A alma é um cenário.
Por vezes, ela é como uma manhã brilhante e fresca,
inundada de alegria.
Por vezes ela é como um pôr do sol...
triste e nostálgico.

-Rubem Alves-

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sábado, 19 de abril de 2008

"JUNTO DE HERMANN HESSE"




As chuvas de março já começam a ensopar os jardins, a quase transbordar os rios. As tardes de março se tornam mais leves, já se aliviando do calor que vai indo embora lentamente.Tardes para vôos de bicicletas, mergulhos em nervuras de folhas outonais, caminhadas no sempre renovado coração da natureza.

Como Minas está arraigada em mim! E ainda que sensação de estranhamento e exílio! Meus olhos vão se enchendo de montanhas, copas de árvores, sibipirunas e capins. E vão seguindo as comunidades voantes das garças, recortes brancos itinerantes contra o céu. Despejando seus últimos pingos de ouro nos pastos, o sol realiza a alquimia final do dia. E Minas ainda resiste.

Acodem-me à mente memórias, do mundo, de mim. Lembro, vivo lembrando. Mas melhor agora estancar este fluxo perpétuo de imagens, embarcar nesta solidão da quase-noite. A primeira estrela já pulsa o olho neutro indecifrável.
Melhor ainda, quem sabe, trazer à alma o consolo universal do Tao:
“...E no entanto, sossega meu coração.

Tu vives no seio da mãe do universo.”

E espalhar pelo corpo uma fina onda de trégua e paz. Ouvir sinos longínquos, ver luzes de casas pequeninas engastadas nas serras, ou até mesmo pintar aquarelas fluidas mentalmente. Ou procurar alguém , algum ser, com quem compartir esta tarde. Mas quem viajaria assim tarde a dentro? A cidade arde suas luzes, regurgita seus ruídos e vaidades, lustra suas armaduras cimento e vidro. A cidade já encontrou o que lhe basta e consuma-se em seu próprio tempo.

Vejo, agora, ao longe, no cimo de uma montanha, uma torre de televisão, delicada como um brinquedo. Queria pintar uma aquarela, agora de verdade, neste momento, ilustrar um livro de meus poemas, de minhas miúdas andanças. Depois, beber copos e mais copos de vinho, desabotoar os meus grilhões de Minas, e rir, rir, rir de tanta beleza e bobagem. Ah, sim, junto de Hermann Hesse.


(F. Campanella, 13.03.94)
Tela "Vinho e rosas" João Barcelos.

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