A alma é um cenário.
Por vezes, ela é como uma manhã brilhante e fresca,
inundada de alegria.
Por vezes ela é como um pôr do sol...
triste e nostálgico.

-Rubem Alves-

Seja bem-vindo. Hoje é
Deixe seu comentário, será muito bem-vindo, os poetas agradecem.

domingo, 30 de maio de 2010

Uma Rosa


Abrem-se ainda tardes como lagos
pálidos sobre os tetos d'ouro,
leve tremendo na quieta luz
a ânsia derramada das árvores.
E não há mais memória ou pranto: só
um mover d'olhos no coração que acorda
do seu sono de pedra e te revê,
claro fulgor de vida, maravilha
revelada e secreta da vida
que vive . E o céu é céu.
Uma rosa se abriu em qualquer ponto
do mundo e inebria todo o ar
do ocaso que se expande sobre o mundo.


*Diego Valeri
in La poesia di Diego Valeri.
Prefazione di Piero Nardi.
Published 1968 by Laviana in Padova

* (Piove di Sacco, 25 gennaio 1887 – Roma, 27 novembre 1976)

sexta-feira, 28 de maio de 2010

SINFONIA DO VENTO

Oh, o delírio de, à noite, ouvir o vento uivando!
Vem tão de longe, rodamoinhando,
ora num ímpeto, ora brando,
a uivar em vão...
Como enche o espaço a grande voz reboando!
... e como aumenta a solidão...


O vento vem numa agonia
semeando a treva... Mal chegou,
no céu da noite, que esplendia,
as estrelas, de luz alva e macia,
as estrelas, tão claras, apagou...


Átomo no ar abandonado,
o mundo está como suspenso
no turbilhão...
Ah! Pelo espaço imenso, imenso,
o mundo vai arrebatado
no torvelinho do tufão...


Que altas montanhas, que campinas vastas,
vieste transpondo, em terras varias,
ó vento rude e mau, gemendo, só?
E, assim gemendo, que é que arrastas
pelas estradas solitárias?
- nuvens de pó... nuvens de pó...


Lá fora, entre gemidos
agoniados,
em estranha e funérea procissão,
as arvores são vultos de forçados,
caminhados de braços estendidos,
caminhando na mesma direção...


Que imensa vela palpitante
de legendário barco, ó Vento,
andas buscando, a uivar assim,
para a impelir, veloz, violento,
para um país muito distante,
por mares únicos, sem fim?



E ora, em surdina, ora, violento,
o vento passa aflito,
em turbilhão...


Oh, como sinto grande o Espaço, ó vento,
como eu sinto o Infinito
quando o enches, assim, da tua imprecação!



Tasso da Silveira
In: Poemas
Alma Heróica dos Homens


(Tasso Azevedo da Silveira, Nasceu em Curitiba,PR, 1.895, feleceu no Rio de Janeiro, 1.968.Era filho do poeta simbolista Silveira Neto)

quinta-feira, 27 de maio de 2010

A LUZ


Não esta luz dos trópicos, ardente,
que o arvoredo orvalhado já pressente
erguendo os ramos para recebê-la.


Não a luz penetrante que a primor
na transparência dos cristais espelha
a mesma luz louvada do criador.


Não essa luz que o nosso olhar prefira,
ávido de celeste azul safira
ou de púrpura régia ou de tons de ouro.


Nem a luz que ilumina os olhos belos,
portadores de amor, formados de elos
torvelinhando em claro sorvedouro.


Mas outra luz de tempo mais profundo,
outra, de que se mostra a leve imagem,
move as almas em flor do velho mundo
para a contemplação desta paragem.


Henriqueta Lisboa
In: 'Melhores Poemas'
De 'Montanha Viva' (1945-1949)

terça-feira, 25 de maio de 2010

A CERTAIN SLANT OF LIGHT

(Foto by Fernando Campanella)

There's a certain slant of light,
On winter afternoons,
That oppresses, like the weight
Of cathedral tunes.

Heavenly hurt it gives us;
We can find no scar,
But internal difference
Where the meanings are.

None may teach it anything,
'Tis the seal, despair,-
An imperial affliction
Sent us of the air.

When it comes, the landscape listens,
Shadows hold their breath;
When it goes, 't is like the distance
On the look of death.

Emily Dickinson


Há uma certa inclinação da luz,
Nas tardes invernais,
Que oprime, como o peso
Do dobrar dos sinos nas catedrais.

Celestial ferida ela nos impõe,
Sem nenhuma cicatriz ofertar
Salvo a interna diferença
Onde os sentidos vêm a se encontrar.

Ninguém nada pode lhe ensinar,
Ela é o selo, o desespero,
Uma aflição imperiosa
Enviada a nós do ar.

Quando vem, a paisagem se põe a escutar,
As sombras detêm o fôlego;
Quando vai, é como a distância
do olhar da morte a passar.

(There's a certain slant of light, poema de Emily Dickinson, traduzido por Fernando Campanella)

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Outono


Uma lâmina de ar
atravessando as portas. Um arco,
uma flecha cravada no outono. E a canção
que fala das pessoas. Do rosto e dos lábios das pessoas.
E um velho marinheiro grave, rangendo o cachimbo como
uma amarra. À espera do mar. Esperando o silêncio.
É Outono. Uma mulher de botas atravessa-me a tristeza
quando saio para a rua, molhado, como um pássaro.
Vêm de muito longe as minhas palavras, quem sabe se
da minha revolta última. Ou do teu nome que repito.
Hoje há soldados elétricos. Uma parede
cumprimenta o sol. Procura-se viver.
Vive-se, de resto, em todas as ruas, nos bares e nos cinemas.
Há homens e mulheres que compram o jornal e amam-se
como se, de repente, não houvesse mais nada senão
a imperiosa ordem de (se) amarem.
Há em mim uma ternura desmedida pelas palavras.
Não há um nome para a tua ausência. Há um muro
que os meus olhos derrubam. Um estranho vinho
que a minha boca recusa. É Outono.
A pouco e pouco despem-se as palavras.


Joaquim Pessoa,
In 125 Poemas,antologia poética.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

EM SEDA

(Foto by Fernando Campanella)

Por esta luz que me alumia
e me inventa em seda a estrada

entre a arte, alívio da memória,
e o mais trêmulo aceno do nada

- se com o mundo me acertei/me dasavim
já nem sei -

sou o que perdidamente
tomou rumo de mim.


Fernando Campanella, 2010

terça-feira, 18 de maio de 2010

ESTA É A GRAÇA


Esta é a graça dos pássaros:
cantam enquanto esperam.
E nem ao menos sabem o que esperam.


Será porventura a morte, o amor?
Talvez a noite com nova estrela,
a pátina de ouro do tempo,
alguma cousa de precário
assim como para o soldado a paz?


Com grave mistério de reposteiros
um augúrio dimana, incessante,
do marulho das fontes sob pedras,
do bulício das samambaias no horto.


No ladrido dos cães à vista da lua,
acima do desejo e da fome,
pervaga um longo desespero
em busca de tangente inefável.


O mesmo silencio da madrugada
prenuncia, sem duvida, um evento
que já não é o grito da aurora
ao macular de sangue a túnica.


E minha voz perdura neste concerto
com a vibração e o temor de um violino
pronto a estalar em holocausto
as próprias cordas demasiado tensas.



Henriqueta Lisboa
In: 'A Flor da Morte' (1945-1949)

sábado, 15 de maio de 2010

Tédio


Tudo se acaba aos nossos olhos perto
Numa brancura que de ver nos cansa,
Como se então de névoas um deserto
Se abrisse assim sem luz nem esperança.

E nessa névoa que nos deixa incerto
E num abismo sem sentir nos lança,
Como se o olhar se visse então coberto
Sentimos se apagar nossa lembrança.

Sentimos um torpor indefinido,
Um vago sentimento adormecido
Como da morte as frias mãos felinas.

E nesse triste desalento infindo
De todo o céu sentimos ir fluindo
Neblinas e neblinas e neblinas...


Saturnino de Meireles
(Rio de Janeiro- 1878-1906)

Estrela Polar


Crepúsculo. No mar a vista ao longe abraça
Dos gelos a extensão ilimitada do norte.
Repousa a natureza amortalhada em baça
Roupagem modelada em nítido recorte.

Flocos de neve no ar lentos se agitam. Forte
Bruma sobe, se espraia, alonga e se adelgaça
E ondula e mais se estende e célere perpassa
No crebro turbilhão fantástico da morte.

Noite. A estrela polar surge no azul, trazendo
Claras irradiações para os abismos tredos,
De montes espectrais relevos esbatendo.

E de tênue neblina em rendas aureolada,
Ergue-se no alto, roça a crista dos penedos
E aclara a vastidão, de luz astral nimbada.


Teotônio Freire
(Manuel Teotônio Freire Filho)
(Acari, RN, 1863 —Recife,PE, 24 de março de 1917)
Escritor brasileiro naturalista da escola recifense, fundador do Silogeu de Pernambuco.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Improviso

P/Paul Valéry

Se este silêncio da hora infindo se tangência
destas águas finórias, reterá renúncias,
destes viços soçobram honrarias das ondas
do lascivo marulho há esvaído desta praia.

Do silêncio, minha hábil voz vê-lhe fremir
se do pétreo do tempo hoste emigrado pássaro
deste fugido fátuo habitante oceânico
da sôfrega vertigem, habitat liberto.

Esta efígie do ecoar há de espraiar-se do céu
ressoar o murmulhar havido marinheiros
destas nuvens, folhagens, hábito não pesa.

Desta marmórea estátua valor heteróclito
ébrio clamor do voo vicários dos sombrios
velar marinhos hábitos destes terrestres.

Eric Ponty
(Do blog do autor)

quarta-feira, 12 de maio de 2010

"A TAÇA"


Acaso haverá
ou destino
nessa taça com a qual brindamos
todas as formas de desatino?

O que nela se esvazia
somos nós vazando
matéria e energia?

Ou tudo é passagem secreta
a dimensões inéditas
onde nos dispersamos?

É grave ação da gravidade,
submersa gramática de pecados
ou música incandescente,
o som das sílabas
espalhadas em cacos pelo chão?

José Antônio Cavalcanti
Poeta, contista e professor. Mestrado em Ciência da Literatura sobre Cacaso (poesia, urbanismo e arquitetura). Doutorando: pesquisa sobre a narrativa de Hilda Hilst. Inédito; apenas algumas publicações em revistas e jornais alternativos de São Paulo, Minas, Pernambuco, Rio de Janeiro e dos Estados Unidos.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

O VENTO


Na palma do vento
pouso a fronte. Nele confio.
A quem confiaria senão a ele
este rude labor?


Abandono-me à tormenta
(lumes mastros
gaivotas do mar próximo).


Enreda-me a noite.
Mas dele são os dedos leves
que me fecham os olhos. E é manhã.


Dora Ferreira da Silva
In: Poesia Reunida
Jardins (esconderijos) 1979

domingo, 9 de maio de 2010


(excerto)
"Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.

Boa noite. Eu vou com as aves."

(Eugénio de Andrade)

O CORAÇÃO E O MAR



A Pepe Rumeu de Armas

Senhor, já estamos sós meu coração e o mar.
Antonio Machado



1. Escreve o mar

Até a folha em que escrevo chega o mar
com seu pulsar cheio de naufrágios
como meu coração.

E na folha, da mesma forma que na areia,
escreve seu segredo trêmulo
e sua canção.

Banha de nácar e cristal meu sonho
diurno e, se calo, escreve em meu silêncio
seu coração.

(Como em outro planeta canta um pássaro.
Quase humana, respira a manhã
de jasmim e limão.

Talvez sonhada ou recordada voa
como uma ferida azul a mariposa
com sua ilusão).

Em uma onda vem todo o mar
e ao pé deste poema se desfaz
como uma rosa que cantara.

Onde é mais só o mar
e mais largo e mais fundo e terno e feroz
é no meu coração.

Eduardo Carranza

'TEMPO DE ESQUECER'


Sabes que sou como um rio abandonado
no sedento leito do esquecimento,
e a tua vã lembrança tão unido
como a água ao seu céu refletido;


Sabes que sou como o tempo desfolhado
na mão final do que foi perdido
e, como um horizonte proibido,
me envolves o sonho vigilante;


Sabes que sou como o ar, destinado
ao vôo de tuas aves, som ferido
surdidor rouxinol e enamorado:


Sobre este coração crepuscular
e por turvas marés assaltado,
tornas-te nuvem voando para o esquecimento.


*Eduardo Carranza
In: Antologia Poética
*Nasceu em Apiay, nos Lhanos Orientais da Colômbia, a 23 de Julho de 1913.
Morreu no dia 13 de fevereiro de 1985 em Bogotá.-Colômbia.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

A CANÇÃO DO MAR


À sombra dos imensos coqueirais,
Ouço as queixas infindas e os tormentos
Do mar que entre gemidos espectrais,
Confessa à solidão seus sofrimentos!


Gosto de ouvir os mares turbulentos,
Que nas suas canções sentimentais,
Tem a monotonia dos lamentos
Que os sinos soltam pelas catedrais. . .


Escuto ao longe entre profundas magoas,
Os soluços monótonos das águas
Que vão aos poucos para o céu crescendo!


Num cenário de dor e convulsão,
Enquanto as ondas preguiçosas vão
Pela areia da praia se estendendo. . .



Jansen Filho
In: Obras Completas

terça-feira, 4 de maio de 2010

" Aeroporto"


Tempo gigantesco é um dia,
para quem perdeu a viagem,
o endereço para onde iria,
seu bilhete, sua bagagem,

para sua alma não vadia,
tempo gigantesco é um dia,

para quem sonhava distância
da própria história e não consegue,
sem asco, lembrar-se da infância,

mesmo com Deus por companhia,
tempo gigantesco é um dia.


Alberto da Cunha Melo
do livro 'Meditação Sob os Lajedos'

sábado, 1 de maio de 2010

'Serenidade'


(...)

Eu, que nasci para um destino manso
de coisas suaves, silenciosas, imprecisas,
e que fico tão bem neste obscuro remanso
onde apenas se infiltra um perfume de brisas,
imagino a tremer: que seria de mim
se essa alegria
esplêndida, algum dia,
houvesse surpreendido a minha inexperiência!...

A vida me iludiu, mas foi sábia na essência.


Minha alegria deveria ser assim:
Pequenina doçura delicada,
gota de orvalho em pétala de flor,
sempre serena lâmpada velada
que me diluísse as brumas do interior.


Sempre serena lâmpada velada,
símbolo do meu sonho predileto...
Se amanhã tu penderes do meu teto
aureolando minha última ilusão,
- para que eu viva em teu amor e em tua paz,
deixa um rastro de sombra pelo chão...
É nesta sombra que hei de me esconder
quando sentir a falta que me faz
a outra alegria que não pude ter!


Henriqueta Lisboa
in "Velário", 'excerto' do poema 'Serenidade'

When you are old


When you are old and gray and full of sleep
And nodding by the fire, take down this book,
And slowly read, and dream of the soft look
Your eyes had once, and of their shadows deep;

How many loved your moments of glad grace,
And loved your beauty with love false or true;
But one man loved the pilgrim soul in you,
And loved the sorrows of your changing face.

And bending down beside the glowing bars,
Murmur, a little sadly, how love fled
And paced upon the mountains overhead,
And hid his face amid a crowd of stars.

William Buttler Yeats