A alma é um cenário.
Por vezes, ela é como uma manhã brilhante e fresca,
inundada de alegria.
Por vezes ela é como um pôr do sol...
triste e nostálgico.

-Rubem Alves-

Seja bem-vindo. Hoje é
Deixe seu comentário, será muito bem-vindo, os poetas agradecem.

sábado, 28 de novembro de 2009

A vida para



Agora a vida é que para,
e humildemente te fitas.
Que mortas águas ascendem
à flor do tempo. Que face
ou simples lembrança de algo
compõe a máscara imóvel
que te olha e cala. Silêncio.
Quem és tu que não te sentes,
em ti, no ar, no horizonte,
nesta órbita, ou naquela?
És eco apenas. A face
de tudo em nada. És o antes,
sem depois.


Emílio Moura
in Itinerário Poético

EXÍLIO



Já nada vejo nessa bruma
que ora te esconde.
Quero encontrar-te, mas a noite
não me traz nenhuma
esperança de onde nem quando.

Amor, ah, quanto me deves!
Que é dos pés que, leves, leves,
roçavam por este chão?

Alma, és só tempo e solidão.


Emílio Moura
in Itinerário Poético
(Minas Gerais 1902-1971)

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

SOFRIMENTO



O sofrimento é um mestre que nos vem
apequenar, fogo que nos abrasa
miudamente: isola-nos da vida,
empareda-nos e nos deixa só.

Amesquinham-se amor e sapiência,
confiança e esperança se adelgaçam
e fogem; com paixão ciumenta e rude,
o sofrimento nos faz e desfaz.

O eu - forma terrena - se contorce
e se bate e resiste em meio às chamas,
depois todo se afunda e silencia;
e eis que também o mestre renuncia.

Hermann Hesse
In Andares

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Renascer



o tempo,
sensorial e não só,
é uma dádiva porque provém do Ser e de ser existência.

talvez tudo derive da fonte hermética e todos os dias o universo se pense.
talvez a consciência (des)fragmentada na fluidez do movimento
aconteça no piscar dos sonhos,

onde somos água em evolução!


Vicente Ferreira da Silva
(Portugal)

PORTA



a porta
como toda fronteira
é apenas para se atravessar
rapidamente ela já não serve mais
um corpo a corpo
e já se está do outro lado
dela nascem o fora e o dentro
ela que é seu vazio.

Ana Martins Marques

HORÓSCOPO



Há duas ou três promessas
espreitando o dia.
Indício de visitas
e incêndios.
Saúde, mas nenhuma alegria.
Distrações e alegrias no trabalho.
No amor talvez não seja bem isso.
Indiferença não é uma saída nessa hora.
Família e dívidas preocupam.
Os astros continuam rodando à toa.
Impossível domar
a fera que te habita
o signo inexato.


Ana Martins Marques
(Minas Gerais- BR)

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

BEM-TE-VIS



Olhos de grafite
súbitos demoníacos estrídulos bem-te-vis.
Apregoam ao céu uma verdade morta.
Vista. Sem chama
(clara evidencia).


O jardim se esconde em desvãos e esconderijos.
O jardim não vê –
cresce calado. Os casulos não vêem –
viram borboletas.
Vêem os bem-te-vis
e passam ao dizer.



Dora Ferreira da Silva
In: Poesia Reunida
Jardins (esconderijos) 1979

A MAGNÓLIA



Sem paixão plantei-a no meio
do jardim. Pesado tributo
à insolvência dos dias.


Bandeiras de cor verde-ferrugem
transeunte natureza de amor desvelam
caravela de pássaros e o vento nas ramas
alegre o riso
na onda: o arco-íris.


(Comprei vestidos sem cor
e – pelo verão – esperei
as vergônteas da morte.
A água que bebi era de cinza.)


Nuvens se espedaçam
inflam botões
alvos
sorrisos na relva
e o chá vertido nas flores bebemos
da lembrança.


(Se nasceram luas apenas
é pétalas decepadas
acaso fui eu
acaso fui
eu?)



Dora Ferreira da Silva
In: Poesia Reunida
Jardins (esconderijos) 1979

Tardes são feitas para durar...


tardes são feitas pra durar
mentiras não

pesco todos os dias
nas tardes

águas escuras
por enquanto

Renato Tapado
De: Poemas para quem caminha (fragmentos)

A terra tem túmulos a mais



A terra tem túmulos a mais
Mas os teus olhos
Ressuscitam tudo

Tu e eu
Morreremos
De excesso de eternidade


Alberto de Lacerda
in: Oferenda II (1994)
(Ilha de Moçambique, 20 de Setembro de 1928-Londres, 26 de Agosto de 2007)

domingo, 22 de novembro de 2009

Revelações



Recebi do estimado amigo FERNANDO CAMPANELLA o desafio de completar estas cinco frases:

Eu já....
Eu nunca....
Eu sei...
Eu quero...
Eu sonho...

Estas são minhas respostas:

Eu já vivi muitas experiencias, que me ensinaram a ser mais humilde diante da fugacidade da vida...

Eu nunca soube dizer não...

Eu sei que muito pouco sei...

Eu quero ter muita paz, ver meus filhos e o mundo todo muito feliz!

Eu sonho ainda viver grandes sonhos...


******

As regras são designar cinco blogs, que devem indicar de quem receberam o convite.

Regina Helena do blogger:
http://frestapoetica.blogspot.com/

José Caros do blogger:
http://sightxperience.blogspot.com/

Maria do Blogger:
http://poesiaseternas2.blogspot.com/

Reggina do blogger:
http://poesianotempo.blogspot.com/

Rosemildo, do blogger:
http://arteemoes.blogspot.com/

Úrsula, do blogger:
http://ursulaavner.blogspot.com/


Muito grata a todos!

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Marés




espuma triste como alguém que parte
as águas tentando um toque
extensões
cada vontade é uma onde que molha
em marés diárias
a frieza de um pingüim
eu guardo o mar
dentro de mim

Renato Tapado
Fragmentos de 'Partilhas'

Palavras na penumbra



(7)

Há um silêncio leve sobre as ruas.
Esconde-se em sua tênue vaidade.
Ninguém o escuta. Vai pela cidade
compondo um vento de palavras nuas.

Foge do tempo, foge dessa urgência
de dizer tanto, e tudo, e não ser nada,
e encolhe-se no oco de uma ausência,
como uma ave oculta a face alada.

Há um silêncio vivo como a pele,
que pulsa sob um têxtil desatino,
disposto a seduzir o que o impele

ao devaneio. E o impulso vence-o
e abre uma outra face em seu destino:
pois dentro do silêncio há outro silêncio.


Renato Tapado
(Porto Alegre 1962, escritor gaúcho, radicado em Florianópolis desde 1974.)

domingo, 15 de novembro de 2009

ODE: VISLUMBRES DA IMORTALIDADE VINDOS DA PRIMEIRA INFÂNCIA


V

Nosso nascimento não é senão sonho e esquecimento:
A alma que conosco se ergue, Estrela de nossa vida,
Teve poente noutro recanto
E vem de longe imbuída:
Não de vez esquecida,
Nem totalmente despida,
Arrastando nuvens de glória, viemos a nos originar
De Deus, que é o nosso lar:
O céu nos envolve na infância!
As trevas do cárcere começam a encerrar
O Menino que cresce;
Mas Ele contempla a luz de onde ela vem brilhar,
A vê em sua alegria que resplandece;
O Jovem, ao se afastar deste nascente com certeza,
Trafega, ainda sendo o Sacerdote da Natureza,
É acompanhado em sua jornada
Pela visão encantada;
Por fim, o Homem percebe que a sua vida perece,
E na luz de um dia comum desvanece.


William Wordsworth
in 'O olho Imóvel Pela Força da Harmonia'

I WANDERED LONELY AS A CLOUD



[Vagueava só como uma nuvem...]


Como nuvem eu vogava,
passando montes e prados,
quando súbito avistava
narcisos mil e dourados,
junto ao lago, na floresta,
dançando na brisa lesta.


Contínuos como as estrelas
na Estrada de Santiago,
infindos se alongam pelas
curvas margens desse lago.
E as cabeças sacudiam
no dançar em que existiam.
As ondas também dançavam:
em menos viva folia.
Que poetas recusavam
tão alegre companhia?


Olhei, e olhei, sem pensar
estar vendo coisas sem par.
Que às vezes, quando me afundo
em vácua ou tensa vontade,
eles brilham no olhar profundo
que é bênção da soledade,
e o coração se me enflora,
e dança com eles agora.


William Wordsworth
(England, April 7, 1770 – April 23, 1850)

sábado, 14 de novembro de 2009

Agora é passado



Agora é passado – o feliz agora
Quando junto caminhámos
Sob o ramo do carvalho da floresta
E a natureza disse que nos amávamos.
A rajada do Inverno
O agora desde então rastejou
Por entre nós e separou-nos.
Invernos que murcharam todo o verde
Gelaram o bater do coração.
Agora é passado.

Agora é passado desde que por último nos encontrámos
Sob o ramo da aveleira;
Antes que o sol da tarde se pusesse
A sombra dela estendeu-se sobre a terra.
A rajada do Outono
Manchou e definhou cada ramo;
Morangos silvestres como os lábios dela
Deixaram os musgos verdes do chão
E a flor que ela tinha sobre as ancas.
Agora é passado.

Agora é passado, mudado e envelhecido,
As florestas e os campos estão pintados de novo.
Morangos silvestres que ambos colhemos então,
Nenhum de nós sabe agora onde cresciam.
O céu está nublado
Os morangos desapareceram da entrada da floresta
Todas as folhas verdes se tornaram amarelas;
Adelaide já não percorre os caminhos da floresta,
O amor verdadeiro não tem com quem deitar-se.
Agora é passado.


John Clare
Trad. Cecília Rego Pinheiro
in Rosa do Mundo 2001 Poemas para o Futuro, Assírio & Alvim


Now Is Past

Now is past – the happy now
When we together roved
Beneath the wildwood’s oak-tree bough
And Nature said we loved.
Winter’s blast
The now since then has crept between,
And left us both apart.
Winters that withered all the green
Have froze the beating heart.
Now is past.

Now is past since last we met
Beneath the hazel bough;
Before the evening sun was set
Her shadow stretched below.
Autumn’s blast
Has stained and blighted every bough;
Wild strawberries like her lips
Have left the mosses green below,
Her bloom’s upon the hips.
Now is past.

Now is past, is changed agen,
The woods and fields are painted new.
Wild strawberries which both gathered then,
None know now where they grew.
The skys oercast.
Wood strawberries faded from wood sides,
Green leaves have all turned yellow;
No Adelaide walks the wood rides,
True love has no bed-fellow.
Now is past.

John Clare
(Helpston, 13 Jul 1793 – m. 20 May 1864-England)

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Para mim mesma



Para os meus olhos, quando chorarem,
Terem belezas mansas de brumas,
Que na penumbra se evaporarem...


Para os meus olhos, quando chorarem,
Terem doçuras de auras e plumas...


E as noites mudas de desencanto
Se constelarem, se iluminarem
Com os astros mortos que vêm no pranto...


As noites mudas de desencanto...
Para os meus olhos, quando chorarem...


Para os meus olhos, quando chorarem,
Terem divinas solicitudes
Pelos que mais os sacrificarem...


Para os meus olhos, quando chorarem,
Verterem flores sobre os paludes...


Para que os olhos dos pecadores
Que os humilharem, que os maltratarem,
Tenham carinhos consoladores.


Se, em qualquer noite de ânsias e dores,
Os olhos tristes dos pecadores
Para os meus olhos se levantarem...



Cecília Meireles
In: Baladas para El-Rei (1925)

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Elegia



Por que de estranhas terras eu te acompanho lua solitária
E durmo ouvindo os teus passos de anjo pela noite
Quando os velhos desejos desaparecidos voltam à flor das ondas
E a noite do exílio levanta as suas árvores de sonho,
De um tempo imemorial eu acompanho as tuas viagens,
Tu que vestes os mortos com o que cai do coração dos vivos
Eu te acompanho pelo céu escuro
Sentindo como tua a vertigem da morte que anuncias.
Tu que de um tempo longo ergues teus olhos sobre o tempo
E apenas náufragos aportam a esse país estranho em que tu vives.
Ouço tua voz cair no mar da madrugada
Para que o céu se deite sobre ti como um sepulcro
E as estrelas brilhem nesta noite escura como incêndios.


Paulo Plínio Abreu
In: Poesia
(Belém do Pará -1921-1959)

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

DÁ-ME A FESTA MÁGICA



DEUS – e de onde é que tiras para acender o céu
este maravilhoso entardecer de cobre?
Por ele soube encontrar de novo a alegria,
e a má visão eu soube torná-la mais nobre.

Nas chamas coloridas de amarelo e verde
iluminou-se a lâmpada de um outro sol
que fez rachar azuis as planícies do Oeste
e verteu nas montanhas suas fontes e rios.

Deus, dá-me a festa mágica na minha vida,
dá-me os teus fogos para iluminar a terra,
deixa em meu coração tua lâmpada acendida
para que eu seja o óleo de tua luz suprema.

E eu irei pelos campos na noite estrelada
com os braços abertos e a face desnuda,
cantando árias ingênuas com as mesmas palavras
com que na noite falam os campos e a lua.


Pablo Neruda
Tradução: José Eduardo Degrazia
(Chile)

Alice in Wonderland



Se esse mundo fosse só meu,
tudo nele era diferente!
Nada era o que é porque tudo era o que não é
E também tudo que é, por sua vez, não seria.
E o que não fosse, seria.
Não é?
No meu mundo você não diria: miau
Diria: Sim Dona Alice!
Ó, mas é verdade!
Você seria como nós Dinah
Os animais falariam.
Ó, no meu mundo...

Meu gatinho ia ter um lindo castelinho
Ia andar todo bem vestidinho
Nesse mundo só meu.

Minhas flores
Quanta coisa eu não diria as flores
Contaria histórias para as flores
Se eu vivesse nesse mundo só meu.

Passarinhos
Como vão vocês, meus passarinhos?!
Vocês iam ter milhões de ninhos
Nesse meu mundo só meu.

Poderia num regato a rir, poder cantar uma canção sem
fim
Quem me dera que ele fosse assim
Maravilhosamente só pra mim!

de "Alice no país das maravilhas"

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Hoje, confesso, acordei com vontade de ser feliz



Hoje, confesso, acordei com vontade de ser feliz.
Amarrei, até, no pulso o amor-perfeito
que foi secando no meu peito e retomei a velha máxima:
não deixar que qualquer angústia atinja o coração.
Um castelo de areia, é tudo quanto quero
para acostar o meu barco de papel.

Aproxima os olhos da vertigem e estremece
com a luz espessa, que brilha nos teus ombros.
No céu do teu país, as estrelas podem ser barcos,
se quiseres sulcar os mares do coração em desordem.


Graça Pires
(Portugal)

OS CAMPOS



Campos por onde nunca passarei
no céu esverdeado deste agosto
- que me importa o que serei
se meu ser é um sol já posto.

Findo talvez – e todo branco
envolto em terra, escuro mosto.
Onde imaginar o que é franco
senão na limpidez só deste rosto ?

Se morre agosto, outro tempo
sucede imutável ao próprio vento.
Campos sei, tão cheios de encantos

e tão devastados no momento
que são Campos e campos
ofertados a todos os espantos.


Lúcio Cardoso
in Poemas Inéditos
(Brasil)

Retomo ao Ponto de Partida



Retomo, pois, ao ponto de partida
como um presente, o ponto de chegada.
Entre um começo e outro não há nada
Excepto o nada da vida vivida.

Desgaste, corrosão do que de novo
em velho se mudou antes de o ser,
etc.


Vergílio Ferreira,
in 'Conta-Corrente 1'
(Portugal)

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

NÃO MORRERAM, PARTIRAM PRIMEIRO



Choras os teus mortos com tanto desalento
que parece até que és eterno

Eles não morreram, apenas partiram primeiro.

Como lobo faminto, te agitas impaciente, na ansiedade de desvendar os mistérios que poderão ser simples, transparentes e brilhantes aos quais terás acesso quando tu mesmo morreres.

Eles não morreram, apenas partiram primeiro, diz sabiamente o provérbio inglês.

Eles partiram antes... Por que insistis em questionar o porque?

Deixa-os sacudir o pó da estrada.

Deixa-os curar no colo do Pai os pés feridos da longa caminhada.

Deixa-os descansarem os olhos nos verdes pastos da paz.

Antes, preparas a tua bagagem, pois o comboio te espera.

E essa sim, é uma tarefa prática e eficiente.

Verás os teus mortos, e isso é um fato próximo e inevitável. Então não tenhas a menor pressa em alterar as poucas horas do teu descanso.

Eles, num impulso quebraram as barreiras do tempo e te esperam pacientemente.

Apenas foram num comboio anterior.

A morte é uma alegria, e esse conhecimento é dado por Deus aos que se aproximam dela, e oculto aos que ainda irão percorrer longa etapa de vida, para que sigam naturalmente o caminho.

Amado Nervo
(Tepic,México- 27 de agosto de 1870 — Montevidéu,Uruguay-24 de maio de 1919)
Tradução livre por Maria Madalena