A alma é um cenário.
Por vezes, ela é como uma manhã brilhante e fresca,
inundada de alegria.
Por vezes ela é como um pôr do sol...
triste e nostálgico.

-Rubem Alves-

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quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Arco de cores


dobrei o labirinto
e lá ele estava
assente, como um farol
- não indaguei quando
nem quis saber por que -

melhor que as belezas
aconteçam assim
- um engaste do tempo -
um instante sem fim

Fernando Campanella
Do Blog do autor.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Harpa esquisita

Dói-te a festa feliz da verdade da vida...
Tanges da harpa, em teu sonho, almas e cordas, cantas,
Bóiam-te as notas no ar, a asa no azul diluída
E, assombrados, reptis – homens, não! tu levantas!

E apupilam-te a frente as mil pedras agudas
De ódios e ódios a olhar-te... E és um rei que as avista,
No halo, do Amor, que tens! se em colar as transmudas
Vais – um dervixe persa, o manto azul – Artista!

Inda olhar adormido abre, e é de ocre, e avermelha!...
Vem colar-te ao colar...e, oh! tua harpa esquisita
Plange... flora a zumbir, minúscula, que imita
A abelheira da Dor, em centelha e centelha.

E é a sombra... E o instrumento, a gemer, iluminado,
Como que à noite estrela um núbio corvo... E lindo
(Inda que as asas não no terás ao lado)
Por que os pétalos d’ouro, a haste de prata, abrindo,

Um lírio de ouro se alça?...Os passos voam-te, pelas
Ribas...Oh! que ilusões da flor, que tantaliza!
Sobe a flor? Sobes tu e a alma nas pedras pisa?....
Pairas... Em frente, o mar, polvos de luz – estrelas...

Pairas... e o busto a arfar – longe, vela sem norte.
Negro o céu desestrela, o seio arqueado: escuta.
No amoroso oboé solveja um vento forte
E, alta, em surdo ressoo, a onda betúmea e bruta.

A ânsia do mar, lá vem, esfrola-se na areia...
Seu líquido cachimbo é mágoa acesa, e fuma!
E chamas a onda: “irmã!”. E em fósforo incendeia
Na praia a onda do mar, ri com dentes de espuma.

De ametista, em teu sonho, uma antiga cratera
Mal te embebe – alegria! – alvos dedos de frio,
Eis se emperla o rosto e a prantear vês, sombrio
A onda crescer, rajar-se em brutal besta-fera!

Olhas... E, soluçoso, à música das mágoas
Amedulas o Mar e amedulas a Terra!
A sombra aclara... E é ver a dança verde de águas
E arvoredos dançando ao coruto da serra!

Gemes... Dedando o Azul as magras mãos dos astros
Somem, luzindo... Ao longe, esqueleta uma ruína
Em teu sonho a anervar argentina, argentina...
De ilusões, no horizonte, ossos brancos... são mastros!

Quente estrias a alma, à frialgem, nas cousas...
Que bom morrer! manhã, luz, remada sonora....
Pousas um dedo níveo às níveas cordas, pousas
E és náufrago de ti, a harpa caída, agora.

Ah! os homens percorre um frêmito. Num choro...
Move oceânica a espécie, amorosa, amorosa!
Mais que um dervixe, és deus, que morre, a irradiosa
Glorificação de ouro e o sol de ouro... à paz de ouro.


Pedro Kilkerry*

*Pedro Kilkerry (Salvador BA, 1885 – 1917) formou-se bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais na Faculdade de Direito da Bahia, em 1913. Na época, já atuava como colaborador das revistas Nova Cruzada, Os Anais, Via Láctea, A Voz do Povo e de vários jornais, entre os quais A Tarde, A Gazeta do Povo e Jornal Moderno, onde publicou a série de crônicas Quotidianas - Kodaks. Foi advogado e escriturário da Repartição de Contabilidade do Tribunal de Contas de Salvador. Poeta simbolista, Kilkerry não publicou livro em vida. Apenas em 1971 ocorreria a publicação póstuma de 36 de seus poemas, no livro ReVisão de Kilkerry, de Augusto de Campos. Para Campos, “Kilkerry não só compreendeu mais conscientemente que outros simbolistas o papel desempenhado na criação pelo subconsciente - mais tarde supervalorizado pelo Surrealismo - como soube levar mais longe a liberdade de associação imagética. Por outro lado, a capacidade de síntese, assim como a consciência das limitações da sintaxe ordinária, são mais agudas em Kilkerry do que em qualquer outro poeta do nosso Simbolismo”.

CÉUS NOSSOS


Céus nossos, terra nossa,
nossa é a graça,
a graça de existir por um momento.
Chamas, ensinai-nos a lição
de iluminar morrendo.

Péricles Eugênio da Silva Ramos*

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Para reflexão...


"Um homem só é nobre quando consegue sentir piedade por todas as criaturas". - Buda (563? - 483? A.C.)

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

A flor


Penso que cultivo tensões
como flores
num bosque onde
ninguém vai.

Cada ferida — perfeita —,
fecha-se numa minúscula imperceptível pétala,
causando dor.

Dor é uma flor como aquela,
como esta,
como aquela,
como esta.


Robert Creeley
(tradução: Régis Bonvicino)


The Flower



I think I grow tensions
like flowers
in a wood where
nobody goes.

Each wound is perfect,
encloses itself in a tiny
imperceptible blossom,
making pain.

Pain is a flower like that one,
like this one,
like that one,
like this one.

Robert Creeley

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Esboço de Cantiga


Subo e desço noite e dia,
noite dia subo e desço
por mil escadas de nuvens
no castelo em que padeço.

Subo com ramos de flores,
e a água dos jarros esqueço,
há mil escadas de nuvens
no trabalho que ofereço.

Ai, que trabalho tão grande
nas nuvens que subo e desço
não só por águas e flores,
mas recados de mais preço,

que me mandam, que me chamam,
neste sem fim nem começo,
castelo entre a vida e a morte
de um dono que não conheço.

Subo e desço noite e dia,
gasto-me e desapareço...
Ai que castelo tão alto,
tão alto e sem endereço!


1961


Cecília Meireles
In: Poesia Completa
Dispersos (1918-1964)

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

SOLIDÃO


A SOLIDÃO É COMO CHUVA

Sobe do mar nas tardes em declínio;
das planícies perdidas na saudade
ela se eleva ao céu, que é seu domínio,
para cair do céu sobre a cidade.

Goteja na hora dúbia, quando os becos
anseiam longamente pela aurora,
quando os amantes se abandonam tristes
com a desilusão que a carne chora;
quando os homens, seus ódios sufocando,
num mesmo leito vão deitar-se: é quando
a solidão com os rios vai passando...


Rainer Maria Rilke
In o livro das imagens, 1902


Solidão (outra tradução)


A solidão é como uma chuva.
Ergue-se do mar ao encontro das noites;
de planícies distantes e remotas
sobe ao céu, que sempre a guarda.
E do céu tomba sobre a cidade.

Cai como chuva nas horas ambíguas,
quando todas as vielas se voltam para a manhã
e quando os corpos, que nada encontraram,
desiludidos e tristes se separam;
e quando aqueles que se odeiam
têm de dormir juntos na mesma cama:

então, a solidão vai com os rios...


©Rainer Maria Rilke
Tradução de Maria João Costa Pereira

TAL É A NOSTALGIA


Tal é a nostalgia: habitar sobre as ondas
e jamais ter abrigo no tempo.
E tais são os desejos: diálogo em surdina
da hora cotidiana com a eternidade.

Tal é a vida. Até o dia em que de ontem
se eleva a mais solitária dentre todas essas horas,
e, sorrindo diferentemente das irmãs,
em silêncio se oferece ao eterno.
Cala-se, como uma oferta ao eterno.

Rainer Maria Rilke
Tradução de Antônio Roberto de Paula Leite
In Antologia Poética

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

CHAFARIZ (Sob primaveras)



O chafariz do largo da praça tem lá sua história oficial , porém, no percurso de seu silêncio, foram guardando suas conchas um acervo humano que sua placa-epitáfio não diz. Assim estórias anônimas: lutos de amor, antigos carnavais, serenatas, burricos de carga (quem sabe a poesia sob aquelas luas tintas, abissais).

Aquelas bacias sob primaveras lavaram a roupa da plebe ; aplacaram aquelas taças a sede da imperatriz.

Secaram as pias , passaram conselheiros e generais, mas resistiram o granito e a pedra de cantaria .

Aqui, sob esta árvore-orquídea, no banco de ferro forjado, diante de sua muda memória me sento...

Minguaram as bicas, impunemente, mas de outras intrínsicas águas eu bebo. Rega-me o chafariz por dentro.


(Fernando Campanella , texto inspirado pelo chafariz da cidade sul-mineira de Cristina, topônimo em homenagem à imperatriz Dona Teresa Cristina, esposa de
Dom Pedro II)

terça-feira, 1 de novembro de 2011

SINA

(Fotografia de Fernando Campanella)

Sempre ouvi dizer que poetas
têm um solitário destino.
(A solidão ora enlouquece
ora floresce.)
Não sei: ser poeta é minha sina
ou busco a poesia
que a solidão me atina.

Fernando Campanella, 1993.