não quereis ou não sabeis ser sonho ?
Eu sou essa pessoa a quem o vento rasga.

Pelos mundos do vento em meus cílios guardadas
vão as medidas que separam os abraços.
Eu sou essa pessoa a quem o vento ensina:

- Agora és livre, se ainda recordas


Cecília Meireles

domingo, 12 de agosto de 2007

"CAMINHANTE"




Sem rumo, sem norte
sem prumo,
mergulhei na vida,
Morros escalei, curvas venci
e em algumas mágoas me feri.
O vento da solidão fustigou
soltando as folhas da saudade,,
que amenizaram o caminho,
que os desenganos cavaram.
Trajando o clássico cinza,
o inverno chegou gelado,
nublado, querendo intimidar.
Esperando por trás da janela,
com o olhar verde terno
eu o consegui aquecer.
Que cessem os ventos
e tinjam-se de cores os vales!
É hora de despertar a ilusão,
semear a esperança
e fecundar novamente o coração.
Novo ciclo vai recomeçar...
É preciso espalhar quimeras no ar...


Wadad Naief Kattar Camargo

"TRANSMUTAÇÃO"




O desencanto
molhou-me a face,
o calor do sol
secou-me o pranto.
Amizades falharam
outras sinceras mostraram
que vale o andar p’ra frente,
que o verbo conjugado
no passado,
é erro de concordância no presente.
O amor deu-me aconchego,
a dor da deslealdade, o desassossego.
A parca felicidade,
muito pouco estampou-me o rosto.
No entanto, já na calmaria da saudade
enfeito as lembranças ao meu gosto.
E vivo, e me iludo.
É direito meu.
Se tantos o fizeram,
por que não eu?


Wadad Naief Kattar Camargo

"Onde estás?"




Noite, silêncio, folhas imóveis;
imóvel o meu pensamento.
Onde estás, tu que me ofereceste a taça?
Hoje caiu a primeira pétala.

Eu sei, uma rosa não murcha
perto de quem tu agora sacias a sede;
mas sentes a falta do prazer que eu soube te dar,
e que te fez desfalecer.

Acorda... e olha como o sol em seu regresso
vai apagando as estrelas do campo da noite;
do mesmo modo ele vai desvanecer
as grandes luzes da soberba torre do Sultão.


Omar Khayyam

"O RELÓGIO CAÍDO DO MAR"




Há tanta luz sombria no espaço
e tantas dimensões de súbito amarelas,
porque não cai o vento
nem respiram as folhas.

É um domingo detido no mar,
um dia como um navio submerso,
uma gota de tempo que assaltam as escamas
ferozmente vestidas de umidade transparente

Há meses seriamente acumulados numa vestimenta
que queremos cheirar chorando de olhos fechados,
e há anos em um só cego signo da água
depositada e verde,
há a idade que nem os dedos nem a luz apressaram,
muito mais estimável que um leque roto,
muito mais silenciosa que um peixe desenterrado,
há a nupcial idade dos dias dissolvidos
num triste túmulo que os peixes percorrem.

As pétalas do tempo caem imensamente
como vagos guarda-chuvas parecidos com o céu,
crescendo em torno, é apenas
um sino nunca visto,
uma rosa inundada, uma medusa, um longo
latejo quebrantado:

mas não é isso, é algo que toca e gasta apenas,
uma confusa pegada sem som e sem pássaros,
um desvanecimento de perfumes e raças.

O relógio que no campo se estendeu sobre o musgo
e golpeou uma anca com sua elétrica forma
corre destado e ferido debaixo da água temível
que ondula palpitando de correntes centrais.


Pablo Neruda
- In Residência na Terra II

"TRADUZIR-SE"




Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?


Ferreira Gullar
- In Toda Poesia

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

"ÂNGELUS"




Ao crepúsculo, à hora da tristeza,
Quando passam noivando as andorinhas,
Na sugestiva paz da natureza
Pobre de mim ! Sinto saudades minhas.

Um desalento d’alma que entorpece,
Um misto de saudade e apatia.
Banhado em sangue o sol desaparece
E lá se vai com o sol a minha alegria.

Um barulho festivo de asa com asa
Anda pelo alto e em mim – tédio e preguiça.
Da gameleira junto á minha casa
Cai uma folha anêmica e outoniça.

Cantam de longe. É a voz de alguma escrava.
Parece assim plangente e merencória,
A cantiga infantil que me ninava
E que eu guardo no fundo da memória.

A paisagem, num roxo doloroso,
Se desdobra num pálio de ametista.
Como dói o cortejo silencioso
Do pôr do sol num coração de artista !

As águas bolem... Passa de momento
Uma abelha, as antenas de ouro e pólen.
Bolem as folhas no hálito do vento,
Bole minh’alma como as folhas bolem.

Desaparece o sol... De estrada em fora
Há lamúrias e prantos de infortúnio.
Atreva chega...A noite desce... Agora
Brilha, em forma de alfanje, o novilúnio.


Olegário Mariano
Toda Uma Vida de Poesia
1.957.

"A BALADA DAS FOLHAS"



No crepúsculo de gaze
E ouro, anda alguém a cantar
Uma cantiga que é quase
Um choro humano, pelo ar...
Pensativo, os olhos ponho
Nas folhas, - vida que vai
A extinguir-se, sonho a sonho,
Em cada folha que cai...

A primeira é verde e é linda.
Porque o vento a desprendeu ?
Não tinha vivido ainda, Não tinha amado e morreu.
Vento do Destino avança,
E num soluço, num ai,
Cai um mundo de esperança
Na folha humilde que cai.

A segunda é a folha morta,
Passado... Desilusão...
Mal o vento os ramos corta,
Ela adormece no chão...
É a saudade, - folha da alma –
Que no tormento se abstrai
E vive da morte calma
De cada sonho que cai.

OFERENDA:

No crepúsculo indeciso
Da vida, me martirizo
Por um sonho que se esvai...
Caem folhas... Chorei !...
Há uma lágrima, um sorriso...
Em cada folha que cai.


Olegário Marianno
Poemas de amor e de saudade
1.932.