A alma é um cenário.
Por vezes, ela é como uma manhã brilhante e fresca,
inundada de alegria.
Por vezes ela é como um pôr do sol...
triste e nostálgico.

-Rubem Alves-

Seja bem-vindo. Hoje é
Deixe seu comentário, será muito bem-vindo, os poetas agradecem.

sábado, 30 de junho de 2007

SÓ ,SEM A TRISTEZA



BOM DIA,
Tristeza!
Direi eu,
Amante das musas,
Nestes dias outonais,
Dias de inquietude e tédio,
Quando nossos corações
Sentem a tua presença...

BOA TARDE,
Tristeza!
Eis o meu melacólico comprimento,
De quem padece em tua companhia,
De quem vive desiludido
Neste mundo triste e sofredor,
Ignora a minha existência
E deixa de me ferir
Sem um motivo sequer...

BOA NOITE tristeza! Vou-me embora.
Não me sigas,
Pelo amor de Deus
Prefiro ficar só,
Indiscutivelmente,
Só,
Enamorado eterno
Da música e do amor...

Vai
Tristeza!
Segue teu caminho
E eu seguirei o meu,
Embora sem rumo
Fugindo da tua companhia...

Olympiades Guimarães Corrêa
Em Neblina do Tempo 1.996

POEMA EM FORMA DE SONATA



Existe algo dentro de mim,
Algo que o peito agasalha,
Pequeno no tamanho,
Que bate,
Pulsa e sente.
Suas batidas podem ser contadas,
Como quem conta as de um relógio
Ou as contas de um rosário.
Ele pulsa numa batida constante,
Sente as alegrias do momento,
Também as tristezas da sua vida
E a dor amarga da saudade...

E,quando parar de bater,
Será apenas uma vida
Que deixou de existir,
Um coração amargurado
Que deixou de pulsar...

Olympiades Guimarães Corrêa
Em Neblinas do Tempo 1.994


The day came slow, till five o'clock,
Then sprang before the hills
Like hindered rubies, or the light
A sudden musket spills.

The purple could not keep the east,
The sunrise shook from fold,
Like breadths of topaz, packed a night,
The lady just unrolled.

The happy winds their timbrels took;
The birds, in docile rows,
Arranged themselves around their prince
(The wind is prince of those).

The orchard sparkled like a jewel, --
How mighty 't was, to stay
A guest in this stupendous place,
The parlor of the day!

Emily Dickinson

SAUDADE



Saudade!
Dize-me: quem és?

Tu apareces sempre
Quando alguém se separa,
Deixando um rastro qualquer...

Presente estás
Quando o amor se parte,
Partindo também
Os elos de uma corrente,
Corrente que deveria ser permanente...

Saudade !
És um termo
Como outro qualquer,
Mas és também
Uma personagem da vida,
Que se coloca entre dois seres...

Mas, saudade,
Torno a perguntar-te:
Finalmente,
Quem és?

Olympiades Guimarães Corrêa
Do livro Neblina do tempo 1.996

TEUS OLHOS SÃO CAIXINHAS DE SEGREDO




Teus olhos possuem a sensibilidade,
sensibilidade das baladas tristes,
Da baladas e doa noturnos de Chopin,
Cheio de acordes divinais
Porém melancólicos como a própria música...

Quando os fito,com ternura,
Parecem os mormaços,
Mormaços das tardes de verão.
São tristes,
São divagadores,
Mas excepcionalmente lindos,
Porque possuem algo,
Algo difícil de definir...

E é por isso
Que gosto dos teus olhos,
Porque eles são caixinhas de segredos...

Olympiades Guimarães Corres
De Neblina do tempo- 1.996

NEBLINA DO TEMPO



(Homenagem a Marcel Proust)

Na neblina do tempo
O menino desapareceu,
Levando com ele
Todos meus sonhos e ilusões.
Hoje,resta apenas,
No homem que sou eu,
A sombra domenino,
Daquele menino sonhador
Que fui eu
E que na neblina do tempo
Certa vez se perdeu...

Olympiades Guimarães Corrêa
Poema de abertura do livro Neblina do Tempo 1.996

quinta-feira, 28 de junho de 2007

O CORAÇÃO



Há cura para a doença,
Há cura para o que quebra
E se rasga e dói,
Mas para a vida não há cura.


Para a semente há a árvore,
Para o ovo, o passarinho,
Para a lagarta, a frágil mariposa,
Mas para a dor não há ressurreição!


Para a alegria existe uma consumação,
Para o amor, doces lábios e uma palavra,
Para a loucura existem sonhos,
Mas para a tristeza, nenhum bálsamo!


Há o fulgor do fósforo,
E a chama cálida da lareira
E a luz radiante à noite,
Mas o calor estelar não se esfria!


Há uma palavra para cada ouvido
Uma mão para cada berço,
Uma carícia para cada rosto,
Mas para o coração quebrantado
não há esperança!


Então embrulha-o em negro
E em sangue e em lágrimas
E enterra-o fundo na terra
Para que seus lamentos não despertem
Os que dormem na noite!

RÚHIYYIH RABBANI
16 de março de 1958

RELÓGIOS DA ALMA E DA MENTE



As horas correm lentas...
Não nos relógios feitos por homens,
Mas nos relógios estranhos
da alma e da mente
Ajustados com a catástrofe e a dor.


Um minuto são mil pensamentos,
Um pensamento doloroso, um ano,
Um mês é a dor lacerante de ontem
E, ontem, um vida toda que passou...


Passado e presente se fundem na memória
E a memória se torna eterna:
O futuro se volta como uma serpente
E crava no coração
O veneno negro do passado.


Cada segundo cai como água,
Desgasta a pedra da vida,
Mas a vida arde como teias de aranha
Numa repentina labareda.


RÚHIYYIH RABBANI
19 de dezembro de 1957

'CANTEIROS'



Quando penso em você fecho os olhos de saudade
Tenho tido muita coisa, menos a felicidade
Correm os meus dedos longos em versos tristes que invento
Nem aquilo a que me entrego já me traz contentamento

Pode ser até amanhã, cedo claro feito dia
mas nada do que me dizem me faz sentir alegria
Eu só queria ter no mato um gosto de framboesa
Para correr entre os canteiros e esconder minha tristeza

Que eu ainda sou bem moço para tanta tristeza
E deixemos de coisa, cuidemos da vida,
Pois se não chega a morte ou coisa parecida
E nos arrasta moço, sem ter visto a vida.

Cecília Meireles

quarta-feira, 27 de junho de 2007

SALMO DO INSTANTE III



A Mário Bezerra



O tempo flui, matando o mundo,
deixando atrás as coisas gastas,
infinito desnudo e já vivido.
O tempo flui bebendo o vinho
do céu, do espaço,
e amputando as mãos de Deus.

Gastando o mundo, o tempo flui
enquanto os germes sutis da vida
são triturados à luz do sol.
Vergando de infâncias,
o tempo vai lavando o céu
como uma vidraça, uma mancha
na transparência infinita.

O templo flui,
como uma língua nos carrilhões,
ondas de luz, vozes de morte,
ecos noturnos, vento distante.
Como o momento legado
pelas memórias antigas,
o tempo flui:
a mão amiga que se foi,
a voz ausente, a hora outrora,
a madrugada lenta da alma
— a cor mais íntima que se conhece.

O tempo flui, limpando o mundo
da umidade das criaturas,
desses lugares impregnados
onde os homens se ocultam
da face dura do infinito.
O tempo flui arrasador
sobre as estrelas, sobre os espaços,
deixando apenas a alma de Deus
como a essência sobrevivente.



Yttérbio Homem de Siqueira

SALMO A MELQUISEDEQUE




A Nilo Pereira



Se a essência da luz desabrochasse
e se todos os cristais se dissolvessem,
não teriam a luz e o som daquela prece.

Neblinas, íris,
rosas e cores,
Silfos e Elfos,
flautas de prata,
brisas, sonatas,

nada é tão belo como aquela prece:
túnica de luz, cristal e lua
que as mãos sonoras da música tecem.

Ai, nada existe como a imensa prece
do grande solitário cujo nome
nem mesmo os anjos do senhor conhecem.


Yttérbio Homem de Siqueira
do Livro Abismo Intacto 1.983

POEMA



Com o pincel da esperança,
vou pintando sonhos de felicidade
na tela da imaginação.
São sonhos respingados
de euforia,
lindas sonatas repletas de harmonia.

Misturo as tintas
no balde da fantasia,
acrescento gotas de otimismo
e muitas colheradas de alegria.
Assim, deslizando para um mundo
encantado,
minha obra de arte se inicia.

A tela branca imaginária
vai ficando colorida,
salpicada de mil sonhos
que se se deslocam
dos abismos da inconsciência,
flutuam pelo pensamento,
desencadeando sentimentos
de um prazer inesperado,
que transporta minha'alma
a uma paz infinita!


(Vyrena)
Antonia Nery Vanti

CANÇÃO DO DIA DE SEMPRE




Tão bom viver dia a dia...
A vida, assim, jamais cansa...

Viver tão só de momentos
Como essas nuvens do céu...

E só ganhar, toda a vida,
Inexperiência... esperança...

E a rosa louca dos ventos
Presa à copa do chapéu.

Nunca dês nome a um rio:
Sempre é outro rio a passar.

Nada jamais continua,
Tudo vai recomeçar!

E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas,
Atiro a rosa do sonho
Nas tuas mãos distraídas...

Mário Quintana

DEVIA SER PROIBIDO



Devia ser proibido... proibido se sofrer assim. Não devia ser permitido sentir essa solidão orfandade, esse medo criança, escondido no vão da escada... esse desespero prenúncio de morte, paralisante e denso, tão tremendamente assustador.

Ah, essa saudade baleia, singrando meus mares, despejando meus sonhos na praia... corais...

Ah, essa lembrança paquiderme, pisando pesado no meu peito, peso-morto, que se deixa ficar, sufocante, sobre mim.

Devia ser proibida essa sequidão de abraços, esse estio de carinho, deserto de beijo, ausência de toque... essa falta de mãos! Saudade mamute, antiga, colossal.

Em dias assim, tão desesperadamente solitários e frios, devia ser permitido voltar o relógio... esquecer o outono que finda, início de inverno e revisitar passadas primaveras...

lisieux
BH - 17.05.04

BATIDAS




Batem fortes bátegas na janela
e bate, em descompasso, o coração.
Bate a saudade doida no meu peito,
e bate à minha porta, a solidão...

Bate também na face o vento forte
e bate em minha mente a tua imagem...
Bate-me o medo, o terror da morte
bate a secura desta estiagem...

E bate o frio intenso, à minha porta,
Bate com força a dor, e não comporta
a lágrima, que bate, em meu olhar...

Bate em compasso intenso o meu relógio
em meus ouvidos bate a voz de ódio
bate a certeza que não vais voltar...

lisieux
BH - 10.02.04

terça-feira, 26 de junho de 2007

POEMA EM FORMA DE QUARTETOS



Não me culpes por ter-te amado tanto.
Não me culpes por ter-te querido tanto.
Talvez na minha ingenuidade de adolescente,
Eu me enganei com a tua imagem de mulher...

Não sei, tive as minhas dúvidas,
Havia em ti dupla personalidade,
Ora te portavas como um anjo
E outras vezes como um demônio...

Confiei demais, eis o meu erro,
Pois sabias mentir como ninguém
E na mentira como enganavas
Como zombavas dos sentimentos puros...

Que poderei dizer hoje o que foste?
Nada, apenas uma mulher de rara beleza,
Dessas que passam em nossa vida
E deixam um rastro de simples aventura...

O amor que te dediquei,
O quanto te quis,
Tudo isto nada valia.
Foi apenas uma conquista amorosa...

Hoje penso o tolo que fui
Em deixar-me enganar tanto
Por alguém que não merecia
E dedicar um amor tão puro e tão sincero...

Continues semeadora de desenganos
A tua trajetória pela vida,
Enganando os outros homens pelo mundo
Até que um dia receberás o que mereces ...

Olympiades G Corrêa

'IRMÃS GÊMEAS'



A solidão é minha companheira.
Um dia bateu a minha porta
E veio morar comigo.
Ela me acompanha,
Embora não seja boa companhia,
Segue os meus passos pela vida,
Vai aonde eu vou
E jamais me abandonou...

Ela é irmã gêmea da saudade,
Andam sempre juntas.
Quando entes queridos
Encontram a separação,
Uma não vive sem a outra,
A primeira castiga
E a segunda causa dor...

Começam com a mesma letra
E o mesmo número possuem.
São sete letras apenas,
Uma nos acompanha
E causa curtição,
A outra busca seu abrigo
No âmago do coração...

Olympiades G. Corrêa

O AMOR TEM VOZES MISTERIOSAS




- O amor tem vozes misteriosas
No coração implume...
- Como são cheirosas as primeiras rosas,
E os primeiros beijos com têm perfumes!

- O amor tem prantos de abandono
No coração que morre...
- As folhas tombam quando vem o outono,
E ninguém as socorre!

- O amor tem noites, noites inteiras,
De agonias e de letargos...
- Que tristeza têm as rosas derradeiras,
E os últimos beijos como são amargos!

Alphonsus de Guimaraens

segunda-feira, 25 de junho de 2007

CAVALEIRO ANDANTE



Se vais em busca da Fortuna, pára:
nem dês um passo de onde estás. . . Mais certo
é que ela venha ter ao teu deserto,
que vás achá-la em sua verde seara.

Se em busca vais do Amor, volta e repara
como é enganoso aquele céu aberto:
mais longe está, quando parece perto,
e faz a noite da manhã mais clara.

Deixa a Fortuna, que te está distante,
e deixa o Amor, que teu olhar persegue
como perdido pássaro sem ninho.

... Porém, ó negro cavaleiro andante,
se vais em busca da Tristeza, segue,
que hás de encontrá-la pelo teu caminho!

Onestaldo de Pennafort Caldas

OUTRA CANÇÃO


(1919 - Outono)

DESFEZ-SE o sonho para todo o sempre!
Nesta tarde chuvosa
meu coração aprende
a tragédia outonal
que as árvores suportam.

E na doce tristeza
da paisagem que morre
minhas vozes partiram-se.

Desfez-se o sonho para todo o sempre!
Para sempre! Deus meu!,
A neve vai caindo
na campina deserta
de minha vida,
e teme
a ilusão, se vai longe,
que se gele ou se perca.

Como, me disse a água,
que se desfez o sonho para sempre!
É o sonho infinito?
A neblina o sustenta,
e a neblina é tão só
o cansaço da neve.

Meu ritmo vai contando
que se desfez o sonho para sempre.
E na tarde brumosa
meu coração aprende
a tragédia outonal
que as árvores suportam.

Federico Garcia Lorca

A CANÇÃO DA FELICIDADE




Não foste para mim, Felicidade!
O sorriso que levas a outras bocas
e que as enche das ilusões mais loucas,
vem a mim sob a forma de saudade.

Saudade do que nunca tive, da ventura
que todos conseguiram, menos eu.
Saudade de uma estranha criatura
que devia ser minha e já morreu.

Nunca pensei que a vida fosse assim,
Tão vazia, tão áspera e tão triste!
Será verdade que o prazer existe?
Felicidade, não tens nada para mim?

Será possível que na tua taça
nem ao menos reste um pouco desse vinho
que dás aos outros a beber, pelo caminho
onde minh’alma, quase morta, passa?

Ai, vinho que embriagas mais que tudo!
Ai, lábios de mulher que eu não beije!
Mãos amorosas, mãos macias de veludo
que me espancaram quando desejei!

Felicidade! Sonho azul da mocidade!
Ânfora cheia do perfume de mil bocas,
perfume cheio de carícias loucas,
eu só conheço a tua irmã Saudade.

Não foste feita para mim, Felicidade!


Onestaldo de Pennafort

POEMA I


"Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça,
porque serão saciados!" Luc. 6,20-49


Nos campos arados existem sinais,
Promessas de farta colheita.
Vamos alimentar aqueles que têm fome,
Fome de tudo...
Pobre do que tem fome,
Sente e chora,
Mendiga migalhas para encher o estômago
Necessita do alimento para a vida,
Vida que merece ser vivida
Ou apenas ser levada no dia-a-dia...
Parece que algo rói por dentro,
Sente-se um barulho estranho
Causando-nos as mais variadas sensações,
Apetite, urgência de alimento...
O vento sopra nos trigais,
As nuvens se movem ameaçando chuva
E até mesmo vendavais...
Então a chuva cai,
Molha tudo,
Inunda vales e planícies
E meu rosto apenas umedece,
Misturando-se com as lágrimas dos olhos,
A gente sente chuva até na própria alma...
Depois vem a bonança,
Paz com todos os seus sinônimos,
Tranqüilidade, sossego,serenidade,
Concórdia e harmonia,
Surge o sol espargindo luz e calor,
Os espantalhos caem por terra
E os campos arados produzem sinais
De algo que brota da terra fecunda...
Não existe mais fome
E só sabe o que é fome,
Fome de qualquer coisa,
Quem já a sentiu na própria carne
E até mesmo na própria alma
Fome material e espiritual,
Simplesmente fome...
Vontade imensa de comer para não morrer...

Olympiades Guimarães Corrêa

DE REPENTE



A humanidade perdeu tempo
E, agora, a presa se instalou
No ser humano,
Nos metrôs,
Nos DC mil dos ares,
Na voadora dos mares,
E na verdade
Das ruas da cidade!

O carro corre,
A moto, o lotação,
O homem e o menino!
Parar é desatino,
Na aflição das calçadas!

A rapidez se instalou
Na mesa, na cama,
E a gente se ama
Em pista de corrida,
Ultrapassando a vida,
Enquanto alguém faz cooper
E se transforma em super
Herói suado e falido,
Correndo, disparado,
Atrás do tempo perdido...

Na vida urgente,
O homem faz tudo
De repente.

Mila Ramos

POEMA DA PAZ


( Para Waldemar Lopes)

PAZ
Palavra tão pequena,
Palavra tão amena,
Composta de três letras apenas,
Mas tão grande na significação.
PAZ
Em cada cidade,
Vila, povoado, lugarejo,
Cidade, jardim ou lugar da terra,
Devia existir uma estátua
Ou um grande monumento em tua homenagem
Para justificar a tua presença.
PAZ
Que as guerras terminem,
Cessem as discriminações
De qualquer espécie,
As lutas e preconceitos,
Que não haja mais lugar para a violência,
Para a maldade e o desamor,
Que em cada coração de criança,
De jovem e velho,
Haja sempre o sinal de tua existência.
PAZ
És também harmonia.
PAZ
ÉS concórdia.
PAZ
És serenidade.
PAZ
És tranquilidade.
PAZ
Representas sossego e repouso.
PAZ
Silêncio e quietude
E tudo de belo que o mundo
E a força do vocábulo possui.

Olympiades Guimarães Corrêa

MOMENTOS



Momentos de paz,
Momentos de ternura,
Momentos de amor,
Simples momentos,
Breves momentos...

Momentos de tranqüilidade,
Momentos fugazes,
Porque eles vêm mas não duram,
São apenas momentos...

Paz
Onde tu habitas?
Onde tu te escondes?
Gostaria de sentir sempre a tua presença,
Permanentemente,
Indefinidamente,

Mas quando apareces
Defendendo sublimes ideais,
São apenas momentos...

Paz...
Vem.
Estarei sempre a tua espera,
Vamos andar lado a lado
Como um par de amantes
Ou de namorados...

Momentos de paz,
momentos de ternura,
Momentos de amor,
Eternos momentos...

Olympiades Guimarães Corrêa

COMPROMISSO



Poucas coisas são de valia neste mundo:
a solidão ancestral
alguma delicadíssima tristeza
este gesto contínuo de perder-se
e a tua ausência - esta
- a que me traz uma saudade necessária.

tudo que sou trago comigo
e dou-te.
este poder de consagrar o mundo
torná-lo meu
e pertencê-lo.

esta alegria de saber ser pássaro
um jeito de colorir palavras
e o meu olhar dentro do teu, configurado.

não é muito
mas este é o meu compromisso com a felicidade.

Dione Barreto

CRIATIVIDADE




Criar é um dom divino.
Feliz daquele que pode criar,
Criar alguma coisa pura e bela.
Gerar algo que permaneça,
Algo que fique e cresça.
Originar sem negar as origens,
As origens autênticas do ser.
Produzir das pequenas as grandes coisas,
Num sentido harmônico e perfeito,
Sem que umas prejudiquem as outras.
Inventar coisas cheias de originalidade.
Imaginar com tudo que a inteligência
Possui de real, grande e absoluto.
Inteligência imã onde tudo gira
Como um conjunto de esferas
E funcionam como verdadeira precisão.
Centelha que condensa as forças,
Forças inspiradoras onde as artes
Se irmanam e se igualam,
Reino do fantástico onde vive:
A magia espetacular das cores,
A musicalidade dos sons
E a beleza indiscutível da poesia!...

Olympiades Guimarães Corrêa

domingo, 24 de junho de 2007

ÚLTIMO RAIO DE SOL

Vem baixando o crepúsculo de leve...
Eu bem o sinto na paisagem fria
E sôbre os meus cabelos em que a neve
Envolve a noite que se prenuncia.


A mão já se emociona quando escreve,
Os olhos baixam porque morre o dia.
Todas as vozes se calaram... . Breve
Será mais triste a vida e mais vazia.

E’ a hora em que oscila a chama da esperança.
Adoro-a de mãos-postas, hora mansa,
De calma, de renuncia, de perdão.


Mas na tarde que rola num desmaio,
Hás de ficar comigo, último raio,
Para aquecer-me a sombra pelo chão...

Olegário Mariano

'REGRESSO'



"De repente descobri que precisava dos meus olhos de menino para rever os coisas simples"

Ao retornar a minha querência
Procurei por onde passei,
Aldeias, praças e jardins,
A alma do menino,
Pois precisava dela para viver...

Vaguei em vão,
Embora adulto
E via nos meninos que brincavam
A minha imagem refletida...

Insatisfeito no entanto olhei
E senti-me pequeno
Diante de tudo que vi...

A imagem do menino
Que eu queria encontrar
Era somente a minha
E esta não achei...

Então cerrei os olhos
Passei a mão nos meus cabelos brancos
E chorei...

Desde então a tristeza
Tem sido a minha companheira inseparável...

Olympiades G. Corrêa

VIDA E MORTE



Senhor, eis aqui minha biografia, meu livro de vida...
É documentário,
e confesso que e muito difícil escrever a vida como vos quereis...
E difícil, Senhor, escrevê-la quando não se e escritor,
quando nunca se aprendeu tal oficio.
Mas a vida não se aprende:
Toda vida é um romance novo, único no gênero, sempre obra
de primeira mão.
É difícil Senhor, não poder copiá-lo, pois vós não aceitais plágios
É difícil Senhor, não poder corrigi-la.
Dela não podemos arrancar páginas mal escritas, ou apagar alguma coisa.
O que escrevi ficará sempre escrito.
O que eu posso é manifestar meu arrependimento,
escrevendo páginas melhores.
É difícil, Senhor, seguir este ritmo da vida que me leva inexoravelmente
adiante...
Mas obrigado, Senhor, por retratar-me das páginas passadas
em cada nova página que escrevo.
É difícil, Senhor, ir virando as folhas, dia por dia,
na angústia de não saber o dia da entrega do manuscrito...
Mas não seria, Senhor, mais angustioso ainda saber o dia e a hora?
É difícil Senhor, não sabermos quantas folhas em branco
nos restam,
para desenvolver satisfatoriamente o tema...
Um dia qualquer vós me tomareis a caneta das mãos
e escrevereis debaixo do meu último rabisco:
Fim.
É difícil Senhor, não poder reclamar, então:
Ainda não terminei...
Porque há sinfonias inacabadas que são obras primas
E há existências longevas que nunca acertaram o tema.
Tive pena do tempo perdido...
Mas, Senhor,não tivestes minha vida,a cada instante em vossas mãos?


Rabindranath Tagore

SALMO V



(Salmos são cantos que nos aproximam de Deus)

Andei pelo mundo,
Pelo mundo andei,
Por vários caminhos passei,
Mas de tanto andar cansei.

Parei um pouco para pensar,
Meditei muito,
Procurei refugiar-me nas dobras do tempo
E pelas malhas do tempo fui envolvido.
Cruel foi o tempo com suas artimanhas
Que atingiu as minhas entranhas.

Chorei.
Fiz do meu pranto
A canção do homem prisioneiro,
Mas consegui,
Finalmente,
Libertar-me das minhas algemas.

Hoje, quem sou?
Nada, absolutamente nada.
Apenas um homem, cansado,
Com a alma fragmentada,
Louvando,
A cada instante a liberdade
E esperando resignadamente as bençãos dos céus...

Olympiades Guimarães Corrêa

ETERNO NAMORADO



Sou um eterno deslumbrado
Das coisas impossíveis,
Porque as possíveis
Não têm graça, não,
São fáceis de conseguir...

Sou um eterno amante
De tudo que é disputado
E difícil de conseguir,
E que fica quase sempre
Próximos dos nossos olhos,
Distante, muito distante,
Do alcance das nossas mãos...

Deslumbrado ou amante,
Duas palavras que se completam,
A primeira indica fascinado
E a segunda eterno namorado,
Fascinado, talvez,
De amar algo mais...

Olympiades G. Corrêa

sábado, 23 de junho de 2007

QUEIXAS NOTURNAS



Quem foi que viu a minha Dor chorando?!
Saio. Minh'alma sai agoniada.
Andam monstros sombrios pela estrada
E pela estrada, entre estes monstros, ando!


Não trago sobre a túnica fingida
As insígnias medonhas do infeliz
Como os falsos mendigos de Paris
Na atra rua de Santa Margarida.


O quadro de aflições que me consomem
O próprio Pedro Américo não pinta...
Para pintá-lo, era preciso a tinta
Feita de todos os tormentos do homem!


Como um ladrão sentado numa ponte
Espera alguém, armado de arcabuz.
Na ânsia incoercível de roubar a luz.
Estou à espera de que o Sol desponte!


Bati nas pedras dum tormento rude
E a minha mágoa de hoje é tão intensa
Que eu penso que a Alegria é uma doença
E a Tristeza é minha única saúde.


As minhas roupas, quero até rompê-las!
Quero, arrancado das prisões carnais.
Viver na luz dos astros imortais,
Abraçado com todas as estrelas!


A Noite vai crescendo apavorante
E dentro do meu peito, no combate.
A Eternidade esmagadora bate
Numa dilatação exorbitante!


E eu luto contra a universal grandeza
Na mais terrível desesperação...
É a luta, é o prédio enorme, é a rebelião
Da criatura contra a natureza!


Parai essas lutas, uma vida é pouca
Inda mesmo que os músculos se esforcem,
Os pobres braços do imortal se torcem
E o sangue jorra, em coalhos, pela boca.


E muitas vezes a agonia é tanta
Que, rolando dos últimos degraus,
O Hércules treme e vai tombar no caos
De onde seu corpo nunca mais levanta!


E natural que esse Hércules se estorça,
E tombe para sempre nessas lutas,
Estrangulado pelas rodas brutas
Do mecanismo que tiver mais força.


Ah! Por todos os séculos vindouros
Há de travar-se essa batalha vã
Do dia de hoje contra o de amanhã,
Igual à luta dos cristãos e mouros!


Sobre histórias de amor o interrogar-me
E vão, é inútil, é improfícuo, em suma;
Não sou capaz de amar mulher alguma
Nem há mulher talvez capaz de amar-me.


O amor tem favos e tem caldos quentes
E ao mesmo tempo que faz bem, faz mal;
O coração do Poeta é um hospital
Onde morreram todos os doentes.


Hoje é amargo tudo quanto eu gosto;
A bênção matutina que recebo...
E é tudo: o pão que como, a água que bebo,
O velho tamarindo a que me encosto!


Vou enterrar agora a harpa boêmia
Na atra e assombrosa solidão feroz
Onde não cheguem o eco duma voz
E o grito desvairado da blasfêmia!


Que dentro de minh'alma americana
Não mais palpite o coração — esta arca,
Este relógio trágico que marca
Todos os atos da tragédia humana!


Seja esta minha queixa derradeira
Cantada sobre o túmulo de Orfeu;
Seja este, enfim, o último canto meu
Por esta grande noite brasileira!


Melancolia! Estende-me a tua asa!
És a árvore em que devo reclinar-me...
Se algum dia o Prazer vier procurar-me
Diz a este monstro que eu fugi de casa!

Augusto dos Anjos

MÁGOAS



Quando nasci, num mês de tantas flores,
Todas murcharam, tristes, langorosas,
Tristes fanaram redolentes rosas,
Morreram todas, todas sem olores.


Mais tarde da existência nos verdores
Da infância nunca tive as venturosas
Alegrias que passam bonançosas,
Oh! Minha infância nunca teve flores!


Volvendo à quadra azul da mocidade,
Minh’alma levo aflita à Eternidade,
Quando a morte matar meus dissabores.


Cansado de chorar pelas estradas,
Exausto de pisar mágoas pisadas,
Hoje eu carrego a cruz das minhas dores!

Augusto dos Anjos

RENÚNCIA



Chora de manso e no íntimo... Procura
Curtir sem queixa o mal que te crucia:
O mundo é sem piedade e até riria
Da tua inconsolável amargura.

Só a dor enobrece e é grande e é pura.
Aprende a amá-la que a amarás um dia.
Então ela será tua alegria,
E será, ela só, tua ventura...

A vida é vã como a sombra que passa...
Sofre sereno e de alma sobranceira,
Sem um grito sequer, tua desgraça.

Encerra em ti tua tristeza inteira.
E pede humildemente a Deus que a faça
Tua doce e constante companheira...

(Manuel Bandeira)

O SONHO DOS SONHOS



Quanto mais lanço as vistas ao passado,
mais sinto ter passado distraído,
por tanto bem - tão mal compreendido,
por tanto mal - tão bem recompensado!...

Em vão relanço o meu olhar cansado
pelo sombrio espaço percorrido:
andei tanto - em tão pouco... e já perdido
vejo tudo o que vi, sem ter olhado.

E assim prossigo, sempre audaz e errante,
vendo o que mais procuro mais distante,
sem ter nada - de tudo que já tive...

Quanto mais lanço as vistas ao passado,
mais julgo a vida - o sonho mal sonhado
de quem nem sonha que a sonhar se vive!...


MÚCIO TEIXEIRA -
R. G. do Sul (1858-1926)

CÃNTICO DO CALVÁRIO (excerto)



[...]
Não mais! A areia tem corrido, e o livro
De minha infanda história está completo!
Pouco tenho de ansiar! Um passo ainda
E o fruto de meus dias, negro, podre,
Do galho eivado rolará por terra!
Ainda um treno, e o vendaval sem freio
Ao soprar quebrará a última fibra
Da lira infausta que nas mãos sustento!
Tornei-me o eco das tristezas todas
Que entre os homens achei! O lago escuro
Onde ao clarão dos fogos da tormenta
Miram-se as larvas fúnebres do estrago!
Por toda a parte em que arrastei meu manto
Deixei um traço fundo de agonias! ...

Fagundes Varela

O VALE



Sou como um vale, numa tarde fria,
Quando as almas dos sinos, de uma em uma,
No soluçoso adeus da ave-maria
Expiram longamente pela bruma.

É pobre a minha messe. É névoa e espuma
Toda a glória e o trabalho em que eu ardia...
Mas a resignação doura e perfuma
A tristeza do termo do meu dia.

Adormecendo, no meu sonho incerto
Tenho a ilusão do prêmio que ambiciono:
Cai o céu sobre mim em pirilampos...

E num recolhimento a Deus oferto
O cansado labor e o inquieto sono
Das minhas povoações e dos meus campos.

Olavo Bilac

"Schopenhauer"




Para cada sonho uma lápide
sóbria como o próprio cortejo,
depois disso, treinar seu cão
para morder qualquer desejo;
rasgada a farda da alegria
que, na batalha, o distraía,
agora a dor, em tempo célere,
pode estender, com dignidade,
sua cólera à flor da pele,
para sarjar com sua lança
tantos tumores da esperança.


Alberto da Cunha Melo
in "Meditação sob os Lajedos."

'TRISTEZA'



Eu perdi minha vida, e o alento,
e os amigos, e a intrepidez,
e até mesmo aquela altivez
que me fez crer no meu talento.

Vi na Verdade, certa vez,
a amiga do meu pensamento,
mas, ao senti-la, num momento
o seu encanto se desfez.

Entretanto, ela é eterna, e aqueles
que a desprezaram - pobres deles!
Ignoraram tudo talvez.

Por ela Deus se manifesta.
O único bem que ainda me resta
e ter chorado uma ou outra vez.

Alfred de Musset
(Trad. de Guilherme de Almeida)

"Relógio de ponto"



Tudo que levamos a sério
torna-se amargo. Assim os jogos,
a poesia, todos os pássaros,
mais do que tudo: todo o amor.

De quando em quando faltaremos
a algum compromisso na Terra,
e atravessaremos os córregos
cheios de areia, após as chuvas.

Se alguma súbita alegria
retardar o nosso regresso,
um inesperado companheiro
marcará o nosso cartão.

Tudo que levamos a sério
torna-se amargo. Assim as faixas
da vitória, a própria vitória,
mais do que tudo: o próprio Céu.

De quando em quando faltaremos
a algum compromisso na Terra,
e lavaremos as pupilas
cegas com o verniz das estrelas.


Alberto da Cunha Melo
in Publicação do Corpo

CXIV



O mundo não amei, nem ele amou-me
nunca adulei seu hálito corrupto,
nem a seus ídolos ajoelhei submisso
na minha face não cunhei sorrisos,
jamais gritei p'ra prestar culto a um eco;
na turba, ninguém dela julgar-me-ia.
No meio deles, mas sem ser um deles,
as minhas opiniões suas não eram,
e hoje ainda fora assim, se eu não limasse
minha razão havendo-a subjugado.

O mundo não amei, nem ele amou-me;
mas leais inimigos separamo-nos,
creio, bem que o contrário tenha achado,
qu'inda há palavras que denotam coisas,
que há esperanças, qu'enganar não querem,
que há virtudes piedosas, que não armam
laços aos fracos: também creio ainda
que há quem sincero sinta os males de outrem,
que um ou dois quase são quanto parecem,
que a bondade não é somente um nome,
e que não é a felicidade um sonho.


Lord Byron

VIDA



Vida é chuva, é sol
Uma fila, um olá
Um retrato, um farol
Que será, que será?

Vida é o filho que cresce
Uma estrada, um caminho
É um pouco de tempo
É um beijo, um carinho

É um sino tocando
Uma fêmea no cio
É alguém se chegando
É o que ninguém viu
É discurso, é promessa
É um mar, é um rio

Vida é revolução
É deixar como está
É uma velha canção
Deus nos deu, Deus dará

Vida é solidão
É a turma do bar
É partir sem partir
É voltar por voltar

Vida é palco, é platéia
É cadeira vazia
É rotina, odisséia
É sair de uma fria
É o sonho tão bom
É a briga no alta

Vida
É um grito de gol
É um banho de mar
É inverno e verão

Vida
É mentira, é verdade
E quem sabe a vida
É da vida a razão...

Vida!!!


Musica especialmente feita para Rede RBS de TV do RS.
Composição de Ricardo Engels Garay e Carlos Ludwig

O CORAÇÃO




Há cura para a doença,
Há cura para o que quebra
E se rasga e dói,
Mas para a vida não há cura.


Para a semente há a árvore,
Para o ovo, o passarinho,
Para a lagarta, a frágil mariposa,
Mas para a dor não há ressurreição!


Para a alegria existe uma consumação,
Para o amor, doces lábios e uma palavra,
Para a loucura existem sonhos,
Mas para a tristeza, nenhum bálsamo!


Há o fulgor do fósforo,
E a chama cálida da lareira
E a luz radiante à noite,
Mas o calor estelar não se esfria!


Há uma palavra para cada ouvido
Uma mão para cada berço,
Uma carícia para cada rosto,
Mas para o coração quebrantado
> não há esperança!


Então embrulha-o em negro
E em sangue e em lágrimas
E enterra-o fundo na terra
Para que seus lamentos não despertem
Os que dormem na noite!

RÚHIYYIH RABBANI
16 de março de 1958

'The Rose in the Deeps of His Heart'



All things uncomely and broken,
all things worn-out and old,
The cry of a child by the roadway,
the creak of a lumbering cart,

The heavy steps of the ploughman,
splashing the wintry mould,
Are wronging your image that blossoms
a rose in the deeps of my heart.

The wrong of unshapely things
is a wrong too great to be told;
I hunger to build them anew
and sit on a green knoll apart,

With the earth and the sky and the water,
remade, like a casket of gold
For my dreams of your image that blossoms
a rose in the deeps of my heart.

William Butler Yeats

quinta-feira, 21 de junho de 2007

A TARDE



A tarde dá a largada.
No vai, não vai me convida
com uma carona certa
a fazer parte da sala,
abastecer a coragem
para aceitar de bom grado
a companhia das sombras.

A mesma tarde registra
as vibrações do silêncio
com um tom de telefone,
de vozes de vendedores,
e de grunhidos dos cães,
unidos numa canção.

Já no fim a tarde leva
a sua melancolia
e a palmeira que balança
com jeito de bandeirada
avisa tão sutilmente
que a noite já chegou.

Rosa Clement

AMANHÃ




Amanhã fico triste,
Amanhã.
Hoje não.
Hoje fico alegre.
E todos os dias,
por mais amargos que sejam,
Eu digo:
Amanhã fico triste,
Hoje não.

Encontrado na parede de um dos dormitórios de crianças,
do campo de extermínio nazista de Auschwitz.
em 'Histórias da 2ªGuerra Mundial'

'VIAGEM'



Fez tanto luar que eu pensei em teus olhos antigos
e nas tuas antigas palavras.
O vento trouxe de longe tantos lugares em que estivemos
que tornei a viver contigo enquanto o vento passava.

Houve uma noite que cintilou sobre o teu rosto
e modelou tua voz entre as algas.

Eu moro, desde então, nas pedras frias que o céu protege
e estudo apenas o ar e as águas.

Coitado de quem pôs sua esperança
nas praias fora do mundo...

- Os ares fogem, viram-se as água,
mesmo as pedras, com o tempo, mudam.

Cecília Meireles
em 'Viagem'

‘Cerca de grandes muros quem te sonhas’



Cerca de grandes muros quem te sonhas.
Depois, onde é visível o jardim
Através do portão de grade dada,
Põe quantas flores são as mais risonhas,
Para que te conheçam só assim.
Onde ninguém o vir não ponhas nada.
Faze canteiros como os que outros têm,
Onde os olhares possam entrever
O teu jardim com lho vais mostrar.
Mas onde és teu, e nunca o vê ninguém,
Deixa as flores que vêm do chão crescer
E deixa as ervas naturais medrar.
Faze de ti um duplo ser guardado;
E que ninguém, que veja e fite, possa
Saber mais que um jardim de quem tu és -
Um jardim ostensivo e reservado,
Por trás do qual a flor nativa roça
A erva tão pobre que nem tu a vês...

Fernando Pessoa
In: ‘Cancioneiro’

'ACONTECIMENTO'



Aqui estou, junto à tempestade,
chorando como uma criança
que viu que não eram verdade
o seu sonho e a sua esperança.

A chuva bate-me no rosto
e em meus cabelos sopra o vento.
Vão-se desfazendo em desgosto
as formas do meu pensamento.

Chorarei toda a noite, enquanto
perpassa o tumulto nos ares,
para não me veres em pranto,
nem saberes, nem perguntares:

"Que foi feito do teu sorriso,
que era tão claro e tão perfeito?"
E o meu pobre olhar indeciso
não te repetir: "Que foi feito...?"


Cecilia Meireles
em 'Viagem'
Photo art-digital.

'Chove ? Nenhuma chuva cai...'




Chove ? Nenhuma chuva cai...
Então onde é que eu sinto um dia
Em que ruído da chuva atrai
A minha inútil agonia ?

Onde é que chove, que eu o ouço ?
Onde é que é triste, ó claro céu ?
Eu quero sorrir-te, e não posso,
Ó céu azul, chamar-te meu...

E o escuro ruído da chuva
É constante em meu pensamento.
Meu ser é a invisível curva
Traçada pelo som do vento...

E eis que ante o sol e o azul do dia,
Como se a hora me estorvasse,
Eu sofro... E a luz e a sua alegria
Cai aos meus pés como um disfarce.

Ah, na minha alma sempre chove.
Há sempre escuro dentro de mim.
Se escuro, alguém dentro de mim ouve
A chuva, como a voz de um fim...

Os céus da tua face, e os derradeiros
Tons do poente segredam nas arcadas...

No claustro seqüestrando a lucidez
Um espasmo apagado em ódio à ânsia
Põe dias de ilhas vistas do convés

No meu cansaço perdido entre os gelos,
E a cor do outono é um funeral de apelos
Pela estrada da minha dissonância...

Fernando Pessoa
In: 'Cancioneiro'