A alma é um cenário.
Por vezes, ela é como uma manhã brilhante e fresca,
inundada de alegria.
Por vezes ela é como um pôr do sol...
triste e nostálgico.

-Rubem Alves-

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terça-feira, 18 de março de 2008

"PÁSSAROS"



A primavera de New England
não traz seus pássaros à minha janela.
Mas por que penso naqueles cantos
Se nem os pássaros de meu velho rio
Ou de minhas conhecidas árvores
Vêm ao meu jardim cantar?
Só cantam para si próprios, creio,
o martim- pescador, a corrila ,
o joão-de-barro atribulado.
Pensando bem, nem mesmo pardais,
Nenhum pio, nenhum bemol acasalado
Conseguem meu dia despertar.
Ficam por si, longínquos, os canários
e os bem-te-vis nas cercanias .
Como é triste acordar, agora percebo,
Daquelas ternuras surdo, descantado.
Como é áspero raspar do dia o aço.
Ranger roldanas de hábitos e ossos.
Cantem para si, para Deus
ou para quem os consiga ouvir
o exótico robin , o cuco e a cotovia.
Nenhum trinado, nem mesmo um grasnar
Vem alcançar meus ouvidos ruidosos.

Ah, vejam, sou mesmo um rei nu,
Um moedor de pedras,
Sou aquele imperador da China
Que tão pobre era sem seu pássaro -
Aquele pobre mandarim ,
A solidão, meu triste rabicho,
a ausência, esta enorme vassala de mim.

(Vai, meu cortejo de trapos,
vai buscar aquele pássaro
Que aqui trinava um dia.

Meu reino por um rouxinol
Que se alijou da alma
E me desencantou a alegria.)


(FERNANDO CAMPANELLA)

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