A alma é um cenário.
Por vezes, ela é como uma manhã brilhante e fresca,
inundada de alegria.
Por vezes ela é como um pôr do sol...
triste e nostálgico.

-Rubem Alves-

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terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Poema de Ano-Novo



Poema de Ano-Novo


Ficção de que começa alguma coisa!
Nada começa: tudo continua.
Na fluida e incerta essência misteriosa
Da vida, flui em sombra a água nua.

Curvas do rio escondem só o movimento.
O mesmo rio flui onde se vê.
Começar só começa em pensamento


Fernando Pessoa.
In Poesia 1918-1930, Assírio & Alvim
ed. Manuela Parreira da Silva,
Ana Maria Freitas, Madalena Dine, 2005

PASSAGEM DO ANO


PASSAGEM DO ANO



O último dia do ano
Não é o último dia do tempo.
Outros dias virão
E novas coxas e ventres te comunicarão o calor da vida.
Beijarás bocas, rasgarás papéis,
Farás viagens e tantas celebrações
De aniversário, formatura, promoção, glória, doce morte com sinfonia
E coral.

Que o tempo ficará repleto e não ouvirás o clamor,
Os irreparáveis uivos
Do lobo, na solidão.

O último dia do tempo
Não é o último dia de tudo.
Fica sempre uma franja de vida
Onde se sentam dois homens.
Um homem e seu contrário,
Uma mulher e seu pé,
Um corpo e sua memória,
Um olho e seu brilho,
Uma voz e seu eco.
E quem sabe até se Deus...

Recebe com simplicidade este presente do acaso.
Mereceste viver mais um ano.
Desejarias viver sempre e esgotar a borra dos séculos.

Teu pai morreu, teu avô também.
Em ti mesmo muita coisa, já se expirou, outras espreitam a morte,
Mas estás vivo. Ainda uma vez estás vivo,
E de copo na mão
Esperas amanhecer.

O recurso de se embriagar.
O recurso da dança e do grito,
O recurso da bola colorida,
O recurso de Kant e da poesia,
Todos eles... e nenhum resolve.

Surge a manhã de um novo ano.

As coisas estão limpas, ordenadas.
O corpo gasto renova-se em espuma.
Todos os sentidos alerta funcionam.
A boca está comendo vida.
A boca está entupida de vida.
A vida escorre da boca,
Lambuza as mãos, a calçada.
A vida é gorda, oleosa, mortal, sub-reptícia.


Carlos Drummond de Andrade
In Reunião — 10 Livros de Poesia
(de A Rosa do Povo, 1945)
Ed. José Olympio, Rio de Janeiro, 1971

Ocaso


“Ocaso”


Quando o ocaso se faz presente
Uma a uma as quimeras vão desaparecendo
Quais pássaros retornando ao ninho...
Para volver no pleno alvorecer...
Quando irão renascer as ilusões.


Dia após dia, se repetindo
Sem nunca realizar o tão almejado sonho...
O único certo é o incerto já conhecido.


Anna Carlini
de ''Fadado ao esquecimento''

'ANO-NOVO'


Meia-noite.Fim
de um ano, início
de outro.Olho o céu:
nenhum indício.
Olho o céu;
o abismo vence o 
olhar. O mesmo
espantoso silêncio
da Via-Láctea feito
um ectoplasma
sobre a minha cabeça:
nada ali indica
que um ano novo começa.
E não começa
nem no céu nem no chão
do planeta:
começa no coração.
Começa como a esperança
de vida melhor
que entre os astros
não se escuta
nem se vê
nem pode haver:
que isso é coisa de homem
esse bicho 
estelar
que sonha
(e luta).


Ferreira Gullar
In Barulhos

O QUE MAIS QUERO


O QUE MAIS QUERO


Posso fazer o que mais quero.
Mas não faço.

Porque depois
ficava sem mais nada para sonhar.


Vieira Calado

A passagem das horas

A PASSAGEM DAS HORAS





A passagem das horas

o perpassar dos dias
o lento fervilhar do tempo em seus artifícios
de claridade e sombras
trazem-nos a este lugar preciso
de quietude
em ondulações do silêncio e apaziguamento.
É aqui
onde deveremos aprender
os festejos da luz
a sombra do pecado original
dos fascínios
pelo regresso urgente
a nossa casa.


Vieira Calado
em "OS DIAS E AS NOITES",
ed, Litoral 2014