segunda-feira, 30 de junho de 2008
"Poética"
Como reter a lava
Das minhas mil e uma noites
Em sombras e estrelas
Confundidas
Amalgamadas?
F.Campanella
"SIC TRANSIT"
Se existe uma metáfora ou mesmo uma técnica
Para a gradual apreensão de Deus
Seja como a de meu lento aproximar de pássaros
Quando para uma manhã de fotografias eu saio.
Bem-te-vi pousado, primeiro disparo, depois três passos,
segunda tomada, mais três, e, em série registrando,
me achego até onde a ave o permita,
demarcado entre nós o sacro, intransponível espaço.
Após o vôo alçado, vou conferir as mais límpidas faces
da maravilha outorgada, em fotos.
Tal meu artifício para explorar esses reinos
De que os humanos foram há ‘eons’ alijados.
Talvez um dia, na inesgotável alquimia dos tempos,
O pássaro, como Deus, de mim não mais escape
e eu revele sua melhor, definitiva face.
Ou, quem sabe, rompa a ave o círculo,
e para os domínios eternos me conduza
no bojo de suas transparecidas asas.
Talvez... mas que não haja pressa. Dêem-me os céus
A infinita paciência daquele eremita dos montes:
em minha caverna mais funda,
no burburinho de minhas fontes,
a incomensurável graça
de captar tais vislumbres alados
por ora então me baste.
F. Campanella
domingo, 29 de junho de 2008
"LA CAMPANELA"
"A Donzelinha voadora"
Uma pétala de jasmin
pela brisa alcançada
ou uma ipomea
entre a amaryllis
e a dama da noite, excitada?
Não, não,absolutamente,
uma flor, mas uma borboleta,
exibindo-se, branca,
contra o verde de uma folha,
de repente.
E aquele azul ali, ora cobalto,
iridescente, então,
frágil como um broche de uma dama,
sobre o nastúrcio pairando?
Ah, dizem-me os antigos poetas,
aquela é uma donzelinha voadora.
E se você se acalmasse
e olhasse, veria
toda sorte de coisas:
manhã em meio curso, em direção
ao término do verão,
a cabeça, após uma rápida chuva-surpresa,
nadando no perfume do jardim.
August Kleinzahler
Translation Fernando Campanella
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"Vias Errantes"
Tarde de maio,
eu sou o que vaga
espírito que viaja
morada de vento,
abrigo de nada.
Eu sou o que noite deserda
e em palhas de sombras
anseia seu ninho.
Trilho o futuro
- meu ser é radiotelescópio-
mas por estas vias errantes
sempre a mim mesmo eu volto.
De luz a sede intransponível,
nada do que toco me veste.
Só meu caminho é arrimo.
O filho do homem
tem a ilusão do destino.
F. Campanella
Photo by Fernando Campanella.
quinta-feira, 26 de junho de 2008
"Le jardin"
"ONDE VIVEM AS CANTIGAS"
Preciso de que me fales
onde guardas o silêncio
o mistério guarda onde
os segredos do relento
e na brisa destes vales
preciso de que me fales
das horas de desalento
e que luz veio do olhar
onde vive o teu silêncio
no segredo da alvorada
da brisa solta no vento
é preciso que me digas
onde vivem as cantigas
já perdidas pelo tempo
será no choro dos rios
nas flautas anoitecidas
nas ameias das garoas
na saudade da partida
é preciso que aconteça
e o amor ainda mereça
retornar à minha vida.
A. Estebanez
"Febre"
Derramarei na taça ardente
Os sonhos, a morte, a vida
Mil pensamentos perdidos
Mil ecos e canções tristes
A juventude esquecida.
Derramarei na taça quente
O veneno mortal das serpentes
Ou o néctar fresco das flores?
Qual poção mágica e fria
Refrescará a dor latente?
Que caminhos entrelaçados
Conduzirão, inexoráveis
A beber do amor fervente?
Talvez o sono seja o meu socorro.
E, então, consiga repousar
O coração que sente
Tanto, tanto
Que , quem sabe arrebente
Ao sorver da taça ardente.
Vera Muniz
"Madrugada na Inglaterra"
Na pedra cinza desenhou-se o vulto
esguio e lúgubre, a cabeça altiva
de quem desvenda o além...
Sabe, porém, que a lua invasiva
Revela os traços, pistas decadentes,
de quem não é ninguém.
Na pedra cinza projetou-se o medo
a desesperança triste do infeliz
que mais amou os corredores frios dos palácios
que o pássaro que cantava em seu jardim,
que mais prezou do cinismo o vil verniz
que a bucólica alegria de amar
e se entregar, enfim...
Na pedra cinza, uma lágrima tardia
amolecendo o irônico sorriso
que não espera mais que a noite
seja dia...
Vera Muniz
segunda-feira, 23 de junho de 2008
"Cartas ao EU"
II
Meu caro eu, meu obscuro poeta, se as portas se fecham, acalme o coração que o tudo deseja. (Deixe supurar todo o mar da fúria.) Eu sou esta fúria espalmada , sou aquele caracol, aquela abelha, que de seu limbo escapam . Um certo ângulo da alma, um certo abismo que lhe chama. Mas não se deixe engolir por esta força que lhe toma. Aceite, escreva, e cale. Sossegue o coração, lesmas, abelhas, abismos, não são propriamente aos quinze minutos de fama destinados. Mas e então ?
Se a poesia chama, apesar dos ‘nãos’, empenhe-se em colocá-la para fora com as ferramentas que lhe cabem. E aos ouvidos que lhe pedem, fale. Alguma boa alma haverá que lhe adote. E basta. Entre em bom termos com a mágoa. Que a sua alma acolha mais e mais a dor dos elefantes. E nestes tempos tão ecologicamente alarmantes temos que entender que talvez não reste um futuro leitor para orbitar às nossas vaidades. Então, chegue-se mais a mim, a sua secreta verdade.
Sinta como é bom poder acordar consigo próprio, abrir as janelas, ler seus jornais, carregar seus hábitos. Pernoitar no coração dos amigos que lhe sentem, lhe apalpam. (São eles seus termômetros , suas asas.)
Vá ao seu quintal, ame suas flores, observe aquela luz que as ilumina e se transfigura em sua alma. A beleza são estes achados , uma certo conciliar entre um sentido que enxerga e as inesgotáveis manifestações da alteridade. É este paradoxo encantado, esta ilusão que nos diz que não existimos sem o mundo e o mundo não vive sem nossos olhos. Expresse-a, a beleza que corta a alma, estas fatias da dor que dói calma. E reme o barco.
No mais, os dias passam, o sol diminui no ocaso o seu passo , e tudo volta, com a nova luz ao seu antigo hábito.
Ah, escreva para os elefantes. (Dizem que eles não esquecem.) Assim sua alma inteira irá se aquietando em sua casa. Como as tardes emudecendo os ruídos, após as tempestades.
F.Campanella,
02 de Fevereiro de 2007
"Lótus"
sexta-feira, 20 de junho de 2008
"SPLEEN"
I was not sorrowful, I could not weep,
And all my memories were put to sleep.
I watched the river grow more white and strange,
All day till evening I watched it change.
All day till evening I watched the rain
Beat wearily upon the window pane.
I was not sorrowful, but only tired
Of everything that ever I desired.
Her lips, her eyes, all day became to me
The shadow of a shadow utterly.
All day mine hunger for her heart became
Oblivion, until the evening came,
And left me sorrowful, inclined to weep,
With all my memories that could not sleep.
Ernest Dowson
"Allá donde las lagunas son el cielo..."
Allá donde las lagunas son el cielo
Tuve mi vacación de vacas verdes
El viento era un caballo sin escalas
Y yo me le sentaba firme al flete
El sol
Era un melón
La tarde
Una sandía
Y la vida
La vida una pura gana
De morder y morder manzanas
Pero de esto hace mucho tiempo
Juan Cunha
****************
"Ali onde as lagoas são o céu..."
Ali onde as lagoas são o céu...
Tirei minhas férias de vacas verdes
O vento era um cavalo sem escalas
E eu me sentava firme no frete
O sol
Era um melão
A tarde
Uma melancia
E a vida
A vida uma pura gana
De morder e morder maçãs
Mas isto já faz muito tempo
Juan Cunha
1910-1985
"Lejos la cuidad, lejos..."
(Campos de Girasois-Região de Lavras, sul de MG-
by Fernando Campanella)
Lejos la ciudad lejos
Lejos su absurda rueda dura girando sin sentido
Ah la ciudad sin pájaros libres ni horizontes
Y tan sólo en lo más alto de las torres un poco de ansia del cielo
La ciudad que es una hélice vacía enloquecida de movimiento
Ah la ciudad que cierra el alma con sus frías sucias manos
Y que no oye la oscura angustia de los hombres.
Aquí sólo el campo la soledad desmesurada de los campos
La soledad extraña del campo que invade el espíritu de cosas lejanas
Y el silencio llega como un pájaro huraño al anochecer a pasar la noche en el monte del alma.
Porque aquí el recuerdo se va hacia todos los vientos en cada alborada
Y vuelve como los pájaros todos los atardeceres con un canto lejano cerrado en el pico
Y el corazón a cada latido amanece una esperanza nueva que tiene algo del cielo.
Juan Cunha
(Uruguay-1910-1985)
"Cartas ao "EU"
I
Meu caro eu, este é um momento em que ao meu privativo quintal eu saio. Aqui o mundo me é suave, quase digerível e palpável. Toco em uma chuva fina de cristais ralados molhando ibiscos e samambaias selvagens que emergem das fendas ao lado. As úmidas mil-folhas no vaso são pespontos em nossa alma bifurcada. Tudo aqui planamente vital. Pudesse eu saciar o coração faminto por estas ternas formas. Estes pombos sujos da ferrugem dos telhados são especiais efeitos nesta cena, neste teatro de paisagens. As nuvens concedem, às vezes, um azul, como eu, assim, que me entro, então me saio. Aqui tudo é pleno, meu amigo, tudo tão ‘esta desarmada simplicidade’, a tua mente é que bota significados, isto é, põe coisas além de coisas, vê deuses em cabeças de pombos .
Tenta refrear esta tua teimosia por signos alados. Às vezes, gosto de ir fundo em uma certa fragilidade que nos toma, então chego a sentir que de certas naturezas sopra à minha porção de tua alma um certo bucólico, velho daimon. São fantasias, talvez, e sei também que me enxergas com uma certa amiga serenidade. Uma percepção me induz agora a um pio – psiu – ouço um tilintar de luz, um saltitar de pássaro... um silêncio....um prolapso, uma abelha saindo de nosso limbo...um posfácio.
'Um jardineiro vem de meu jardim
aquelas pragas arrancar
mas de uma se esquece
e esta, sorrateira,
em brava flor
vinga o destrato.
Cinco mínimas pétalas
em cor
que a meu coração de abelha
vêm sedutoras tentar.
Obrigado, jardineiro,
sem vergonha eu te confesso,
naqueles pistilos me deito -
me esfrego
naquela flor mais rara
das tantas
que já vivi a namorar.'
F.Campanella
terça-feira, 17 de junho de 2008
"Segredo"
(The secret- Neyret Freres)
Imagino
que saio a pescar a luz na tarde,
meu samburá a tiracolo,
antes que os deuses do dia
atrelem as carruagens
e o sol se incline na memória
e se afunde no abismo das palavras
Mudo as pedras.
Imagino então
Dona Lua, por puro encanto,
até as franjas do infinito
tecendo um halo
e capturando estrelas
no encalço.
Imagino, imagino
e deste imaginar me reincorporo,
chispo rudes pérolas,
alucino?
(F.Campanella, Junho de 2007)
"The damselfly"
(Zygoptera Damselflies)
A petal of jasmine caught up
by the breeze
or morning glory aflutter
between the four o 'clock and naked lady?
No, not a flower at all,
a butterfly,
showing suddenly white
against the green of a leaf.
And that blue there, cobalt
a moment, then iridescent,
fragile as a lady's pin
hovering above the nasturtium?
Ah, the older poet tells me,
that's a damselfly.
And if you just slowed down
and looked,
you'd see all sorts of things:
midmorning toward the end of summer,
head swimming in the garden's perfume
after a quick, surprise rain.
August Kleinzahler
sexta-feira, 13 de junho de 2008
"Metáfora"
Já não tento reter do dia
a luz que por exata concede
a chama alquímica dos amantes
a doçura de pétalas breves.
O tempo tem o galope das Fúrias
ventos que jamais enternecem.
Melhor correr da memória o labirinto,
drenar os aquíferos fundos
e aguardar: o que restar
será na noite a forma intáctil,
o espectro redivivo.
(Mais no mundo me vivo,
mais no comando de sombras me esmero.)
Deus conceda que me baste
este último consolo de náufrago,
a metáfora,
pétala incorpórea com que me visto.
F.Campanella
(Julho de 2006)
"O que me dói não é..."
"Atravessa esta paisagem o meu sonho"
Atravessa esta paisagem o meu sonho dum porto infinito
E a cor das flores é transparente de as velas de grandes navios
Que largam do cais arrastando nas águas por sombra
Os vultos ao sol daquelas árvores antigas...
O porto que sonho é sombrio e pálido
E esta paisagem é cheia de sol deste lado...
Mas no meu espírito o sol deste dia é porto sombrio
E os navios que saem do porto são estas árvores ao sol...
Liberto em duplo, abandonei-me da paisagem abaixo...
O vulto do cais é a estrada nítida e calma
Que se levanta e se ergue como um muro,
E os navios passam por dentro dos troncos das árvores
Com uma horizontalidade vertical,
E deixam cair amarras na água pelas folhas uma a uma dentro...
Não sei quem me sonho...
Súbito toda a água do mar do porto é transparente
E vejo no fundo, como uma estampa enorme que lá estivesse
desdobrada,
Esta paisagem toda, renque de árvore, estrada a arder em aquele
porto,
E a sombra duma nau mais antiga que o porto que passa
Entre o meu sonho do porto e o meu ver esta paisagem
E chega ao pé de mim, e entra por mim dentro,
E passa para o outro lado da minha alma...
Fernando Pessoa
in "Cancioneiro"
Dia do aniversário de Fernando Pessoa,
se entre nós estivesse, estaria completando 120 anos.
"Ave dos anos"
No dia em que vi ao mundo,
uma cegonha, não sabem?,
destas migradoras, uma asa na Europa,
outra na África,
me trouxe no longo bico,
em penugens por fraldas,
(ou, se chovia, debaixo
de suas planantes asas)
à chaminé de minha antiga,
esmaecida casa.
E se vos conto esta estória
não é por inocência,
nem descaso com a ciência,
minha mãe desde cedo, desde o colo
de tal fato me fez par.
Mas , ora, dirão os céticos,
nem crianças mais crêem
em delírios da carochinha,
isto é lenda para boi dormir.
Mas garanto-lhes que, pelo menos,
em sã biologia ,
de nenhuma virgem eu nasci.
Que vim com a cegonha,
(ou foi uma garça?) lá isso eu vim ...
Os livros, os cochichos das fadas,
também tal me diziam, e que mal há
se nisso cri, se dessa verdade
me transpareci?
Que mal, se meus braços
foram sempre premências de asas,
se fiz das memória mais encantada
a minha genética da alma...
e se em meus dias de azul,
para acima da terra,
para além do humano,
em meus múltiplos céus
a ave sutil de meus anos
ainda leva no bico,
ainda embala
a mim, sua eterna criança.
(F. Campanella)
Nossa homenagem ao aniversário do poeta.
(13/06)
terça-feira, 10 de junho de 2008
"Chanson Sans Paroles"
IN the deep violet air,
Not a leaf is stirred;
There is no sound heard,
But afar, the rare
Trilled voice of a bird.
Is the wood's dim heart,
And the fragrant pine,
Incense, and a shrine
Of her coming. Apart,
I wait for a sign.
What the sudden hush said,
She will hear, and forsake,
Swift, for my sake,
Her green, grassy bed:
She will hear and awake!
She will hearken and glide,
From her place of deep rest,
Dove-eyed, with the breast
Of a dove, to my side:
The pines bow their crest.
I wait for a sign:
The leaves to be waved,
The tall tree-tops laved
In a flood of sunshine,
This world to be saved!
In the deep violet air,
Not a leaf is stirred;
There is no sound heard,
But afar, the rare
Trilled voice of a bird.
Ernest Dowson
"Exchanges"
ALL that I had I brought,
Little enough I know;
A poor rhyme roughly wrought,
A rose to match thy snow:
All that I had I brought.
Little enough I sought:
But a word compassionate,
A passing glance, or thought,
For me outside the gate:
Little enough I sought.
Little enough I found:
All that you had, perchance!
With the dead leaves on the ground,
I dance the devil's dance.
All that you had I found.
Ernest Dowson
"THEY ARE NOT LONG"
Vitae Summa Brevis Spem Nos Vetat Incohare Longam
"The brief sum of life forbids us the hope of enduring long"
(Horace)
THEY are not long, the weeping and the laughter,
Love and desire and hate:
I think they have no portion in us after
We pass the gate.
They are not long, the days of wine and roses:
Out of a misty dream
Our path emerges for a while, then closes
Within a dream.
Ernest Dowson
*************
"Vida Breve"
Não são duradouros, o choro e o riso,
Amor desejo e ódio:
Penso que não fazem parte de nós depois
Que passamos o portão.
Não são duradouros, os dias do vinho e das rosas:
Saído de um sonho enevoado
O nosso caminho emerge por algum tempo, fechando-se depois
Dentro de um sonho.
Ernest Dowson (1867/1900)
In Rosa do Mundo- 2001 Poemas para o futuro
"April Love"
We have walked in Love’s land a little way,
We have learnt his lesson a little while,
And shall we not part at the end of day,
With a sigh, a smile?
A little while in the shine of the sun,
We were twined together, joined lips, forgot
How the shadows fall when the day is done,
And when Love is not.
We have made no vows—there will none be broke,
Our love was free as the wind on the hill,
There was no word said we need wish unspoke,
We have wrought no ill.
So shall we not part at the end of day,
Who have loved and lingered a little while,
Join lips for the last time, go our way,
With a sigh, a smile?
Ernest Dowson
(Londes 1867-1900)
"Andando"
Andando, andando.
Que quiero oír cada grano
de la arena que voy pisando.
Andando.
Dejad atrás los caballos,
que yo quiero llegar tardando
(andando, andando)
dar mi alma a cada grano
de la tierra que voy rozando.
Andando, andando.
¡Qué dulce entrada en mi campo,
noche inmensa que vas bajando!
Andando.
Mi corazón ya es remanso;
ya soy lo que me está esperando
(andando, andando)
y mi pie parece, cálido,
que me va el corazón besando.
Andando, andando.
¡Que quiero ver el fiel llanto
del camino que voy dejando!
Juan Ramón Jiménez
"Ayer"
Ayer pasó el pasado lentamente
con su vacilación definitiva
sabiéndote infeliz y a la deriva
con tus dudas selladas en la frente
ayer pasó el pasado por el puente
y se llevó tu libertad cautiva
cambiando su silencio en carne viva
por tus leves alarmas de inocente
ayer pasó el pasado con su historia
y su deshilachada incertidumbre/
con su huella de espanto y de reproche
fue haciendo del dolor una costumbre
sembrando de fracasos tu memoria
y dejándote a solas con la noche.
Mário Benedetti
"Es melancolía"
Te llamarás silencio en adelante.
Y el sitio que ocupabas en el aire
se llamará melancolía.
Escribiré en el vino rojo un nombre:
el tu nombre que estuvo junto a mi alma
sonriendo entre violetas.
Ahora miro largamente, absorto,
esta mano que anduvo por tu rostro,
que soñó junto a ti.
Esta mano lejana, de otro mundo
que conoció una rosa y otra rosa,
y el tibio, el lento nácar.
Un día iré a buscarme, iré a buscar
mi fantasma sediento entre los pinos
y la palabra amor.
Te llamarás silencio en adelante.
Lo escribo con la mano que aquel día
iba contigo entre los pinos.
Eduardo Carranza
"Deseo"
Sólo tu corazón caliente,
y nada más.
Mi paraíso un campo
sin ruiseñor
ni liras,
con un río discreto
y una fuentecilla.
Sin la espuela del viento
sobre la fronda,
ni la estrella que quiere
ser hoja.
Una enorme luz
que fuera
luciérnaga
de otra,
en un campo
de miradas rotas.
Un reposo claro
y allí nuestros besos,
lunares sonoros
del eco,
se abrirían muy lejos.
Y tu corazón caliente,
nada más.
Federico Garcia Lorca
segunda-feira, 9 de junho de 2008
"Clair de Lune"
A casa com seus enredos
e hábitos
é um caracol em si mesma
dobrada,
tão à luz do sol omissa,
vedada,
onde a torneira do tempo
respinga e o relógio ressoa
as horas de cotidianos fantasmas.
A casa abriga a tácita ordem,
os medos, as trancas
e os trincados.
Mas sob a magia da noite,
no silêncio do pó,
na sujeira deixada,
a casa se isenta
da mecânica do dia
e se sonha um blue
ou um Clair de lune
e resvala
pelo cansaço dos poros,
pelos desvãos do telhado.
F.Campanella
domingo, 8 de junho de 2008
Ninguem é tão pobre espiritualmente que não possa, pelo menos uma vez ao dia, olhar para o céu e ter uma idéia viva e boa, elevada e construtiva. O prisioneiro que, no caminho para o trabalho, repete, mentalmente, um verso, estimulante, cantarola uma bela melodia, pode estar mais intimamente de posse desses bens consoladores que muitas pessoas animadas, que já há muito se cansaram de suas belezas e doces encantos.
Você , que está triste e longe dos seus, leia, sempre que puder, um belo provérbio, uma poesia. Lembre-se de uma bela música, uma bela paisagem, de um momento puro e feliz de sua vida! E, se você for sincero com seus ideais, verá o milagre acontecer, verá que as suas horas serão mais luminosas, o seu futuro mais confortador e sua vida mais terna e afável.
Hermann Hesse,
Excerto do livro "A arte dos ociosos", editora Record
Enviado pelo amigo Fernando Campanella.
"XXVIII"
"XXIII"
O caracol já não é meu vizinho:
que muro (que oceano) nos aparta?
Breve foi nosso encontro.
Mas urgia mesmo
restaurar minha casa.
Incomodava-me esta lesma
Que de mim desterrei.
Vai, meu caracol,
segue as planuras do instinto.
Vai enterrar estes ovos
que em meu limbo
algum dia choquei.
F.Campanella
da série "O EU confesso"
"XXII"
"XXVI"
"Anoitece..."
Anoitece...
Venho sofrer contigo a hora dolente que erra,
Sob a lâmpada amiga, entre um vaso com rosas,
Um festão de jasmins, e a penumbra que desce...
Hora em que há mais distância e mágoa pela terra;
Quando, sobre os chorões e as águas silenciosas,
Redonda, a lua calma e sutil, aparece...
O rumor de uma voz sobe no espaço, ecoando,
Mais um dia se foi, menos uma ilusão!
E assim corre, igualmente, a ampulheta da vida.
Senhor! depois de mim, como folhas em bando,
Num crepúsculo triste, outros homens virão
Para recomeçar a rota interrompida,
E a amargura sem fim de um mesmo sonho vão...
Nos dormentes jardins bolem asas incautas,
Sobre os campos a bruma ondeia, devagar.
Estremecem no céu estrelas sonolentas
E os rebanhos, que vão na neblina lunar,
Agitam molemente, ao longe, as curvas lentas
Das estradas de esmalte, ao rudo som das frautas.
Anoitece...
Tremula ainda, no poente, a luz de alguns clarões,
E, enquanto sobre o meu teu olhar adormece,
Entre o perfil sombrio e vago dos chorões,
Redonda, a lua calma e distante, aparece...
Ronald de Carvalho
Publicado no livro Poemas e Sonetos (1919).
In: MURICY, Andrade. Panorama do movimento simbolista
sábado, 7 de junho de 2008
"CANÇÃO DE INSÔNIA"
Na longa noite de insônia penso em ti:
meu amor se fez infantil e necessitado,
com a sofreguidão dos recém-nascidos.
Cada lembrança é uma emboscada
e a própria pele é um tecido
de minuciosas recordações.
Na longa noite de insônia,
escrever teu nome não traz sono,
mas descansa:
a saudade se deita na terra, quieta ao vento,
como quem se estende no campo, sob as estrelas.
Odylo Costa Filho
In "Cantiga Incompleta"
"SONETO DO CORAÇÃO DESTRUÍDO"
Havia um coração a ser construído
pelos cantos do mundo sacudido
havia uma paixão despedaçada
pelo choro do mar atravessada
Havia um sono sempre soluçado
e um copo d’água nunca derramado
e uma rua de sol sempre banhada
e uma noite de lua inacabada
Havia um ser de pregos trespassado
e uma clareira em meio ao mar irado
e um grito por espasmos dividido
E nos espinhos rosa concentrada
e nos passeios rosa desfolhada
e nas esquinas coração destruído.
Odylo Costa Filho
in "Tempo de Lisboa e outros Poemas"
(Maranhão)(1914-1979)
"TRANSEUNTE"
Transeunte numa cidade sem ruas,
é apenas um homem, apenas uma mulher.
A vida pesada cai sobre
os seus ombros cansados. Levados
de uma incerteza a outra incerteza,
de uma angústia a outra angústia,
no amargo sonho desta vida
pedindo ao verão o refrigério das sombras.
H.Dobal
Photo by Faro Old Town -Algarve- Portugal
Amada solidão, silêncio amigo,
Vosso convívio me é tão grato e ameno
Que, voluntariamente, me condeno
A viver só, para vos ter comigo.
Alheio ao mundo, como um poeta antigo,
Noto, isolado, que ao mais leve aceno,
Me vêm, em ronda, ao espírito sereno
As idéias e imagens que persigo...
Solidão! vem de ti o êxtase infindo
Em que sinto, em constantes primaveras,
Meu ser a natureza refletindo...
Silêncio! enchendo o espaço onde me esperas,
Sonho, como Pitágoras, ouvindo
A harmonia divina das esferas.
Da Costa e Silva
Piauí (1885-1950)
"Razões Conjugadas"
Da tristeza, tempo nascido do sonho,
Formaram-se o vento, as águas mansas,
A escuridão úmida sob o sol,
A neve amortalhando as distâncias,
O pranto confuso,
O silêncio compacto, tão pesado.
No caminho já pisado por mil pés
Há relva à procura da luz imaculada.
Tão relva quanto tão estrela
Ambas em tristeza confirmadas
Como o pranto tão confuso, tão chorado,
O silêncio tão compacto, tão pesado.
Ações do corpo conjugadas
Às canções que permanecem ocultas
À voz alegre dos rios,
Ao vôo das asas alumbradas.
Cárceres de sonhos e temores,
Desejos de morte sobre mortes,
No pranto tão confuso, tão chorado,
No silêncio tão compacto, tão pesado.
Adalgisa Nery
in "Erosão"
sexta-feira, 6 de junho de 2008
"Revisitado"
Bem vindo a minha casa
Mas se quiseres ir ao sótão
Leva as velas
Algo ali vive que não suporta
A crua luz escancarada.
Eu o revisito, tantas vezes,
E não me incomodam seus trastes,
Alguns ratos – eles me convivem,
Eu sou o velho hóspede da casa.
Subo e desço, no cotidiano ato,
gosto de ir, às vezes, regar,
antes que esquecidas mal cheirem,
as flores de meu cercado.
(Com a palma lisa de meus olhos
Acaricio as ternas fugacidades.)
Desço, e subo, vou por estes cômodos
Sonambulando.
Acomoda –te a minha casa,
Mas se quiseres entrar
em meu sótão, acende as velas,
Ali já estou aclimatado,
Sou amigo do gato,
Eu roubo a luz pelas mínimas
Frestas do telhado.
Ali todas artimanhas
Já incorporei.
Eu sei dos hábitos
como sei .
Eu me convivo,
eu sou o velho fantasma,
da casa.
(Fernando Campanella)
quinta-feira, 5 de junho de 2008
"Viagem"
Aparelhei o barco da ilusão
E reforcei a fé de marinheiro.
Era longe o meu sonho, e traiçoeiro
O mar...
(Só nos é concedida
Esta vida
Que temos;
E é nela que é preciso
Procurar
O velho paraíso
Que perdemos).
Prestes, larguei a vela
E disse adeus ao cais, à paz tolhida.
Desmedida,
A revôlta imensidão
Transforma dia a dia a embarcação
Numa errante e alada sepultura...
Mas corto as ondas sem desanimar.
Em qualquer aventura,
O que importa é partir, não é chegar.
Miguel Torga
quarta-feira, 4 de junho de 2008
"O vôo"
Dói o domingo
no ninho dos tédios.
Dói o verão:
esta pele seca
estirada
sobre os ministérios vazios.
Dói o clube
dos domingos.
Dói o rito
dos domingos:
o amargo esporte
de viver.
O amargo esporte
de esquecer.
Dói a divisão da vida:
o pão subtraído,
o peixe poluído,
a paz envenenada.
Dói o vôo cortante desta tarde.
H.Dobal
(1.927-2.008)
"Chuva"
"Vazantes"
"Plástica"
segunda-feira, 2 de junho de 2008
"Destino de chegar"
Uma flor só se envolve com o vento
uma rosa se envolve sem queixume
não se colhe uma flor por desalento
ou pelo assédio intenso do perfume.
Se queres teu amor refaça o tempo
vê como faz um simples vaga-lume
que gera a luz ao fado do momento
e faz que a noite sua aurora exume.
Deixo-te rosas fartas sem espinhos
esvaziando de mim tantos carinhos
para logo voltar se nem sei quando...
E quando o dia anteceder a aurora
verás assim que nunca fui embora
pois nunca paro de ficar chegando...
A. Estebanez
(Dedicado às comunidades:
“Confrarias Poéticas I e II”
Porto Alegre e Joinvile – RS)
"Soneto de saudade"
Em minh’alma chove tanto
que não há como esconder
entre os olhos tanto pranto
que meu pranto faz chover...
Por encanto ou desencanto
em minh’alma é anoitecer
com saudade do teu canto
no encanto do amanhecer...
Num jardim sem claridade
mora em mim tua saudade
com o meu modo de viver...
E a saudade não consegue
esquecer que me persegue
para eu nunca te esquecer...
A. Estebanez
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