segunda-feira, 23 de junho de 2008
"Cartas ao EU"
II
Meu caro eu, meu obscuro poeta, se as portas se fecham, acalme o coração que o tudo deseja. (Deixe supurar todo o mar da fúria.) Eu sou esta fúria espalmada , sou aquele caracol, aquela abelha, que de seu limbo escapam . Um certo ângulo da alma, um certo abismo que lhe chama. Mas não se deixe engolir por esta força que lhe toma. Aceite, escreva, e cale. Sossegue o coração, lesmas, abelhas, abismos, não são propriamente aos quinze minutos de fama destinados. Mas e então ?
Se a poesia chama, apesar dos ‘nãos’, empenhe-se em colocá-la para fora com as ferramentas que lhe cabem. E aos ouvidos que lhe pedem, fale. Alguma boa alma haverá que lhe adote. E basta. Entre em bom termos com a mágoa. Que a sua alma acolha mais e mais a dor dos elefantes. E nestes tempos tão ecologicamente alarmantes temos que entender que talvez não reste um futuro leitor para orbitar às nossas vaidades. Então, chegue-se mais a mim, a sua secreta verdade.
Sinta como é bom poder acordar consigo próprio, abrir as janelas, ler seus jornais, carregar seus hábitos. Pernoitar no coração dos amigos que lhe sentem, lhe apalpam. (São eles seus termômetros , suas asas.)
Vá ao seu quintal, ame suas flores, observe aquela luz que as ilumina e se transfigura em sua alma. A beleza são estes achados , uma certo conciliar entre um sentido que enxerga e as inesgotáveis manifestações da alteridade. É este paradoxo encantado, esta ilusão que nos diz que não existimos sem o mundo e o mundo não vive sem nossos olhos. Expresse-a, a beleza que corta a alma, estas fatias da dor que dói calma. E reme o barco.
No mais, os dias passam, o sol diminui no ocaso o seu passo , e tudo volta, com a nova luz ao seu antigo hábito.
Ah, escreva para os elefantes. (Dizem que eles não esquecem.) Assim sua alma inteira irá se aquietando em sua casa. Como as tardes emudecendo os ruídos, após as tempestades.
F.Campanella,
02 de Fevereiro de 2007
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Um comentário:
Querida amiga,
Obrigada pela oportunidade de apreciar tanta coisa linda do Fernando Campanela.
Beijos!
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