A alma é um cenário.
Por vezes, ela é como uma manhã brilhante e fresca,
inundada de alegria.
Por vezes ela é como um pôr do sol...
triste e nostálgico.

-Rubem Alves-

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sexta-feira, 10 de outubro de 2008

'Sugestões do Ocaso'




Não sei por que será que os aspectos de agosto
me convidam à cisma à hora do sol posto!

Ontem fazia frio, era roxo o arrebol,
e céus e terra e tudo, as árvores e as águas,
pareciam estar carpindo as suas mágoas...
Choravam de saudade, ao ver partir o sol.

E eu também fiquei triste, até eu, que sabia
que a treva era um instante e o sol ressurgiria!

A natureza tem desses fundos mistérios...
Sei que uma sepultura é o nada, a eterna paz,
e entretanto, meu Deus! não me sinto capaz
de penetrar sozinho, à noite, em cemitérios!

Segredos que a razão não nos explica: o caso
é que eu participei da amargura do ocaso.

Erguendo os braços nus, despidos pelo outono,
o arvoredo guardava atitudes de prece.
O silêncio rezava. Era como se houvesse
romarias no espaço. A tarde tinha sono.

Da paisagem subia, espiralando, o incenso
que me fazia ter o coração suspenso.

E estávamos nós dois: eu e minh'alma, ali;
eu sentado, ela em frente; e puz-me a interrogá-la...
Pois embora ela fosse um doente sem fala,
não conto, por pudor, certas coisas que ouvi.

Por Deus Nosso Senhor, que perdi toda a calma!
E haver inda quem negue a existência da alma!

Ai! como foram más, amargas, aziagas,
as horas que passou est'alma combalida!
Mas o instante de horror maior em minha vida
foi quando eu a despi e examinei-lhe as chagas!

Depois, risquei no chão, uns sinais cabalísticos...
Lembrei-me de morrer, e puz-me a escrever dísticos...

Epitáfios assim: "Foi mau, mas morreu cedo".
E havia logo abaixo, um nome de mulher...
(A gente muita vez escreve o que não quer...)
Sepultura e noivado... Estremeci de medo.

Que se a idéia de morte às vezes nos conforta,
apavora-nos ver uma pessoa morta.

E fiquei-me a cismar. Além, a lua triste
tinha molhada em pranto a palidez da face...
(Que bom seria ouvir, se a lua nos contasse,
os romances de amor a que dos céus assiste!)

Não sei por que será que os aspectos de agosto
me convidam à cisma, à hora do sol posto!...


Marcelo Gama
in 'Via Sacra' (1902).

Curiosidades sobre o autor:

Pseudônimo de Possidônio Cezimbra Machado, que nasceu em Mostardas (RS) a 3 de Março de 1878 e morreu no Rio de Janeiro a 7 de Março de 1915.
Poeta Simbolista, membro fundador da Academia Riograndense de Letras.
Teve uma morte insólita: morreu ao cair do bonde em que viajava,dormindo, nos trilhos do Engenho Novo, no Rio de Janeiro.

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