A alma é um cenário.
Por vezes, ela é como uma manhã brilhante e fresca,
inundada de alegria.
Por vezes ela é como um pôr do sol...
triste e nostálgico.

-Rubem Alves-

Seja bem-vindo. Hoje é
Deixe seu comentário, será muito bem-vindo, os poetas agradecem.

terça-feira, 31 de março de 2009

TREVA...



Acende a lanterna da Tua graça
na floresta funda
para que eu ache o caminho
da Tua casa perdida entre penumbras tão distantes...

Acende a lanterna da Tua graça,
por que não há trilhos mais ásperos
nem mais secretos precipícios
do que os da floresta funda.
Nem distâncias que se prolonguem tão desesperantemente,
nem medo tão longo de ficar-se perdido para sempre...

Acende a lanterna da Tua graça,
porque para os meus olhos se apagaram
todas as paisagens lúcidas.
Porque a minha treva transbordou de dentro de mim mesmo
sobre as coisas do mundo..."


Tasso da Silveira

ESSÊNCIA



Do fundo do abismo de fragilidade
e de miséria
em que assentou a nossa pobre poeira humana,
eu contemplei, Senhor, as estrelas sagradas.
E vi que há pensamentos infinitos
que o homem ainda não pensou.
Que há palavras profundas
que ainda não foram pronunciadas.
Porque as imagens visíveis
da tua grandeza invisível
estão muito além
do que, através dos milênios,
o espírito concebeu.

Senhor, a antena mágica do espírito
ainda não captou
todas as tuas mensagens de beleza.

A antena trêmula do espírito
ainda não captou
todos os teus ritmos
essenciais.

Tasso da Silveira
in Poemas

DE TARDE



Eu vi voando caminho do Ocidente,
o bando ideal de minhas ilusões;
Do sol, um raio trêmulo, dormente,
dourava-as com seus últimos clarões.

Para longe corriam doidamente
a crença, o amor, meigas aspirações ...
Creio até, que entre as aves, tristemente,
iam partindo os nossos corações.

Alem, além ... e os pássaros risonhos,
foram-se todos. Vênus lacrimosa
brilhou. No mais, deserta a imensidade.

Não! No ocaso do sol e de meus sonhos,
ficou, ainda a pairar triste e formosa,
a ave formosa e triste da saudade.


Augusto de Lima
in Coletânea de Poesias

SAUDADE




Saudade! A alma curou-se da ferida:
Mas quantas cicatrizes na lembrança!
Passa no ar uma queixa dolorida
E há um véu por tudo quanto a vista alcança.

Horas de sombras: o cortejo avança ...
Saudade! Filigrana entretecida
Com fios de ouro e prata, que a esperança
Deixa por todos os sarçais da vida.

Longe, no campanário abandonado,
O sino dobra, lúgubre. Uma prece
Sobe do coração para o passado.

A tarde morre, misteriosa e calma.
Vão-se as últimas asas. Anoitece.
O sino cala-se. Anoitece a alma ...


Heitor Lima
in Primeiros Poemas

AO VENTO



Foi para te colher neste ocaso tristonho,
Fruto do sofrimento,
Que eu, cantando, plantei a árvore do meu sonho,
Agora desfolhada pelo vento.

Uma vela, afrontando as surpresas do abismo,
Desaparece ao largo ...
asas fogem no azul ... a noite desce ... eu cismo ...
Como trava o teu sumo, fruto amargo!

Afinal, que ficou do indizível encanto
Dessas horas felizes ?
Luto no coração, na fronte vincos, pranto
Nos olhos, e no peito cicatrizes.

Quanto padecimento injusto a vida esconde
Nas suas emboscadas!
Nunca mais ouvirei os pássaros na fronde,
Ao clarear das auroras perfumadas ...

Da árvore que plantei só tu me restas, fruto!
E sorvo o teu veneno,
Sem uma hesitação no braço resoluto,
sem um tremor no coração sereno.

Ilusões de ternura e de felicidade,
O turbilhão vos leva ...
Vida, eu te desejei com toda a claridade:
Aceito-te, porém, com todas a treva.


Heitor Lima
in Primeiros Poemas

SOU COMO UM RIO MISTERIOSO ...


(Rio Lima-Portugal)


Sou como um rio que, de tanto
Refletir sombras, se tornou sombrio ...
Rio de dor, rio de pranto,
Ninguém sabe o mistério deste rio.

Rio de dor, rio de mágoas,
Ocultando as imagens que refletes,
Rola em meu ser as tuas águas,
Sob a treva e o silêncio, como o Lethes ...


Da Costa e Silva
in Poesias Completas

Breve relato sobre Lethes,(lenda) o rio do esquecimento:
Diz a lenda que no ano 135 A.C. as hostes romanas, comandadas por Décios Junos Brutos, atingiram as margens do rio Lima.(Portugal) Surpreendidos com a beleza do lugar, julgaram-se perante o lendário rio Lethes que apagava todas as memórias a quem o ousasse atravessar. O comandante, empunhando o estandarte das águias de Roma, atravessou-o e da outra margem chamou pelo nome, um a um, os seus soldados. Assim lhes provou que, apesar de deslumbrante, não era este o rio Lethes!!!

sábado, 28 de março de 2009

'MAR DESCONHECIDO'



Sinto viver em mim um mar ignoto,
E ouço, nas horas calmas e serenas,
As águas que murmuram, como em prece,
Estranhas orações intraduzíveis.

Ouço também, do mar desconhecido,
Nos instantes inquietos e terríveis,
Dos ventos o guaiar desesperado
E os soluços das ondas agoniadas.

Sinto viver em mim um mar de sombras,
Mas tão rico de vida e de harmonias,
Que dele sei nascer a misteriosa

Música, que se espalha nos meus versos,
Essa música errante como os ventos,
Cujas asas no mar geram tormentas.


Augusto Frederico Schmidt
In 'Um Século de Poesia '

quinta-feira, 26 de março de 2009

"Confidencial"



Não me perguntes, porque nada sei
Da vida,
Nem do amor,
Nem de Deus,
Nem da morte.
Vivo,
Amo,
Acredito sem crer,
E morro, antecipadamente
Ressuscitando.
O resto são palavras
Que decorei
De tanto as ouvir.
E a palavra
É o orgulho do silêncio envergonhado.
Num tempo de ponteiros, agendado,
Sem nada perguntar,
Vê, sem tempo, o que vês
Acontecer.
E na minha mudez
Aprende a adivinhar
O que de mim não possas entender.


Miguel Torga

ALMA ESTRANGULADA



Cada um de nós que vai por essa estrada deserta
sente que uma multidão de espíritos vive dentro de si.
Às vezes nos surpreendemos tão diferentes de nós mesmos...

(As sombras na alma pesam tanto, são tão quietas,
como a noite, são tão frias, como o luar).

... tão diferentes, como se, de súbito,
uma multidão de espíritos vivesse dentro de nós.

Emílio Moura
Itinerário Poético

Câmara



Devagar,
Hora a hora,
Dia a dia,
Como se o tempo fosse um banho de acidez,
Vou vendo com mais nitidez
O negativo da fotografia.

E o que eu sou por detrás do que pareço!
Que seguida traição desde o começo,
Em cada gesto, em cada grito,
Em cada verso!
Sincero sempre, mas obstinado
Numa sinceridade
Que vende ao mesmo preço
O direito e o avesso
Da verdade.

Dois homens num só rosto!
Uma espécie de Jano sobreposto,
Inocente,
Impotente,
E condenado
A este assombro de se ver forrado
Dum pano de negrura que desmente
A nua claridade do outro lado.

Miguel Torga

Farol



Luz maluca na noite, coração
Que palpita por tudo o que há de vir:
Ninguém te vê, ninguém te crê, senão
Quem teve o desespero de partir.

Quem se venceu na própria solidão,
E num frágil veleiro quis abrir
O mar salgado de uma condição
Onde a altura do céu vinha cair.

Quem, afogado em pranto, reconhece
No teu aceno inquieto e tutelar
Outra vida mais larga que amanhece,

Fresca de pressentir e germinar,
Lá numa praia branca onde apodrece
Quem nela só consegue naufragar.

Miguel Torga

Fascinação



Canta-lhe o vento as áreas que conhece,
E nenhuma perturba aquele olhar.
Nenhuma o transfigura ou adormece
E o tira de sentir e de fitar.

Terra de consciência iluminada,
Limpa na sua luz pensada e fria,
A celeste canção enluarada
Nenhuma paz humana lhe daria.

Não, porque o vento só conduz aladas
Forças que oscilam a raiz;
E aquele olhar quer descobrir paradas
Seivas da vida que a razão lhe diz.

Miguel Torga

quarta-feira, 25 de março de 2009

A coronal



Violets and leaves of vine,
Into a frail, fair wreath
We gather and entwine:
A wreath for Love to wear,
Fragrant as his own breath,
To crown his brow divine
All day till night is near.
Violets and leaves of vine
We gather and entwine.

Violets and leaves of vine
For Love, that lives a day,
We gather and entwine.
All day till Love is dead,
Till eve falls, cold and gray,
These blossoms, yours and mine,
Love wears upon his head.
Violets and leaves of vine
We gather and entwine.

Violets and leaves of vine
Poor Love, when poor Love dies,
We gather and entwine.
This wreath, that lives a day,
Over his pale, cold eyes,
Kissed shut by Proserpine,
At set of sun we lay:
Violets and leaves of vine
We gather and entwine.


Ernest Dowson
(1867-1900)
from 'Verses',published 1896

A TABACARIA


(Belo Horizonte-MG-Brasil)

Foi no início da década de setenta que me apresentaram Fernando Pessoa.
Eu estudava em Belo Horizonte, à época, um adolescente tímido do interior,
vivendo, solitário, naquele cenário grande.
Era um dia chuvoso. A professora de Língua Portuguesa parecia não estar com disposição para Gramática Histórica naquela tarde. Ainda menos dispostos estariam
os alunos para aquela matéria, ditada pela mestra, ou copiada do quadro.
Realmente, os pingos d’água, desenhando formas móbiles nas janelas de vidro
da sala de aula, e o sussurro do vento favoreciam um outro tempo, não o do latim vulgar, do português antigo.
A ocasião , parece ter sentido a mestra, era para uma certa leitura da alma.
E nada melhor que buscar na linguagem de um poeta aquele espelho, aquela voz
do que sentimos , porém nunca encontramos palavras adequadas para dizer.
Momento do homem com seu enigma, sua indefinição, e um recorrer às eternas Sibilas, se não para respostas, certamente para um alumbramento, uma identificação.
Não sei o que levou a professora a escolher aquele escrito específico do
Pessoa para a leitura daquela tarde. Se foi algo pré-determinado, ou se
encontrou o poema, aleatoriamente, no livro que tinha em mãos, nunca poderei dizer. Mas o que realmente importa é que ‘A Tabacaria’, causou fundo impacto em mim. E deve ter tocado os meus colegas também,
imagino, uma vez que se fez um profundo, compenetrado silêncio na sala
durante a leitura do longo poema.

“Não sou nada. / Nunca serei nada. / Não posso querer ser nada./ À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo...”

Foi a partir destes versos, lá pelos meus quinze anos, que senti que faria
de meus 'nadas', desta matéria impalpável do 'fugidio' que chamamos de sonhos,
a minha poesia.
À parte o estudo do Latim, da Gramática Histórica, que tanto subsídio têm
dado ao que escrevo, é na interação entre meu eu e a palavra, na poesia, que me empenho, assim, em prosseguir a longa tradição dos que atentaram à alma
e escreveram os sonhos, reencantando a língua.
Por onde os oráculos continuam.


Fernando Campanella, 17 de Março de 2009.

‘Metamorfose’


(Tower of Babel, Moraine Lake,
Banff National Park, Alberta, Canada by Younes Bounhar)


Para a minha alma eu queria uma torre como esta,
assim alta,
assim de névoa acompanhando o rio.

Estou tão longe da margem que as pessoas passam
e as luzes se reflete na água.

E, contudo, a margem não pertence ao rio
nem o rio está em mim como a torre estaria
se eu a soubesse ter...
uma luz desce o rio
gente passa e não sabe
que eu quero uma torre tão alta que as aves não passem
as nuvens não passem
tão alta tão alta
que a solidão possa tornar-se humana.


Jorge de Sena

O Jardim



Consideremos o jardim, mundo de pequenas coisas,
calhaus, pétalas, folhas, dedos, línguas, sementes.
Seqüencias de convergências e divergências,
ordem e dispersões, transparência de estruturas,
pausas de areia e de água, fábulas minúsculas.

Geometria que respira errante e ritmada,
varandas verdes, direções de primavera,
ramos em que se regressa ao espaço azul,
curvas vagarosas, pulsações de uma ordem
composta pelo vento em sinuosas palmas.

Um murmúrio de omissões, um cântico do ócio.
Eu vou contigo, voz silenciosa, voz serena.
Sou uma pequena folha na felicidade do ar.
Durmo desperto, sigo estes meandros volúveis.
É aqui, é aqui que se renova a luz.


António Ramos Rosa,
in "Volante Verde"

O Nada. Sobretudo na Fase de Exaltação



Os ramos de árvores despidos que nos lembram
o nada. Sobretudo na fase de exaltação
do espírito. Com a cabeça encostada
aos vidros altos.

Simultaneamente procurar o centro
da irradiação. O Sol matinal com os seus hiatos
preenchidos por casas. Ameias onde se
invertem os vértices do horizonte.
Sol magnânimo

fixo sobre as árvores abençoadas sem
folhas. Infinitos pormenores visíveis e
espaços audíveis preenchem a hora exaltada.
Ponto profusamente cheio. Um fino
silêncio exterior

sinal do nada circundante. Graveto
junto de graveto cruzados para além do fim
da perspectiva. Um significado diverso
naquelas ameias em outros planos. O nada
sempre coeso. Uma respiração intangível
e sem sombras.


Fiama Hasse Pais Brandão,
in "Nova Natureza"

terça-feira, 24 de março de 2009

O Mar



O que me atrai no mar não é o mistério
Da superfície côncava das águas
Mas a infindável rumorosa fala
Que do pélago rola até as praias.

Só o céu está à altura de seu diálogo
E no horizonte ambos se confundem:
Uma mensagem chega em cada vaga,
Do infinito um chamado para os homens.

E, assim, te escuto, ó mar, perdidamente
Procurando captar o ensinamento,
Que se faz e desfaz cada momento

Na unidade de teu espelho ingente,
Por mais que teus segredos nos escondas
Na conversa dinâmica das ondas.


Miguel Reale

O Eu



Abismo em que me perco todo dia
Sempre à procura de meu ser disperso,
Reflexo do que passa pelo céu
Ou espelho exposto a todas as figuras.

Um centro vivo ou então periferia
Às vezes emergindo outras imerso
No que é dos outros ou no que é meu,
Dando sentido e nome às criaturas.

Barco perdido em meio à correnteza
Ou bússola marcando os horizontes,
Um sair e volver eternamente,

Novelo intumescido de incerteza
As chãs planícies e elevados montes,
Virtualidades todas da semente.

Miguel Reale

Muro final



Que pretensão de sermos uma ponte
entrelaçando gerações!
Que ilusão de sermos segmento
da sonhada trajetória!
Talvez sejamos contas de um rosário
de amor e morte
que os dedos trêmulos desfiam,
mal chegando até os lábios frios
o reprimido impulso de uma prece.
Com a saudade dos entes que perdemos
vamos tecendo os fios da existência
e de repente damos conta disso
como quem surpreende a própria idade
nas rugas ou nas mãos de um velho amigo.
Vivemos e, quanto mais os anos passam,
mais nosso ser é o ser dos encantados,
até chegarmos, peregrinos cegos,
junto ao muro das lágrimas iguais.


Miguel Reale
São Paulo(1910-2006)

segunda-feira, 23 de março de 2009

Flor de Outros Climas


(Fragrant Water Lily)

Vieste de um país de bruma,
De sonho e melancolia:
Teu corpo é feito de espuma,
Da espuma mais branca e fria.

Na mole tranqüilidade
Dos gestos, tu me recordas
Uma lírica saudade
De teclados e de cordas.

Trazes gravado no ouvido
Para mim ( feliz quem canta!)
Um velho canto esquecido
Nalguma velha garganta.

Trazes dos olhos no fundo
Um desespero abafado,
Novo pranto preparado
Para encher a arca do mundo.

Nas olheiras merencórias
Dos teus olhos tristes de ave,
Lê-se a tua história suave
Como todas as histórias.

Vens de longe... Assim que me olhas
Sinto a carícia das sedas...
Tens um perfume de folhas,
De parques e de alamedas.

Nas tuas mãos delicadas,
Abertas num lento aceno,
Passam veias azuladas
Do azul muito azul do Reno.

Flor que tombastes em desfolhos
Pela chuva e pela mágoa,
Eu descubro nos teus olhos
Castelos à beira d’água:

Parques, fontes que soluçam
Trovas na água transparente,
E garças que se debruçam
Na imensa calma do poente.

Um silêncio comovido
Pela estrada solitária,
Quando o corta o estranho ruído
De uma asa retardatária.

Vieste de imota paragem,
Como um símbolo de mágoa,
Trazendo a tua paisagem
Dos teus olhos à flor d’água.

E na boca envelhecida
Pelo mais rude desejo,
A vida... Que grande vida!
Num beijo... Que grande beijo!


Olegário Mariano (1932-1955)

domingo, 22 de março de 2009

Despedida


(Hans Zatzka)


Mas tu nunca vinhas com a noite –
E eu sentada com casaco de estrelas.


… Quando batiam à minha porta
Era o meu próprio coração.


Agora pendurado em todas as ombreiras,
Também na tua porta;


Entre touros rosa-de-fogo a extinguir-se
No castanho da grinalda.


Tingi-te o céu cor de amora
Com o sangue do meu coração.


Mas tu nunca vinhas com a noite
… E eu de pé com sapatos dourados.

else lasker-schüler
a alma e o caos
Tradução-João Barrento

"Fuga do Mundo"



Quero chegar ao sem limite
Para regressar a mim,
Já estão em flor os narcisos-do-outono...
Tarde de mais, quem sabe... regressar
Ah, morro no meio de vós
Os que convosco me sufocais.
Queria tecer uma teia de fios a envolver-me
Pôr fim à confusão,
Confundindo,
E fugir
Para dentro de mim.

Else Lasker-Schüler


Weltflucht

Ich will in das Grenzenlose
Zu mir zurück,
Schon blüht die Herbstzeitlose
Meiner Seele,
Vielleicht – ist’s schon zu spät zurück!
O, ich sterbe unter Euch!
Da Ihr mich erstickt mit Euch.
Fäden möchte ich um mich ziehn –
Wirrwarr endend!
Beirrend,
Euch verwirrend,
Um zu entfliehn
Meinwärts!

Else Lasker-Schüler

(1896-1945)



Assim que eu abrir de novo os meus olhos,
meus pensamentos já não serão mais livres,
e minha alma, vencida, errará novamente pelas estradas abandonadas.
Neste instante, porém, tudo me aproxima de mim mesmo.
Há uma solidão imensa aqui dentro. Há janelas abertas recebendo a noite.

Nunca me pertenci tanto como neste momento.
Nunca te pertenci tanto como neste momento.


Emílio Moura

ODE AO PRIMEIRO POETA



- “Comme le monde était jeune,
et que la mort était loin!”
Georges Chennevière


Quando os homens descerem, um dia, dos montes e se detiverem, trêmulos,

diante da planície imensa,
eu te vi erguendo a tua voz forte, límpida e viva.
Eras jovem e tinhas a alegria de quem está descobrindo o mundo.

Foi a tua palavra que modelou a primeira paisagem, deu ritmo aos ventos e imaginou a beleza ingênua dos primeiros e únicos símbolos que se perpetuaram.

Era criatura e criador.

Estavas no gesto maravilhado que armava as primeiras tendas e na mão indecisa que traçava desenho mágico dos caminhos que se improvisavam;
na imagem da vida em que se embebeu o primeiro surto livre do espírito;

estavas em ti mesmo e fora de ti,
quando os homens desceram, um dia, dos montes e se detiveram, trêmulos,

diante da planície imensa...


Emílio Moura

quinta-feira, 19 de março de 2009

LLUVIA



Oh lluvia silenciosa, sin tormentas ni vientos,
lluvia mansa y serena de esquila y luz suave,
lluvia buena y pacifica que eres la verdadera,
la que llorosa y triste sobre las cosas caes!

Oh lluvia franciscana que llevas a tus gotas
almas de fuentes claras y humildes manantiales!
Cuando sobre los campos desciendes lentamente
las rosas de mi pecho con tus sonidos abres.

El canto primitivo que dices al silencio
y la historia sonora que cuentas al ramaje
los comenta llorando mi corazón desierto
en un negro y profundo pentagrama sin clave.

Mi alma tiene tristeza de la lluvia serena,
tristeza resignada de cosa irrealizable,
tengo en el horizonte un lucero encendido
y el corazón me impide que corra a contemplarte.

Oh lluvia silenciosa que los árboles aman
y eres sobre el piano dulzura emocionante;
das al alma las mismas nieblas y resonancias
que pones en el alma dormida del paisaje!


Federico García Lorca

Homem que vens de humanas desventuras



Homem que vens de humanas desventuras,
que te prendes à vida e te enamoras,
que tudo sabes e que tudo ignoras,
vencido herói de todas as loucuras;

que te debruças, pálido, nas horas
das tuas infinitas amarguras
e na ambição das coisas mais impuras,
e és grande simplesmente quando choras;

que prometes cumprir e que te esqueces,
que te dás às virtudes e ao pecado,
que te exaltas e cantas e aborreces.

arquiteto do sonho e da ilusão,
ridículo fantoche articulado,
- eu sou teu camarada e teu irmão!

António Botto
Portugal- 1902-1959

terça-feira, 17 de março de 2009



Se eu me for
vou de bagagem
sem ter mala
e compromisso.
Vou de anjo,
sem ter asa,
vou morando,
sem ter casa.
Vou medir
o infinito.

Hoje sou mais ontem
e me resvalo
em pensamento
e lembrança.
Virei criança.

Passarinho,
passarinho,
asa de vento
e plumagem,
bico feito de cantiga
me livra desta gaiola
que tem palavra
e linguagem!

A cor do tempo
é aguada,
cor de neblina
e azul.
A cor do tempo
usa óculos,
requebra
numa bengala.
A cor do tempo
é sem cor,

parece filme
antigo.
É um tom
de pianola
ou talvez

A saudade
é coisa à toa:
avoa!
A saudade
é coisa tanta:
espanta!

Sylvia Orthof
(Rio de Janeiro-1.932-1997)

SUPREMO TRAVO



Esta muda tristeza indefinida
Que prematuramente me envelhece,
Dando-me ao ser a contrição da prece,
Dando-me à vida a sombra da outra vida;


Este surdo pesar que me intimida
E o ânimo quente aos poucos me arrefece,
Colhendo lágrimas em larga messe
Sempre à mesma recôndita ferida


É a condição da minha essência humana
E sente-a, apenas, quem, no curso incerto
Da existência falaz, nunca se engana;


Quem não vibra à ventura que tem perto,
Quem no seio de alegre caravana
Compreende a sós a mágoa do deserto.


Luis Carlos
In: Poesias Escolhidas

domingo, 15 de março de 2009

Elogio de la sombra


(Fotografia de Katya Lin)

La vejez (tal es el nombre que los otros le dan)
puede ser el tiempo de nuestra dicha.
El animal ha muerto o casi ha muerto.
Quedan el hombre y su alma.
Vivo entre formas luminosas y vagas
que no son aún la tiniebla.
Buenos Aires,
que antes se desgarraba en arrabales
hacia la llanura incesante,
ha vuelto a ser la Recoleta, el Retiro,
las borrosas calles del Once
y las precarias casas viejas
que aún llamamos el Sur.
Siempre en mi vida fueron demasiadas las cosas;
Demócrito de Abdera se arrancó los ojos para pensar;
el tiempo ha sido mi Demócrito.
Esta penumbra es lenta y no duele;
fluye por un manso declive
y se parece a la eternidad.
Mis amigos no tienen cara,
las mujeres son lo que fueron hace ya tantos años,
las esquinas pueden ser otras,
no hay letras en las páginas de los libros.
Todo esto debería atemorizarme,
pero es una dulzura, un regreso.
De las generaciones de los textos que hay en la tierra
sólo habré leído unos pocos,
los que sigo leyendo en la memoria,
leyendo y transformando.
Del Sur, del Este, del Oeste, del Norte,
convergen los caminos que me han traído
a mi secreto centro.
Esos caminos fueron ecos y pasos,
mujeres, hombres, agonías, resurrecciones,
días y noches,
entresueños y sueños,
cada ínfimo instante del ayer
y de los ayeres del mundo,
la firme espada del danés y la luna del persa,
los actos de los muertos,
el compartido amor, las palabras,
Emerson y la nieve y tantas cosas.
Ahora puedo olvidarlas. Llego a mi centro,
a mi álgebra y mi clave
a mi espejo.
Pronto sabré quién soy.

Jorge Luis Borges
in «Elogio de la sombra»

ENTARDECERES



A clara profusão de um poente
enalteceu a rua,
a rua aberta como um vasto sonho
para qualquer acaso.
O límpido arvoredo
perde o último pássaro, o ouro último.
A mão andrajosa de um mendigo
agrava a tristeza dessa tarde.

O silêncio que mora nos espelhos
forçou seu cárcere.
A escuridão é o sangue
das coisas feridas.
No ocaso incerto
a tarde mutilada
foi umas pobres cores.



Jorge Luis Borges
in: Primeira Poesia
Tradução: Josely Vianna Baptista

'Os Amigos '




no regresso encontrei aqueles
que haviam estendido o sedento corpo
sobre infindáveis areias

tinham os gestos lentos das feras amansadas
e o mar iluminava-lhes as máscaras
esculpidas pelo dedo errante da noite

prendiam sóis nos cabelos entrançados
lentamente
moldavam o rosto lívido como um osso
mas estavam vivos quando lhes toquei
depois
a solidão transformou-os de novo em dor
e nenhum quis pernoitar na respiração
do lume

ofereci-lhes mel e ensinei-os a escutar
a flor que murcha no estremecer da luz
levei-os comigo
até onde o perfume insensato de um poema
os transmudou em remota e resignada ausência

Al Berto

sábado, 14 de março de 2009

SU SITIO FIEL



Las nubes y los árboles se funden
y el sol les transparente su honda paz.
Tan grande es la armonía del abrazo,
que la quiere gozar también el mar,
el mar que está tan lejos, que se acerca,
que ya se oye latir, que huele ya.

El cerco universal se va apretando,
y ya en toda la hora azul no hay más
que la nube, que el árbol, que la ola,
síntesis de la gloria cenital.
El fin está en el centro. Y se ha sentado
aquí, su sitio fiel, la eternidad.

Para esto hemos venido. (Cae todo
lo otro, que era luz provisional.)
Y todos los destinos aquí salen,
aquí entran, aquí suben, aquí están.
Tiene el alma un descanso de caminos
que han llegado a su único final.

Juan Ramón Jimenez

Pensei que sonhava



Pensei que sonhava com folhas caindo,
com os lagos escuros de bosques sem fim,
com o eco de tristes palavras;
Mas não lhes conseguia entender o sentido.

Pensei que sonhava com estrelas caindo,
com súplicas de olhos cinzentos num grito,
com o eco de umas risadas;
Mas não lhes conseguia entender o sentido.

Como a queda de folhas e estrelas caindo,
Pensei que me via, para sempre indo e vindo
com o eco sem fim que sonhava;
Mas não conseguia entender-lhe o sentido.


Georg Trakl
Austria-(1887-1914)

quarta-feira, 11 de março de 2009

Serenata



Repara na canção tardia
que timidamente se eleva,
num arrulho de fonte fria.
O orvalho treme sobre a treva
e o sonho da noite procura
a voz que o vento abraça e leva.
Repara na canção tardia
que oferece a um mundo desfeito
sua flor de melancolia.
É tão triste, mas tão perfeito,
o movimento em que murmura,
como o do coração no peito.
Repara na canção tardia
que por sobre o teu nome, apenas,
desenha a sua melodia.
E nessas letras tão pequenas
o universo inteiro perdura.
E o tempo suspira na altura
por eternidades serenas.

Cecília Meireles


Deixa-te estar embalado no mar noturno
onde se apaga e acende a salvação…

Deixa-te estar na exaltação dos sonhos sem forma:
com ela caminha o horizonte dos meus braços abertos,
e por cima do céu estão meus olhos pregados, guardando-te.

Deixa-te balançar entre a vida e a morte, sem nenhuma saudade:
deslizam os astros na abundância do tempo que cai:
nós somos pequenos como um ponto de pólen rodando entre os mundos.

Deixa-te estar neste embalo de água gerando círculos…
Nem é preciso dormir para a imaginação desmanchar-se em figuras
ambíguas…
Nem é preciso fazer nada para se estar na alma de tudo…
Nem é preciso querer mais, - que vem de nós um beijo eterno
e afoga a boca da vontade e os seus pedidos…

Cecília Meireles

Gota d'água



Despertar. O dilúculo termina.
A alba rufa os tambores pelos montes...
Afã. A claridade matutina
Rasga os céus, abre novos horizontes.

Outra ilusão os ares ilumina.
Fulvo, jorrando das perpétuas fontes,
O dilúvio do sol enche a campina,
Inunda estâncias, recobrindo pontes...

Perturba o coração este epinício!
Mas, julgando improfícuo o sacrifício,
Nestas horas de ação, formidolosas,

Gota d'água no mar da Humanidade,
Continuo a rimar na soledade,
Ouvindo estrelas, cultivando rosas.


Martins Fonte
(1884-1937)

VIAGEM PERDIDA



Há um longínquo país que às vezes visitamos;
extasia-se o olhar que os recantos lhe sonde,
entre o suave frescor dos seus verdes recamos
e a luxúria pagã que envolve cada fronde ...

Essa é a pátria encantada e longe, que sonhamos
conquistar, algum dia, ao mistério que a esconde.
Oásis que nos estende a sombra dos seus ramos
e ao grito do viandante estremece e responde ...

Vós, que andais a sonhar, pela existência em fora,
esqueci, no passado, as ilusões sepultas,
ide a esse fim do mundo onde a Esperança mora.

Ide, mas não proveis dos frutos que colherdes,
nesse reino infeliz, de esmeraldas ocultas,
nesse estranho pomar que só dá frutos verdes ...

Cassiano Ricardo
in Antologia Poética

VIDA




Para um destino incerto caminhamos,
Tontos de luz, dentro de um sonho vão;
E finalmente, a glória que alcançamos
Nem chega a ser uma desilusão!

Levanta-se da sombra, entre altos ramos,
Como um fumo a subir, lento, do chão,
A distância que tanto procuramos,
E os nossos braços nunca atingirão...

Mas um dia, perdidos, hesitantes,
A alma vencida e farta, as mãos tateantes,
De repente, paramos de lutar;

E ao nosso olhar, cansado de amargura,
As montanhas têm muito mais altura,
O céu mais astros, e mais água o mar.


Ronald de Carvalho
(1893/1935)

quinta-feira, 5 de março de 2009

Clowns


(Clowns, S. Mulak)

Será triste a passagem
para a Terra Sem Sentimentos
do capital total.
Um por um
pelo desfiladeiro
como os mocinhos do cinema.
Fardos, jegues.
Camelos?
Também, vindos de outros filmes.
Turbantes, sarongues, sáris.
Irmão, primo.
Pai.
Até mãe pelo despenhadeiro.
Nada sobrará.
Amor, sorriso.
Pedra sobre pedra.
Só frieza e névoa.
Não, não será triste.
É Sem Sentimentos a Terra
do capital fatal.
Ovelha irreal
simulacro de gemido
inteligência transgênica.
Clowns, clones — será gente
o que desce da garganta
do outro lado da montanha
da transmutação global?

Angela Melim

Um Navio




"Quanta paz em baixo, na raiz do mundo...?"

(Virgínia Woolf)




A solidão é um navio.
Só o que me move é a pá da solidão,
o leme.
Se não gozo,
suspiro
cristas suspensas
pedras de sal
fiapos de mar –
a maior boca
a mais
voraz.
Mas no seu fundo longínquo
âncora
os leitos de areia e seus lençóis limpíssimos
os peixes cegos
a paz.



Angela Melim
(1.952-Porto Alegre-RS)

OFÍCIO




Naturezas de borboleta
forjam casulos em silêncio.
Em segredo, universos tramam
O absoluto florescimento.

Tanta beleza em surdina
que já não se conta o tempo.


O ferreiro tece o concreto
em diurno alheamento.

Também meu ofício de arte
por estas vias se encorpa.
Tanta mobilidade, tantas formas
me saíram do bolso
assim como do nada
no mais desprovido silêncio.

(Fernando Campanella)

(Pedra do Baú, foto by Fernando Campanella)


O silêncio que medra,
O berço dos deuses,
A lápide dos ventos:
A memória da pedra.

(Fernando Campanella, 24.02.2009)

quarta-feira, 4 de março de 2009

APELO




Eu venho das lições dos tempos idos,
e vejo a Guerra no horizonte armada.
Será que os homens bons não fazem nada?
Será que não me prestarão ouvidos?

Eu vejo a Humanidade manejada
em prol dos interesses corrompidos.
É mister acabar com esta espada
suspensa sobre os lares oprimidos!

É preciso ganhar maturidade
no fomento da paz e da verdade,
na supressão do mal e da loucura. .

Que a estrutura econômica da guerra
se faça em pó! E reinem sobre a Terra
os frutos do trabalho e da fartura!


Eno Theodoro Wanke
(1921-2001) Paraná

terça-feira, 3 de março de 2009

FALANDO




Em que pensas, magoado rosto,
Todas as tardes, quase ao sol posto
bem rente ao mar?

Em lírios tristes, em sonhos mortos
Quando se iam roteando portos
de um outro mar ...

Quantas saudades – dolentes frautas
Scherzando juntas – dos belos nautas
tendes no olhar!

Hão de esvair-se, nas longas rondas
Diz-me a esperança: virão nas ondas
que vivo a olhar ...

Velas em balde: vossos gajeiros
Morreram todos lá nos nevoeiros
em alto mar,
Bem como aqueles(castigo? Eu cismo ...)
Que sucumbiram num outro abismo
- O negro abismo do vosso olhar ...

Euclides Bandeira
in Velhas Páginas

Tristeza



Esta tristeza que me envolve agora
Nem me deixa sequer pensar em mim…
Cai na terra o silêncio; e nesta hora
A minha dor vai descansar enfim.


O sol ao longe todo o céu colora
De nuvens cor de fogo e de rubi
E as árvores também, como quem ora,
Rumorejam nas sombras do jardim.


E no silêncio desta tarde linda
Paira na terra uma doçura infinda,
Asas leves de sonho e de agonia…


Morrem ao longe as nuvens incendiadas,
Quando o silêncio e a sombra de mãos dadas
Amortalham a luz, ao fim do dia…


Anrique Paço d'Arcos
(1.906-1.993)Portugal

Prelúdio



Neste alaúde, que a saudade afina,
Apraz-me às vezes decantar lembranças
De um tempo mais ditoso;

De um tempo em que entre sonhos de ventura
Minha alma repousava adormecida
Nos braços da esperança.

Eu amo essas lembranças, como o cisne
Ama seu lago azul, ou como a pomba
Do bosque as sombras ama.

Eu amo essas lembranças; deixam n'alma
Um quê de vago e triste, que mitiga
Da vida os amargores.

Assim de um belo dia, que esvaiu-se,
Longo tempo nas margens do ocidente
Repousa a luz saudosa.

Eu amo essas lembranças; são grinaldas
Que o prazer desfolhou, murchas relíquias
De esplêndido festim;

Tristes flores sem viço! - mas um resto
Inda conservam do suave aroma
Que outrora enfeitiçou-nos.

Quando o presente corre árido e triste,
E no céu do porvir pairam sinistras
As nuvens da incerteza,

Só no passado doce abrigo achamos
E nos apraz fitar saudosos olhos
Na senda decorrida;

Assim de novo um pouco se respira
Uma aura das venturas já fruídas,
Assim revive ainda

O coração que angústias já murcharam,
Bem como a flor ceifada em vasos d'água
Revive alguns instantes.


Bernardo Guimarães

sonhos perdidos



razão trôpega, o olhar busca no ignoto
prisma de decompostas transparências
sonhos que estão vivendo transcendências
no retrocesso do ideal remoto.


um ou outro esgotado em resistências
no escalar da memória em terremoto
logra chegar sem voz entre incoerências
capturadas na ascese do meu voto.


sonhos hoje longínquos . . . soçobrados
no mar que banha o lírico penedo
de lembranças sem garras sobre o limo . . .


perscruto por encalços incrustados
nas escarpas mentais de olvido e medo
sem ver ressurreições no eterno cimo !


Paulo Fénder
In: Bengala Branca
(1912/1981)Pará-BR

FUTURO



vamos!
vamos sacudir inércias
e fazer cores de outra cor.
por que só o vermelho, o amarelo e o azul?
o sol está velho.
e quem não vê as luzes grávidas
do ventre da estrela nova?
vamos!

Paulo Fénder
in Bengala Branca
(1.912-1.981)

domingo, 1 de março de 2009

VESPERAL



Hora de benção, de perdão, de prece ...
E que, no entanto, é das que mais afligem ...
Entardecer ... O azul empalidece
como um rosto na agônica vertigem ...

Em breve a noite vai colher a messe
das estrelas ... E da cerúlea origem
a alma do vago sobre as almas desce
e as saudades para elas se dirigem ...

Morreu da luz o fulgurante império ...
O poente, como as ilusões perdidas,
os nossos sonhos vãos, se fez cinéreo ...

E sobre tantas ruínas, quando é noite,
virão chorar, nas horas esquecidas,
as cristalinas lágrimas da noite ...


José Lannes
in Candeia – l.948.