A alma é um cenário.
Por vezes, ela é como uma manhã brilhante e fresca,
inundada de alegria.
Por vezes ela é como um pôr do sol...
triste e nostálgico.

-Rubem Alves-

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sexta-feira, 15 de maio de 2009

Quem das legiões de anjos?


(Primeira Elegia)

Se gritasse, quem das legiões de anjos escutaria
o grito? E mesmo se, inesperadamente,
um deles me acolhesse no coração: sucumbiria à sua
existência mais forte! Pois o belo não é senão
o princípio do espanto que mal conseguimos suportar,
e ainda assim, o admiramos porque, sereno,
deixa de nos destruir. Todo anjo é espantoso.


E por isso me contenho e refreio o apelo
de um soluço obscuro. Então quem
nos poderia valer? Anjos, não, homens, não,
e os animais inventivos logo se apercebem
de que não nos sentimos muito em casa
no mundo das explicações. Resta-nos talvez
uma árvore na encosta, para vermos e revermos
todos os dias. Resta-nos a estrada de ontem
e o apelo mimado de um hábito
que por nós se afeiçoou, permaneceu e não foi embora.


E a noite, a noite quando o vento cheio de espaços do mundo
nos desgasta a face - para quem ela não saberia ser desejo e suave decepção,
ela, cuja proximidade pesa sobre
o coração solitário! Será mais leve para os amantes?
Juntos, eles apenas encobrem um para o outro seu destino.
Ainda não sabias? Lança o vazio aprisionado nos braços
para os espaços que respiramos! Talvez os pássaros sintam,
num vôo de maior intimidade, o ar mais amplo.


Rainer Maria Rilke
in: Sonetos a Orfeu e Elegias de Duíno
tradução de Emmanuel Carneiro Leão.

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