A alma é um cenário.
Por vezes, ela é como uma manhã brilhante e fresca,
inundada de alegria.
Por vezes ela é como um pôr do sol...
triste e nostálgico.

-Rubem Alves-

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quarta-feira, 25 de março de 2009

A TABACARIA


(Belo Horizonte-MG-Brasil)

Foi no início da década de setenta que me apresentaram Fernando Pessoa.
Eu estudava em Belo Horizonte, à época, um adolescente tímido do interior,
vivendo, solitário, naquele cenário grande.
Era um dia chuvoso. A professora de Língua Portuguesa parecia não estar com disposição para Gramática Histórica naquela tarde. Ainda menos dispostos estariam
os alunos para aquela matéria, ditada pela mestra, ou copiada do quadro.
Realmente, os pingos d’água, desenhando formas móbiles nas janelas de vidro
da sala de aula, e o sussurro do vento favoreciam um outro tempo, não o do latim vulgar, do português antigo.
A ocasião , parece ter sentido a mestra, era para uma certa leitura da alma.
E nada melhor que buscar na linguagem de um poeta aquele espelho, aquela voz
do que sentimos , porém nunca encontramos palavras adequadas para dizer.
Momento do homem com seu enigma, sua indefinição, e um recorrer às eternas Sibilas, se não para respostas, certamente para um alumbramento, uma identificação.
Não sei o que levou a professora a escolher aquele escrito específico do
Pessoa para a leitura daquela tarde. Se foi algo pré-determinado, ou se
encontrou o poema, aleatoriamente, no livro que tinha em mãos, nunca poderei dizer. Mas o que realmente importa é que ‘A Tabacaria’, causou fundo impacto em mim. E deve ter tocado os meus colegas também,
imagino, uma vez que se fez um profundo, compenetrado silêncio na sala
durante a leitura do longo poema.

“Não sou nada. / Nunca serei nada. / Não posso querer ser nada./ À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo...”

Foi a partir destes versos, lá pelos meus quinze anos, que senti que faria
de meus 'nadas', desta matéria impalpável do 'fugidio' que chamamos de sonhos,
a minha poesia.
À parte o estudo do Latim, da Gramática Histórica, que tanto subsídio têm
dado ao que escrevo, é na interação entre meu eu e a palavra, na poesia, que me empenho, assim, em prosseguir a longa tradição dos que atentaram à alma
e escreveram os sonhos, reencantando a língua.
Por onde os oráculos continuam.


Fernando Campanella, 17 de Março de 2009.

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