A alma é um cenário.
Por vezes, ela é como uma manhã brilhante e fresca,
inundada de alegria.
Por vezes ela é como um pôr do sol...
triste e nostálgico.

-Rubem Alves-

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segunda-feira, 14 de julho de 2008

"Sol da meia-noite"


(A Desertificação ao Sol da Meia-Noite)
Tela by Gilberto Russa.



Era um sonho, uma atmosfera de véspera , talvez de algum advento, algum natal, mas não havia pressa nas ruas, a volúpia de embrulhos, cartões, preparativos de cerimoniais. Eu deslisava por diferentes cenários: uma floresta mas havia junto um mar , uma montanha , um deserto, e geleiras também, tudo envolto por uma atmosfera já prenunciando vespertinos tons. Ainda não haviam aparecido estrelas, só o sol se despedindo e uma lua antecipada, inteira. no céu. As árvores pulsavam em um nível mais intenso de vida, tinham faces, embebiam-se de lua e vento, como em rituais de remoto encanto.
E , então, vi os animais : um caracol espanando a concha, abelhas, ansiosas, lustrando a colméia, e os pássaros ajeitando os ninhos para mais ovos nas sombras dos quintais. E cantavam, fora de hora, os galos. Golfinhos fechavam grandes círculos, peixes multicores concentravam-se acima dos corais. Festejavam de galho em galho os macacos e no azul espelho do gelo um alvoroçado coro de pingüins ensaiava seus cantos e passos. No deserto , camelos em grupos, coesos, iam em busca de algum oásis no tempo... eram assim as imagens do sonho, todos em clima de véspera de um descomunal evento . Então apareceram os antigos pastores tocando ovelhas em calmas paisagens. Tudo parecia obedecer a um toque de preparar, limpar... uma alegre espera rondava o ar.
Por fim vieram os cometas, alongando seus feixes dourados , meteoros espocavam no ar cintilando em fagulhas que saudavam os vagalumes . E despontaram os planetas, e se desdobraram as galáxias, nunca tamanha profusão de celestes personagens reunidos eu vi .
Estranho sonho... como poderia o universo conspirar assim, tudo tão perto, tão junto dentro de mim?
E me vieram sons, de longe, como de antigas vozes , há tempos não ouvidas. Era clara a instrução que me transmitiam : eu desenharia longas linhas no ar, muitas, como em varias pautas musicais sobrepostas. Linhas que pareceriam , de início, traçadas a lápis. E foram me incentivando as vozes, e eu dedilhava, alongava as linhas, considerando tudo aquilo inútil, sem propósito. Tolo engano, depois de um certo tempo os traços foram se iluminando , um, depois outro, e assim todos reluzindo em raios de mais límpido ouro, chegando , como a um primeiro encanto, ao bojo de um alquímico sol, explosão inteira de uma luz primordial. E as antigas vozes versando em língua, que por arte dos sonhos eu entendia, em grave encantamento algo assim diziam:

“ Eis o teu sol da meia-noite,
Eis a luz transfigurada.
Benditos os que vivem
em bons termos
Com o hóspede imaginário,
Com a ‘ louca da casa’.”


( F. Campanella, 08 de Dezembro de 2006)

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