A alma é um cenário.
Por vezes, ela é como uma manhã brilhante e fresca,
inundada de alegria.
Por vezes ela é como um pôr do sol...
triste e nostálgico.

-Rubem Alves-

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sábado, 25 de fevereiro de 2012

NADA A DECLARAR*

(Tela de Paul Gauguin)


Pronto – você, a ler sem temor
sobre o mais amargo (sobre)Viver,
ou na juventude quer refugiar-se
para não tanto sobre a vida saber?

- Claro que sim! Há tanto a ser
descoberto, mastigado, distraído.
Porções infinitas a vislumbrar;
posições horizontais a desfrutar.

(A quem interessa desventuras ler?)

Prefere – você, albergar-se naquilo
que a idade esconsa lhe oferece, dá
e ilude, com miragens e promessas
solertes, em mítico fugaz calendário?

- Claro que sim! Há tanto a ser
venerado, traído, encoberto, revisto
(talvez até esquecido); ardis inéditos:
hidras num mar de segredos malditos.

(A quem interessa tais crimes saber?)

Assim, todo o mau, inaudito, reafirma
aquilo que nenhum poeta precisa mais
repetir: nada de novo há sobre a terra.

Tudo – um Mar de Sargaços infames;
o pântano das mais sórdidas verdades,
jaz, impune, sob a terra dos homens!


*Jairo De Britto, em “Dunas de Marfim”

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

ANATOMIA E BIOTERNURA*

Amar e ver o corpo requer
paciência de anos; um maior
e melhor alfabeto de séculos.

Amar o corpo exige delicado
observar das cicatrizes aflitas
que sua alma recebe e retém.

Amar e rever o corpo requer
passo de leão, um gesto de cor;
arguir a dor da coragem além.

Amar o corpo requer carinho,
clemência, entrega; caminhar
altivo em lúdico despojar-se.

Amar e sentir o corpo requer
a gramática das rugas abraçar,
a pedagogia do tempo aceitar.

Amar e explorar o corpo requer
ternura para cicatrizes examinar;
alegrias e dores reunir e abrigar.

Espiar e sorver a cara juventude,
expiar a velhice em qualquer idade:

Tudo requer um corpo inteiro nu!
E o resgate do amor infante...

*Jairo De Britto, em "Dunas de Marfim"

(Tela de Eliana Bonini)

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

"EL CONDOR PASA"


Com dó maior, assisto
partir o grande pássaro.

Com alegria, vislumbro
um seu novo horizonte.
Com a enorme pena
dos humanos que não voam.

Com a imensa pena
dos que não o vêem,
escuto o vento roçar suas asas.

Com afoita clemência,
abrigo e misturo nossos olhos.

Com a enorme argúcia
dos que tanto sobrevoam;

Com a aurora e astúcia
dos que tanto despertam;
observo seu lento suave
planar sobre o vale.

Com dores e letras, desejo
partir soberano com o pássaro.

Com estranha mansidão,
grito e informo minhas penas:

Com a impávida altivez
e ousadia dos que suicidam

Com a tácita incerta alforria
dos que nos versos ressuscitam!

Ao fim e ao cabo de obscuras
esperanças, aprecio quando
El Condor Pasa e passeia
sua altivez - liberta e sagrada -
sobre os Andes Latinos!


*Jairo De Britto,
em "Dunas de Marfim"

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

"Confusão"


Essas duas tresloucadas, a Saudade e a Esperança, vivem na casa do Presente, quando deviam estar - como seria lógico - uma na casa de Passado e a outra na casa do Futuro.
_ Mas e o Presente, seu moço?
_ Ah, esse nunca está em casa.


Mario Quintana
In a cor do invisível

O SILÊNCIO



Há um grande silêncio que está à escuta...

E a gente se põe a dizer inquietamente qualquer coisa,
qualquer coisa, seja o que for,
desde a corriqueira dúvida sobre se chove ou não chove hoje
até a tua dúvida metafísica, Hamleto!

E, por todo o sempre, enquanto a gente fala, fala, fala
o silêncio escuta...
e cala.


Mário Quintana
In: Esconderijos do Tempo

Jardim Interior


Todos os jardins deviam ser fechados,
com altos muros de um cinza muito pálido,
onde uma fonte
pudesse cantar
sozinha
entre o vermelho dos cravos.
O que mata um jardim não é mesmo
alguma ausência
nem o abandono...
O que mata um jardim é esse olhar vazio
de quem por eles passa indiferente.


Mário Quintana

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

"UM SINAL"

(Tela de Luiza Cetano)

"Deixa-me um sinal
quando quiseres.

Uma pedra, uma estrela ou uma ave
um cheiro,
um aroma
ou um morango

Uma cruz
talhada na minha porta

Que o caminho eu acharei
encruzilhado
entre o gesto e o espanto

pressentido
entre o vácuo e o manto!
ou o mar !
ou o vento!
ou as velas do meu barco
parado algures
no inevitável
porto das esperas."

LuizaCaetano.

(Poetisa portuguesa.)

"À pancada da onda contra a pedra hostil"

À pancada da onda contra a pedra hostil
a claridade rebenta e decreta a sua rosa
e o círculo do mar reduz-se a um cacho,
a uma gota única de sal azul que tomba.

Oh radiante magnólia desatada na espuma,
magnética viageira cuja morte floresce
e eternamente volta a ser e a não ser nada:
sal destruído, ofuscante agitação marinha.

Juntos, meu amor, selamos o silêncio,
enquanto o mar destrói suas estátuas perenes
e derruba as suas torres de êxtase e loucura,

porque na trama destes tecidos invisíveis
da água desenfreada, da incessante areia,
mantemos a perseguida e única ternura.

Pablo Neruda,
in "Cien Sonetos de Amor"
(tradução: José Bento)

(Imagem de Isla Negra Chile, onde poeta se encontra enterrado, e onde ele viveu por muito tempo)

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Autotomia

Diante do perigo, a holotúria se divide em duas:
deixando uma sua metade ser devorada pelo mundo,
salvando-se com a outra metade.

Ela se bifurca subitamente em naufrágio e salvação,
em resgate e promessa, no que foi e no que será.

No centro do seu corpo irrompe um precipício
de duas bordas que se tornam estranhas uma à outra.

Sobre uma das bordas, a morte, sobre outra, a vida.
Aqui o desespero, ali a coragem.

Se há balança, nenhum prato pesa mais que o outro.
Se há justiça, ei-la aqui.

Morrer apenas o estritamente necessário, sem ultrapassar a medida.
Renascer o tanto preciso a partir do resto que se preservou.

Nós também sabemos nos dividir, é verdade.
Mas apenas em corpo e sussurros partidos.
Em corpo e poesia.

Aqui a garganta, do outro lado, o riso,
leve, logo abafado.

Aqui o coração pesado, ali o Não Morrer Demais,
três pequenas palavras que são as três plumas de um vôo.

O abismo não nos divide.
O abismo nos cerca.

Wislawa Szymborska
(Tradução coletiva, publicado em 'Inimigo Rumor 10')

As três palavras mais estranhas

(Tela de Mary Cassatt)

Quando pronuncio a palavra Futuro
a primeira sílaba já pertence ao passado.

Quando pronuncio a palavra Silêncio,
destruo-o.

Quando pronuncio a palavra Nada,
crio algo que não cabe em nenhum não-ser.


Wislawa Szymbroska
Tradução: Elżbieta Milewska e Sérgio das Neves
in: 'Alguns gostam de poesia'- Antologia- Czeslaw Milosz e Wislawa Szymbroska, Cavalo de Ferro, 2004

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

"VERDADE DE BRINQUEDO"


A minha verdade
é o Atlântico Amadeus Oceano:
uma saudade tão simples
que não alcanço ou espanto.

A minha verdade
é Flora pura, verbo Purim:
inteira Jazz; Moura
Paulo, Leonardo - princípio e fim.

A minha verdade
é feita de prima Vera: uma Itália
nortista, único Moai em Santiago;
esmeraldas na Serra da Mantiqueira.

A minha verdade
é tão infame quanto Rimbaud:
um espantalho, um alaúde,
“O Novo Arrabalde”: Vitória desnuda.

A minha verdade
é cigana como meus olhos e sonhos,
vã como Veneza; adora a vida em Milão:
é portuguesa como António, o Boto.

A minha verdade
é profana, sacra, rara, sacana:
é Adriana e Frida; passa por Bocage
e Camões, mas deságua seus mitos
na boca saúva da Cobra Norato.

A minha verdade
é longa e Londres, um sítio da City.
É vasta - mais que perfeita escuridão:
dela nada conheço; nela me refaço e fortaleço.

A minha verdade
foi parida em noite de Lua Cheia.
Tão urbana como minha vida em viés:
seleta e diversa como nuvens grávidas.

A minha verdade
é um pouco Dali, outro tanto daqui.
Chega de mansinho como um carinho
afoito e fortuito: um verso de areia.

A minha verdade
é benta, nada andarilha, nada Anchieta:
é como ruas vazias; crua como Alfabeto
Celta; Sevilha - Amsterdã adormecida e nua.

A minha verdade
só existe nas línguas, em todos os lábios:
é labareda Amazônica que afoga crenças
de outras eras; ressuscita tempestades.

A minha verdade
não é cômoda, nem alvo escuso:
é certeira como Jorge, reluz como
Lótus no pântano; gira sóis como Van Gogh.

A minha verdade
namora a madrugada; despeja letras
sobre folhas virgens: fatia pão e Pound,
dispensa Salomão - saúda Sandburg!

A minha verdade
é tão incerta como humanos dentes de marfim;
tão pretensa que uma criança pode imitá-la.
Mas é a minha, nem boa nem má:
apenas brinquedo, pura ilusão.


*Jairo De Britto,
em "Dunas de Marfim"

Painting by José Navarro Llorens
(Valencia, 1867-1923) foi um pintor espanhol.)

Fim da Tormenta


Parou a ventania.
As estrelas dormentes, fatigadas,
Cerram à luz do dia
As misteriosas pálpebras doiradas.
Vai despontando o rosicler da aurora;
O azul sereno e vasto
Empalidece e cora,
Como se Deus lhe desse
Um brando beijo luminoso e casto.

A estrela da manhã
Na altura resplandece;
E a cotovia, a sua linda irmã,
Vai pelo azul um cântico vibrando,
Tão límpido, tão alto, que parece
Que é a estrela no céu que está cantando.


Guerra Junqueiro

Manuel da Fonseca


"Amigo
antes da morte vir
nasce de vez para a vida."

Manuel da Fonseca
Escritor português, já falecido.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

INSCRIÇÃO


A beleza do céu anda na terra...

No silêncio das árvores verdes,
no luxo
dos jardins de sombras onde passeiam
as aves ilustres
em torno aos lagos, que são taças de luar...

A beleza do céu anda na terra...

Onestaldo de Pennafort
Poesias (1957)

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

''Sobre um mar de rosas que arde''

'

Sobre um mar de rosas que arde
Em ondas fulvas, distante,
Erram meus olhos, diamante,
Como as naus dentro da tarde.

Asas no azul, melodias,
E as horas são velas fluidas
Da nau em que, oh! alma, descuidas
das esperanças tardias.


Pedro Kilkerry
In: "Re-visão de Kilkerry "