A alma é um cenário.
Por vezes, ela é como uma manhã brilhante e fresca,
inundada de alegria.
Por vezes ela é como um pôr do sol...
triste e nostálgico.

-Rubem Alves-

Seja bem-vindo. Hoje é
Deixe seu comentário, será muito bem-vindo, os poetas agradecem.

domingo, 30 de agosto de 2009

AQUARELA POÉTICA


(Paint by Joaão Barcelos)


no criar
artífice do verso sem dor ou não
declina-se num gesto materno demais.


círculos de brisa outonal
descrevem seus deuses em canto
em oração vigília
em abandono de paz.


no criar
alarga-se todos os azuis
e as estrelas custam a acordar
as pedras começam a falar
e o homem adquire alma.


arco-iris de todos os verbos
na beleza da fragilidade flor
a aquarela poética, geração-fruto
veste regatos sem a angustia dos tristes.


não há secos lagos
nem mortes desejando perfumes
nem manhãs sem ausência de estórias
nem fealdade na vida
porque o artista criou sem sombras.


Ele desenhou seus painéis sem falsidade
na crença de suas aquarelas fieis
na concordância de seus mares
sem mascara de mistérios libertos
na intenção das brisas sem disfarces.



Alvina Nunes Tzovenos
In: Palavras ao Tempo
(Porto Alegre- RS- 1929)

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

DESTINAÇÃO EM DÓ MAIS OU MENOS




E assim morre, um dia, outro dia, a face da lembrança.
Fantasia, desliza o presente para o limbo, jamais.
Estreita recordação sepulta o paraíso.
Herói, santo, feto, fato.
Flamboyant, vinil e couro, um murro no além.
Com os pedaços dos sonhos se criam sonos, sombras
e pérfidas interrogações


Jacob Pinheiro Goldberg
Do livro: "Ritual de Clivagem", Massao Ohno Editora, 1989, SP


E agora
já é ontem,
o ainda agora
cinza rapsódia
fundo soturno das
imagens encantadas.

Roubar do infinito
as palavras ditas
pretensão do sim.

Meus desejos,
ilusões deste mundo
que reza a solidão.

As letras das canções
que se separam e se
juntam,
numa insuportável,
interminável serenata
em despedida

Pode você enxergar
tudo que se foi
e ouvir?

Lembre-se daquele telhado
no subúrbio, atravessado
pelo trem da memória.


Jacob Pinheiro Goldberg
Minas Gerais -1.933-

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

RECOMEÇAR



Prontos para fazer novo começo
assim como o bom dia novamente
sai do sol sem a névoa, seu avesso,
busquemos claridades displicentes.

O teu mundo não é maior que o meu
nem o meu choro é pouco do teu muito;
a pedra que me cabe nesse intuito
também te servirá no apogeu.

Todas as paixões passam num circuito
do Malecón de Cuba ao coliseu
no bem viver da vida e o seu minuto

O recomeço pousa nas pegadas
no desafio de verbo fortuito
de ressaltar as sombras salteadas.


Aníbal Beça
(13/09/46 - 25/08/2009)

CONTEMPLAÇÃO


(Photo by Wojtek Kwiatkowski)

Nas crinas de cavalos reclinados
penteia o vento nuvens retorcidas
enquanto a sombra cai do céu calado
na relva da campina amanhecida.

Passeia o sol as hastes sublevadas
dos girassóis lambidos no rocio
que vaidosos se alçam na mirada
narcisos desse espelho em seu feitio.

A calma da manhã veste amarelo
e despe toda angústia na brandura
das cores desse dia sem duelo.

Sendo o perdido me acho sem procura
sofrendo tenho sido meu flagelo
mas esse olhar agora me inaugura.

Anibal Beça

ESPELHO




O que sobrou de mim são essas sombras
Sobrada sobra, cinza dos minutos,
Que me alimenta os ossos da memória.

Nessa voragem vaga, um mar de calma
Lambendo vem a pressa em que me aposto
Na duração que escorre nessa arena.

Do fim regresso fera não domada
Ao mesmo pouso de ave renascida
Para o sol da surpresa nas janelas
Escancarando um solo transmutado.

De baixo para cima é que renovo
As vestes da sintaxe que componho
Clara inversão da jaula das palavras
Para fechar sem chave a minha sina.

Para fechar sem chave a minha sina
Clara inversão da jaula das palavras
As vestes da sintaxe que componho
De baixo para cima é que renovo.

Escancarando um solo transmutado
Para o sol da surpresa nas janelas
Ao mesmo pouso de ave renascida
Do fim regresso fera não domada.

Na duração que escorre nessa arena
Lambendo vem a pressa em que me aposto.
Nessa voragem, vaga um mar de calma

Que me alimenta os ossos da memória.
Sobrada sobra, cinza dos minutos,
O que sobrou de mim são essas sombras.


Aníbal Beça
( 13de setembro de1946 - 25de agosto de 2.009)
Deixamos aqui nossa homenagem ao poeta amazonense ontem falecido.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Os Jacintos



Os jacintos se entreolham
calados. Só o perfume
os une, alheados.
Sem dar nem receber
a mão vazia à outra se uniria.
Por que são os jacintos
o que seríamos?
Prediletos do ser.
Nem mesmo cuidaríamos
do passo que nos leva
sob a Ursa Maior
sob a Ursa Menor.
De olhos fechados despertaríamos
da confusa tristeza de
sermos dois e isolados
flutuando na alma do mundo
como peixes assustados.
Complexa é a vida
ao descer cada vez mais
até à charogne desintegrada
de uma superpopulação
de miasmas.
Quero uma só alma
é o bastante
para quem vive um breve instante.
Quando a plenitude do
UNO?
Simples inefável resumo.


Dora Ferreira da Silva
(Brasil)

Rumor



Como é forte o rumor da madrugada!
Feito de coisas mais que de pessoas.
Precede-o às vezes um sibilo breve,
alegre voz que ao dia desafia.
Depois, tudo é submerso na cidade.
E a minha estrela é aquela estrela pálida
da morte devagar, sem desespero.


Sandro Penna,
in poesia do século XX
trad. de Jorge de Sena (Portugal)
(Itália -1906-1977)

domingo, 23 de agosto de 2009

NO METRO, DEPOIS DA ESTAÇÃO DO OESTE



Próximo já do subúrbio os passageiros envelhecem,
sua face reflecte-se nas janelas sem paisagens.
São estranhos, ainda que de alguma maneira se conheçam,
como essa mulher que subiu na praça do mercado,
com os sacos de compras transbordantes de salsa
por pouco se escapa do abrigo o seu corpo magro,
é como se vestisse roupas alheias,
quiçá não me tenha visto, quiçá eu tampouco quisesse
que me cumprimentasse; assim nos recolhemos numa imaginária
indiferença, como um casal desavindo.

Estrangeiros, ainda que de alguma maneira conhecidos
são aqueles também; como se nada tivesse acontecido,
entraram desde cima — atravessando a terra —
no comboio em marcha, com calças
de linho branco e blusa estampada.
E nós, nessa meia-luz subterrânea
não compreendemos o seu resplandecente ser,
preferiríamos recolhermo-nos, se houvesse para onde,
apertando-nos, negro contra negro, esperando
o fulgor da chegada, enquanto
olhamos o nosso tempo em relógios de pulso alheios.

Já faz tempo que ultrapassaram os sessenta.
Então, esse túnel ainda não se tinha construído;
mas estes dois não se incomodam com tais bagatelas,
é como se ainda fossem a uma borga,
bebem, despem-se antecipando-se, abraçam-se
atravessando as capas das roupas e dos corpos,
e nós, que para sobreviver renunciamos
à nossa juventude, buscamos temerosos
nossa face de antigamente em seu rosto;
essa ligeira liberdade, que desperdiçamos
juntamente com o nosso charme.


István Ágh
Tradução de Juan Carlos Mellidez
(Hungria- 1938)

sábado, 22 de agosto de 2009

M.B.



Querida, hoje saí de casa já muito ao fim da tarde
para respirar o ar fresco que vinha do oceano.
O sol fundia-se como um leque vermelho no teatro
e uma nuvem erguia a cauda enorme como um piano.

Há um quarto de século adoravas tâmaras e carne no braseiro,
tentavas o canto, fazias desenhos num bloco-notas,
divertias-te comigo, mas depois encontraste um engenheiro
e, a julgar pelas cartas, tomaste-te aflitivamente idiota.

Ultimamente têm-te visto em igrejas da capital e da província,
em missas de defuntos pelos nossos comuns amigos; agora
não param (as missas). E alegra-me que no mundo existam ainda
distâncias mais inconcebíveis que a que nos separa.

Não me interpretes mal: a tua voz, o teu corpo, o teu nome
já não mexem com nada cá dentro. Não que alguém os destruisse,
só que um homem, para esquecer uma vida, precisa pelo menos
de viver outra ainda. E eu há muito que gastei tudo isso.

Tu tiveste sorte: onde estarias para sempre – salvo talvez
numa fotografia - de sorriso trocista, sem uma ruga, jovem, alegre?
Pois o tempo, ao dar de caras com a memória, reconhece a invalidez
dos seus direitos. Fumo no escuro e respiro as algas podres.

Joseph Brodsky
in “Paisagem Com Inundação”,
traduzido por Carlos Leite (Portugal) - Edições Cotovia, em 2001

(Iosif Aleksandrovich Brodsky- Leningrado, Russia 24 de maio de 1940 — Nova Iorque, 28 de janeiro de 1996 -Nobel de Literatura, em 1987)

Sometimes with one I love



Sometimes with one I love I fill myself with rage for fear I effuse unreturned love.
But now I think there is no such thing as unreturned love; the pay is certain
one way or another.
(I loved a certain person ardently and my love was unreturned,
Yet out of my love have I written these songs.)


Walt Whitman
By "Leaves of Grass."
Rees Welsh & Co., Philadelphia.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

MOVIMENTOS




Desdobrar-se,
descobrir-se.
Levantar o tapete do Tempo:
espiar e expiar-se!

Jairo de Britto

terça-feira, 18 de agosto de 2009

'LIII'



PINK, small, and punctual.
Aromatic, low,
Covert in April,
Candid in May,

Dear to the moss,
Known by the knoll,
Next to the robin
In every human soul.

Bold little beauty,
Bedecked with thee,
Nature forswears
Antiquity.


Emily Dickinson
Complete Poems. 1924.
Part Two: Nature


A UMA SEMPRE-VIVA

Rósea, minima, e pontual,
rasteira e aromática,
secreta em abril,
em maio desperta

querida aos musgos
conhecida dos montes
próxima dos tordos
presente nas almas dos homens...

Enfeitada de tua majestade,
oh, delicada beleza,
a natureza renega
a antiguidade.

Tradução de Fernando Campanella
(18/08/2009)

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

E N F A D O



Há dias em que o corpo se dilui
na multidão amorfa de suas células
e os filetes da sensibilidade amortecida
perdem contato com outras vidas outros corpos
outros seres,
o cogumelo do enfado emergindo
do fundo das estranhas
como parasita das sombras.


Ser só na dispersão de si,
mancha de óleo se alongando
lentamente lentamente
sobre águas mortas de uma lagoa,
arvore reduzida a filigranas tênues de raízes
esparramadas pelos estratos superficiais
da terra gorda.


Ser só eu-espaço deliqüescente,
no tédio morno do tempo
plúmbeo
parado.



Miguel Reale
In: Poemas do Amor e do Tempo

sábado, 15 de agosto de 2009

4. existencialismo


(Edvard Munch -1863-1944- Norway-)


No fim das contas, que me resta? O sono,
o despejar meus restos na privada,
o querer tudo, não poder mais nada,
não responderem mais se eu telefono.


Ir à cozinha, no meu abandono,
comer um pote dessa marmelada,
voltar ao quarto, pôr o meu quimono,
deitar na minha África sonhada.


Ler um pouco de Sartre, abrir a boca.
Riscar num bloco uma bacante feia.
Ligar o radio: uma cantora rouca.


Sentir meus olhos grávidos de areia.
Sentir no fundo uma saudade (pouca).
Ir olhar que horas são. Duas e meia.



Rubens Rodrigues Torres Filho
In: O Vôo Circunflexo

*Rubens Rodrigues Torres Filho, professor de Filosofia Clássica Alemã da USP, publicou os seguintes livros de poesia: Investigação do olhar, 1963; O vôo circunflexo, 1981; A letra descalça, 1985 e Figura, 1987.

The cricket sang




The cricket sang,
And set the sun,
And workmen finished, one by one,
Their seam the day upon.

The low grass loaded with the dew,
The twilight stood as strangers do
With hat in hand, polite and new,
To stay as if, or go.

A vastness, as a neighbor, came,--
A wisdom without face or name,
A peace, as hemispheres at home,--
And so the night became.


Emily Dickinson
(1830-1886-Amherst,Massachusetts-USA)

Insomnia



The moon in the bureau mirror
looks out a million miles
(and perhaps with pride, at herself,
but she never, never smiles)
far and away beyond sleep, or
perhaps she's a daytime sleeper.

By the Universe deserted,
she'd tell it to go to hell,
and she'd find a body of water,
or a mirror, on which to dwell.
So wrap up care in a cobweb
and drop it down the well

into that world inverted
where left is always right,
where the shadows are really the body,
where we stay awake all night,
where the heavens are shallow as the sea
is now deep, and you love me.


Elizabeth Bishop
(1911-1979-Worcester,Massachusetts-USA)

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

A CONCHA




Escondi-me numa concha, no fundo do mar,
mas esqueci-me em qual.

Cotidianamente desço às profundezas
e côo o mar por entre os dedos
a ver se dou por mim.

Às vezes penso
que fui comido por um peixe gigante
e eu procuro por toda a parte
para o ajudar a engolir-me por completo.

O fundo do mar me atrai e espanta,
com os seus milhões de conchas
semelhantes.

ah, eu estou numa delas
mas não sei em qual.

Quantas vezes fui diretamente a uma conha
dizendo : " Este sou eu".
Quando abria a concha
Estava vazia.


Marin Sorescu
tradução de Luciano Maia
(Romênia 1936-1995)

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

PRINCÍPIO REVERSO


Toda estória tem dois lados,
como a moeda da própria história.
Como o dia e a noite,
como o gelo e o fogo:
verão, inverno, céu e inferno.

Toda memória tem dois fados,
como a beleza e a falácia da glória.
Como o imóvel e o veloz,
como o crédulo e o néscio:
lume, escuro, verão e inverno.

Toda história tem dois fardos,
como a sacola e o silêncio do viajante.
Como a tristeza e a grandeza do nascer,
como a pura luz e o tempo voraz:
espaço, sal, sangue
e o infinito terror do viver.

- Jairo De Britto -

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

A Fé em Deus



Quase ao peso do corpo indiferente,
absorta em Quem, perdoando, a dor acalma,
verga-se sobre os joelhos suavemente,
apoiando-se numa e noutra palma.

Dolorosa exaustão, celeste calma,
vê-se difusa no seu todo... A mente,
porém, volvida para Deus somente,
refulge ao sempiterno raio d'alma.

Como que diz: se todo o bem me engana
e se, ao vislumbre de melhor estado,
sinto fugir-me a vida desumana.

Senhor, confiante, ao seu regaço ameno
recorre o meu espírito, ancorado
num grande afeto que não é terreno.


Giuseppe Giusti
Tradução; C. Tavares Bastos.
(1809 - 1850, Itália)

À Tarde



Talvez por seres, para mim, a imagem
da quietude fatal, vem, sê bem-vinda.
Ó Tarde! E - quando te corteja a aragem
e os cirros estivais e quando, ainda,

trazes do ar nebuloso trevas que agem
sobre o mundo, ao tremor de luz que finda,
e me acolhes, na mais secreta viagem
da alma - eu te sinto, assim tão suave e linda.

Conduzes minha mente, numa prece,
ao eterno vazio; e o tempo ruim
foge e leva consigo e faz que cesse

a ânsia que me envolvia. A paz, enfim!
E, enquanto a paz me deixas, adormece
o espírito feroz que há dentro em mim.


Ugo Foscolo
Tradução de Delson Tarlé.
(1778-1827)

domingo, 9 de agosto de 2009

AUTO-RETRATO



Foi sempre a distância mestra severa;
e o refúgio, nas árvores.
O Amor nas frondes, o abrigo no vento,
lentos remos sulcando espaços:
sua água, seu chão.
A modo de pássaro precário
sobreviveu à noite.
Partindo, completou-se.


Dora Ferreira da Silva
in Poesia Reunida
(São Paulo -1918-2006)

'Outono'


(Photo by Antonio Carlos Januário)


Outono!
Qualquer coisa lilás,
Schumann em violino,
Ângelus tangido em lentidões de sino...
Preguiçoso torpor de um fim de sono.
Espelho de água quieta dos canais!
Cá dentro, a idade,
restos de sonho e de mocidade;
trechos dispersos
de velhas ambições falhas na vida,
parcelas de antigas ilusões
que ainda, a custo, concentro
e invoco até agora!
Lá fora, a descida.
O crepúsculo inócuo destes dias,
a tristeza das folhas amarelas,
e a cantar sobre estas ruínas frias,
a monótona toada de meus versos.
Desce, Poeta!
A descida é suave...
Não te demanda rigidez de músculos
e nem exige que teu passo apresses...
A natureza é quieta,
da ingênua quietação de um sonho de ave,
e há paina nos crepúsculos...
No outono a luz é um eterno poente,
que mais à calma que ao rumor se ajeita;
Brilha, tão de manso e calma,
que até parece unicamente feita
para o estado d'Alma
de um convalescente.


Mário Pederneiras
(Rio de Janeiro 1867-1915)

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

D'OIRO


(Photography by Fernando Campanella)


Antes que o amor entristeça
e a sombra nos recolha em seus laços,
passeemos, as mãos dadas, Lídia,
pelo ouro destes jardins.


Fernando Campanella

ESPELHO


(Paint by Mark Peterson)



Do outro lado do espelho existe tanto
-rosto impassível – quando me imagino,
que o mito da existência desencanto
compondo silencioso o meu destino.


Do outro lado do espelho escuto o canto
que é um eco da cantiga do menino.
E a lâmina entre nós cai como um manto
que isola a sombra de seu figurino.


Mas através do vidro – vã imagem –
percebo a solidez do corpo, a vida,
nos olhos transbordantes de paisagem.


Existimos à parte, independentes,
e a gargalhada que nos intimda
nem sequer utiliza os mesmos dentes.

1951



Lago Burnett
In: Estrela do Céu Perdido
(Maranhão 1929-1995)

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

O Relógio



Ao redor da vida do homem
há certas caixas de vidro,
dentro das quais, como em jaula,
se ouve palpitar um bicho.

Se são jaulas não é certo;
mais perto estão das gaiolas
ao menos, pelo tamanho
e quadradiço de forma.

Uma vezes, tais gaiolas
vão penduradas nos muros;
outras vezes, mais privadas,
vão num bolso, num dos pulsos.

Mas onde esteja: a gaiola
será de pássaro ou pássara:
é alada a palpitação,
a saltação que ela guarda;

e de pássaro cantor,
não pássaro de plumagem:
pois delas se emite um canto
de uma tal continuidade

que continua cantando
se deixa de ouvi-lo a gente:
como a gente às vezes canta
para sentir-se existente.


João Cabral de Melo Neto
(1920-1999)Pernambuco

INTERDICTA


(Syringa vulgaris , White lilacs)

(Anima interdicta
in saecula seculorum)

Eu te senti entrar de olhos vendados
pelos meus noturnos flancos
trazendo –me em mão cheia botões:
rosas, trevos e lírios brancos.

Mas, oh, poesia,
vamos tal segredo selar -
todos meu cativos pássaros voarem
à tua passagem eu vi

porém a homens não serão outorgadas flores,
insiste uma envelhecida lei das pedras
em ditar.


Fernando Campanella


INTERDICTA
(Anima interdicta
in saecula seculorum)

I’ve felt you come blind-folded
into the flanks of my night
bringing me a handful of buds:
roses, clovers and lilacs white.

But, o, poetry,
let’s seal it a secret -
all my captive birds birds fly
by your passing I saw

though men shall not be granted flowers
in our unscripted stone-aging law.


Fernando Campanella

domingo, 2 de agosto de 2009

Sonnet of the Sweet Complaint



Never let me lose the marvel
of your statue-like eyes, or the accent
the solitary rose of your breath
places on my cheek at night.

I am afraid of being, on this shore,
a branchless trunk, and what I most regret
is having no flower, pulp, or clay
for the worm of my despair.

If you are my hidden treasure,
if you are my cross, my dampened pain,
if I am a dog, and you alone my master,

never let me lose what I have gained,
and adorn the branches of your river
with leaves of my estranged Autumn.


Frederico Garcia Lorca
(Spain- 1898-1935)