segunda-feira, 18 de junho de 2007
[...]Ela própria escreveu alguns poemas sobre a noite, dois dos quais até com o mesmo título: Noite. Porém, o meu preferido é um poema chamado Luar, onde está explicado e resumido, se assim posso dizer, todo este familiar fascínio pela noite. É assim:
«Toma-me ó noite em teus jardins suspensos
Em teus pátios de luar e de silêncio
Em teus adros de vento e de vazio
Noite
Bagdad debruçada no teu rio
País dos brilhos e do esquecimento
Com o teu rumor de de cedros e o teu lento
Círculo azul do tempo»
Com uma infância assim, não admira que eu me tenha tornado também um ser nocturno incorrigível. Há pelo menos vinte anos que não me deito antes das três da manhã e que não adormeço sem ler um livro. Viver comigo não é fácil, até porque eu jamais fui capaz de responder à má lógica das pergntas: «Mas o que é que tu ficas a fazer de noite?».
Realmente, não sei ao certo. Suponho que o facto de ter aprendido a distinguir todos os ruídos da noite, de conhecer os sons dos animais nocturnos, de me ter tornado viciado no silêncio da noite, de saber localizar as estrelas do céu, não será resposta suficiente. Há qualquer coisa mais para além disso, qualquer coisa de indefinível e única. Há um mundo diurno e um mundo nocturno. Este é o reino da luz e das sombras, um mundo de silêncio onde cada som tem um sentido, uma utilidade e por onde se sente deslizar esse «lento círculo azul do tempo».
De noite morre-se mais devagar."
Excerto de 'De noite'
- Miguel Sousa Tavares
em “Não te deixarei morrer David Crockett"
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário