A alma é um cenário.
Por vezes, ela é como uma manhã brilhante e fresca,
inundada de alegria.
Por vezes ela é como um pôr do sol...
triste e nostálgico.

-Rubem Alves-

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terça-feira, 4 de março de 2008

"O ELOGIO NOS REPUXOS"



Dor dos repuxos ao Sol-pôr agonizando
em plumas e marfins, em rosas de ouro e luz...
Canto da água que desce em poeira, leve e brando,
canto da água que sobe e onde o jardim transluz.

Dormem sinos na bruma -- a cinza tem afagos...
Sombras de antigas naus, velas altas a arfar,
passam em turbilhões pelo fundo dos lagos,
(a aventura, a conquista, a ânsia eterna do mar!)

Repuxos a morrer sobre si mesmos, lentos
curvos leques a abrir e a fechar num adejo,
-- mão vencida que vem de vãos incitamentos,
mão nervosa que vai mais cheia de desejo...

Volúpia de fugir -- ser longe e ser distância,
e tornar logo ao cais e de novo partir!
Volúpia -- desejar e não possuir, ser ânsia...
Repuxos a descer, repuxos a subir...

Não fixar emoções, volúpia de esquecê-las,
Andar dentro de si perdido na memória...
(Caçadores ideais de mundos e de estrelas
repuxos ao Sol-Pôr cheios de mágoa e glória...)

Dor dos repuxos ao crepúsculo cantando!
desespero, alegria -- o lábio, a mão... e um beijo.
Dor dos repuxos, dor sangrando, dor sonhando
Ir tocar a ilusão e morrer em desejo...


Ronald de Carvalho
1893-1935

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