sábado, 22 de agosto de 2009
M.B.
Querida, hoje saí de casa já muito ao fim da tarde
para respirar o ar fresco que vinha do oceano.
O sol fundia-se como um leque vermelho no teatro
e uma nuvem erguia a cauda enorme como um piano.
Há um quarto de século adoravas tâmaras e carne no braseiro,
tentavas o canto, fazias desenhos num bloco-notas,
divertias-te comigo, mas depois encontraste um engenheiro
e, a julgar pelas cartas, tomaste-te aflitivamente idiota.
Ultimamente têm-te visto em igrejas da capital e da província,
em missas de defuntos pelos nossos comuns amigos; agora
não param (as missas). E alegra-me que no mundo existam ainda
distâncias mais inconcebíveis que a que nos separa.
Não me interpretes mal: a tua voz, o teu corpo, o teu nome
já não mexem com nada cá dentro. Não que alguém os destruisse,
só que um homem, para esquecer uma vida, precisa pelo menos
de viver outra ainda. E eu há muito que gastei tudo isso.
Tu tiveste sorte: onde estarias para sempre – salvo talvez
numa fotografia - de sorriso trocista, sem uma ruga, jovem, alegre?
Pois o tempo, ao dar de caras com a memória, reconhece a invalidez
dos seus direitos. Fumo no escuro e respiro as algas podres.
Joseph Brodsky
in “Paisagem Com Inundação”,
traduzido por Carlos Leite (Portugal) - Edições Cotovia, em 2001
(Iosif Aleksandrovich Brodsky- Leningrado, Russia 24 de maio de 1940 — Nova Iorque, 28 de janeiro de 1996 -Nobel de Literatura, em 1987)
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2 comentários:
Ah, Mada, você encontrou o Brodsky, sabe , eu uma vez li um livro de crítica literária dele absolutamente fantástico. Qualquer dia vou enviar-te um poema dele que acho maravilhoso. Teu blogger é um templo da poesia, minha amiga. Bjos.
Que bom que gostaste querido amigo Fernando! Já o encontrei nos idos anos 70, o problema reside no encontrarmos literatura dele no nosso Brasil...Mas encontramos agora com nossos irmãos portugueses, ou estadunidenses.
Muito grata pelos elogios ao nosso blog, um grande e fraterno abraço.
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