A alma é um cenário.
Por vezes, ela é como uma manhã brilhante e fresca,
inundada de alegria.
Por vezes ela é como um pôr do sol...
triste e nostálgico.

-Rubem Alves-

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domingo, 10 de junho de 2007

"CHUVA"




A chuva tem um vago segredo de ternura,
algo duma resignada e amável sonolência,
uma música humilde com ela se desperta
que faz vibrar da paisagem a alma adormecida.

É beijo azul que recebe em sua face a Terra,
o mito primitivo que volta a se cumprir.
O cantacto já frio de céu e terra velhos
com uma mansidade de entardecer constante.

É alvorada do fruto. A que nos traz as flores
e nos unge do sagrado espírito dos mares.
A que vida derrama por cima das searas
e na alma tristeza daquilo que não se sabe.

A nostalgia terrível duma vida perdida,
o fatal sentimento de haver nascido tarde,
ou a agitada ilusão duma impossível manhã
com a inquietação quase da cor da carne.

No ritmo de seu cinzento o amor se desperta,
nosso céu íntimo tem um triunfo de sangue,
mas o nosso otimismo converte-se em tristeza
quando contempla sobre os cristais as gotas mortas.

E são as gotas: olhos de infinito que miram
o infinito branco que lhes serviu de madre.

Cada gota de chuva treme no cristal turvo
e nele adamantinas chagas divinas deixam.
São poetas da água que viram e que meditam
aquilo que dos rios a multidão não sabe.

Oh! chuva silenciosa, sem ventos nem tormentas,
mansa e calma chuva de sineta e luz suave,
pacífica e boa chuva que és a verdadeira,
a que amorosa e triste por sobre as coisas cais!

Oh! chuva franciscana que a tuas gotas levas
almas de fontes claras e humildes mananciais!
Quando por sobre os campos desces vagarosamente
as rosas de meu peito com teus sonidos abres.

O canto primitivo que dizes ao silêncio
e a estória sonora que contas à ramagem
comenta-os a chorar meu coração deserto
em um negro e profundo pentagrama sem clave.

Minha alma tem tristeza dessa chuva serena,
tristeza resignada de coisa irrealizável,
tenho no horizonte uma luzerna esplendente
e o coração me impede que corra a contemplá-la.

Oh! chuva silenciosa que as árvores amam
e és sobre a planície doçura emocionante:
à alma dás as mesmas névoas e ressonâncias
que na alma adormecida colocas da paisagem!


Frederico Garcia Lorca

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