segunda-feira, 27 de outubro de 2008
'V"
(Flor de Laranjeira- Photo by Fernando Campanella)
Dom de maio
- laranjeiras em flor.
Chegam os noivos em asas.
É quando o amor
me estonteia os sentidos
e delicados perfumes têm cor.
F.Campanella
Poema da série 'Efemérides"
'VIII'
'X'
'And O, ye Fountains, Meadows, Hills,...'
And O, ye Fountains, Meadows, Hills, and Groves,
Forebode not any severing of our loves!
Yet in my heart of hearts I feel your might;
I only have relinquished one delight
To live beneath your more habitual sway.
I love the Brooks which down their channels fret,
Even more than when I tripped lightly as they;
The innocent brightness of a new_born Day
Is lovely yet;
The Clouds that gather round the setting sun
Do take a sober colouring from an eye
That hath kept watch o'er man's mortality;
Another race hath been, and other palms are won.
Thanks to the human heart by which we live,
Thanks to its tenderness, its joys, and fears,
To me the meanest flower that blows can give
Thoughts that do often lie too deep for tears.
William Wordsworth (1770-1850) ,
in 'Ode: Intimations of Immortality' from 'Recollections of Early Childhood' .
'In Spring '
See how the trees and the osiers lithe
Are green bedecked and the woods are blithe,
The meadows have donned their cape of flowers,
The air is soft with the sweet May showers,
And the birds make melody:
But the spring of the soul, the spring of the soul,
Cometh no more for you or for me.
The lazy hum of the busy bees
Murmureth through the almond trees;
The jonquil flaunteth a gay, blonde head,
The primrose peeps from a mossy bed,
And the violets scent the lane.
But the flowers of the soul, the flowers of the soul,
For you and for me bloom never again.
Ernest Dowson
in 'The Poems of Ernest Dowson'
'Chanson sans Paroles'
In the deep violet air,
Not a leaf is stirred;
There is no sound heard,
But afar, the rare
Trilled voice of a bird.
Is the wood’s dim heart,
And the fragrant pine,
Incense, and a shrine
Of her coming? Apart,
I wait for a sign.
What the sudden hush said,
She will hear, and forsake,
Swift, for my sake,
Her green, grassy bed:
She will hear and awake!
She will hearken and glide,
From her place of deep rest,
Dove-eyed, with the breast
Of a dove, to my side:
The pines bow their crest.
I wait for a sign:
The leaves to be waved,
The tall tree-tops laved
In a flood of sunshine,
This world to be saved!
In the deep violet air,
Not a leaf is stirred;
There is no sound heard,
But afar, the rare
Trilled voice of a bird.
Ernest Dowson
domingo, 26 de outubro de 2008
'XII'
Dezembro acende as luzes
em ricos pinheiros de natal.
Mas é naquela árvore
despojada na montanha
ou à beira da estrada
que se agregam bem-te-vis
e tagarelam maritacas.
Mangueira, Santa Bárbara,
Pata-de-vaca
- ao pássaro tanto faz:
folhagens são mimos anônimos.
Eu insisto em um Deus
que se projeta em tronco
e esparrama os braços
para acolher os seus.
F.Campanella
Poema da série 'Efemérides'
Fotografia:(Araucaria columnaris-
POPULAR-pinheiro alemão- Tanembaum)
'PROPÓSITO'
Mais que anseio, ou libelo,
Seja a poesia devoção ,
O que se escuta e se resguarda,
O que das impossibilidades ainda resvala
E dos deuses tem a unção.
Mais que o que me transcende,
O ser ideal,
Seja o poema um desvelo,
O ajuste de um espelho
Um melhor se mirar.
E assim, pespontando meu tecido do mundo,
Ora me apanhe , ora me escape, o verso,
Sem nunca, irrevogavelmente, me deixar.
Ouvido das palavras duras e mansas,
E boca de acordes sem fim,
Seja o poema o saldo
Dos frutos remidos, e ruins,
e mar que me alivia
enquanto vazando de mim.
Meu reino, tenham os versos
O valor dos cânticos de êxtases
E de miséria ,em louvor...
Riso e pena, transubstanciação,
Sombra em luz, e toda intrínseca cor.
Mais que milagre ou dom,
Traga a poesia , malgrado artifício,
O natural ‘per se’,
O fundamento dos orbes,
leveza abismal,
O sonido,
o sal......
(Fernando Campanella, 1986)
sábado, 25 de outubro de 2008
'CREPÚSCULO'
Quando o sol avermelhado
d’água imerge na planura,
e precede a noite obscura
o crepúsculo avermelhado
paira um clarão desmaiado
lutando co’a sombra escura
que desce da curvatura
do firmamento azulado.
Assim, dentro de mim, da Crença
resta um clarão quase frio,
que inda combate a Descrença,
e, nas ânsias d’esta luta,
- qual crepúsculo sombrio,
hoje a Dúvida me enluta ...
Medeiros e Albuquerque
in 'Canções de Decadência e outros Poemas'1.887-
'AS ESTRELAS DO LAGO'
Havia, ontem à noite, tanta estrela
A tremer, a luzir n’água do lago,
Que eu pensei que era o céu
Que, por artes de algum mago,
Tinha descido à terra, de repente! ...
Parei-me junto ao lago, contemplando ...
E as estrelas, uma a uma,
Como espuma,
À flor d’água tremiam, refulgiam ...
Mas pouco a pouco foram reduzindo
O seu brilho,
E desapareceram ...
Olhei o céu: Lá estavam todas elas
A tremer, a brilhar! ...
Por certo riam
Da minha ingênua confusão ...
Que importa! ...
As estrelas do céu também se apagam.
Poeta:
Terra e céu cabem juntos
Dentro do mesmo sonho e da mesma ilusão ...
Emilio Kemp
in 'Cantos de Amor ao Céu e à Terra'1943-
'NUMA ESTRANHA ALAMEDA ...'
Numa estranha alameda, à luz magoada e fria
de roxo plenilúnio e onde ninguém passasse,
numa estranha alameda é que eu desejaria
que minha pobre vida em breve me deixasse ...
Como se ensombra a alma esta melancolia!
Como seria bom que esse instante chegasse!
Numa estranha alameda, após suave agonia,
sem hissope, sem cruz, sem requiescat in pace ...
Na quietude feral das noites estreladas
sonharia, feliz, meus sonhos de outros mundos,
tendo perto de mim, como guardas paradas,
dois renques laterais de palmeiras sem palmas,
altas, quase tocando o azul dos céus profundos,
para onde embalde voa a esperança das almas ...
José Lannes
in Candeia – l.948.
'TRISTEZA'
Eu amo a noite com seu manto escuro
De tristes goivos coroada a fronte
Amo a neblina que pairando ondeia
Sobre o fastígio de elevado monte.
Amo nas plantas, que na tumba crescem,
De errante brisa o funeral cicio:
Porque minh’alma, como a sombra, é triste,
Porque meu seio é de ilusões vazio.
Amo a desoras sob um céu de chumbo,
No cemitério de sombria serra,
O fogo-fátuo que a tremer doideja
Das sepulturas na revolta terra.
Amo ao silêncio do ervaçal partido
De ave noturna o funerário pio,
Porque minh’alma, como a noite, é triste,
Porque meu seio é de ilusões vazio.
Amo do templo, nas soberbas naves,
De tristes salmos o troar profundo;
Amo a torrente que na rocha espuma
E vai do abismo repousar no fundo.
Amo a tormenta, o perpassar dos ventos,
A voz da morte no fatal parcel,
Porque minh’alma só traduz tristeza,
Porque meu seio se abrevou de fel.
Amo o corisco que deixando a nuvem
O cedro parte da montanha, erguido,
Amo do sino, que por morto soa,
O triste dobre na amplidão perdido.
Amo na vida de miséria e lodo,
Das desventuras o maldito seio,
Porque minh’alma se manchou de escárnios,
Porque meu seio se cobriu de gelo.
Amo o furor do vendaval que ruge,
Das asas negras sacudindo o estrago;
Amo as metralhas, o bulcão de fumo,
De corvo as tribos em sangrento lago.
Amo do nauta o doloroso grito
Em frágil prancha sobre mar de horrores,
Porque meu seio se tornou de pedra,
Porque minha’alma descorou de dores.
O céu de anil, a viração fagueira,
O lago azul que os passarinhos beijam,
A pobre choça do pastor no vale,
Chorosas flores que ao sertão vicejam,
A paz, o amor, a quietação e o riso
A meus olhares não têm mais encanto,
Porque minh’alma se despiu de crenças,
E do sarcasmo se embuçou no manto.
Fagundes Varela
In ‘Vozes da América’ (1864)
quinta-feira, 23 de outubro de 2008
'Póstuma'
Noite fechada, lúgubre, sombria.
Céu escuro, tristíssimo, nevoento,
Relâmpagos, trovões, água, invernia
E vento e chuva, e chuva e muito vento!
Abro um pouco a janela, úmida e fria;
Quedo a ver e a escutar, por um momento
O rugido feroz da ventania
E o rasgar dos fuzis no firmamento.
Quero vê-la no céu... e o céu escuro!
E, sem temer que chova e o vento açoite,
Abro mais a janela... abro, e murmuro:
Ah! talvez acalmasse o meu tormento,
— Se eu pudesse chorar, como esta noite!
— Se eu pudesse gemer, como este vento!
Raul Machado
(Paraíba-1891-1954)
'A VIDA'
Eis a Vida: seguir umas quimeras vagas,
lançando a mão em sangue aos cardos e aos espinhos
rolar no pó; gemer; deixar pelos caminhos
mil farrapos de carne e o sangue de mil chagas;
sorver o horrendo fel que anda em todos os vinhos,
o veneno que jaz em todas as teriagas;
persistir, todavia, entre as chufas e as pragas
dos que vão, a ulular, por trilhos convizinhos;
chegar, enfim, exausto, ao fastígio da idade,
ver desfeito o jardim de encanto que sonhamos,
cair desfalecido e - supremo revés -
olhando para trás, ver que a felicidade
ficou além, no vale, onde, espectros, passamos,
ficou além, na flor que calcamos aos pés...
Amadeu Amaral
in 'Poesias',1931
.
sábado, 18 de outubro de 2008
'OUTONO'
Outono!
Qualquer coisa lilás,
Schumann em violino,
Ângelus tangido em lentidões de sino...
Preguiçoso torpor de um fim de sono.
Espelho de água quieta dos canais!
Cá dentro, a idade,
restos de sonho e de mocidade;
trechos dispersos
de velhas ambições falhas na vida,
parcelas de antigas ilusões
que ainda, a custo, concentro
e invoco até agora!
Lá fora, a descida.
O crepúsculo inócuo destes dias,
a tristeza das folhas amarelas,
e a cantar sobre estas ruínas frias,
a monótona toada de meus versos.
Desce, Poeta!
A descida é suave...
Não te demanda rigidez de músculos
e nem exige que teu passo apresses...
A natureza é quieta,
da ingênua quietação de um sonho de ave,
e há paina nos crepúsculos...
No outono a luz é um eterno poente,
que mais à calma que ao rumor se ajeita;
Brilha, tão de manso e calma,
que até parece unicamente feita
para o estado d'Alma
de um convalescente.
Mário Pederneiras
in 'Outono"-1.921-
'COMO A ALMA'
Cai a chuva de alma leve
nas ribeiras de alma fria.
Cala a ave o canto breve
cala a flor e o fim do dia.
Tanto faz a chuva esteja
só na aragem do jardim.
Essa brisa que me beija
fica bem dentro de mim.
Cai a noite e seu trajeto
vira alfombra enluarada
como a mágica do afeto
nos olhos da namorada.
Cai a aurora e vai a lua
no meu sonho rotineiro
de ficar minh’alma nua
no calor do travesseiro.
Cai a chuva e cai a vida
onde cai tanta saudade.
E minh’alma anoitecida
é uma eterna claridade!
Afonso Estebanez
(Poema dedicado a Giannina Costa
– passageira do feliz amanhecer)
'VÍCIO'
(Rita Hayworth, foto do filme 'Gilda')
A beleza
era um ofício
daquela rosa
tão bela.
Que ser bela
é como vício
do ofício
da primavera...
Beleza tanta
era um vício
daquela mulher
tão bela.
Que ser bela
é como o ofício
do vício
da primavera...
Tua beleza
até parece
o início
da primavera
de ser bela
só por vício
do ofício
de ser tão bela...
Afonso Estebanez
sexta-feira, 17 de outubro de 2008
'LIFE'
Let me but live my life from year to year,
With forward face and unreluctant soul;
Not hurrying to, nor turning from the goal;
Not mourning for the things that disappear
In the dim past, nor holding back in fear
From what the future veils; but with a whole
And happy heart, that pays its toll
To Youth and Age, and travels on with cheer.
So let the way wind up the hill or down,
O'er rough or smooth, the journey will be joy:
Still seeking what I sought when but a boy,
New friendship, high adventure, and a crown,
My heart will keep the courage of the quest,
And hope the road's last turn will be the best.
Henry Van Dyke
'Water Lily'
My whole life is mine, but whoever says so
will deprive me, for it is infinite.
The ripple of water, the shade of the sky
are mine; it is still the same, my life.
No desire opens me: I am full,
I never close myself with refusal-
in the rythm of my daily soul
I do not desire-I am moved;
by being moved I exert my empire,
making the dreams of night real:
into my body at the bottom of the water
I attract the beyonds of mirrors...
Rainer M. Rilke
Translated by A. Poulin
'A Prayer in Spring'
Oh, give us pleasure in the flowers to-day;
And give us not to think so far away
As the uncertain harvest; keep us here
All simply in the springing of the year.
Oh, give us pleasure in the orchard white,
Like nothing else by day, like ghosts by night;
And make us happy in the happy bees,
The swarm dilating round the perfect trees.
And make us happy in the darting bird
That suddenly above the bees is heard,
The meteor that thrusts in with needle bill,
And off a blossom in mid air stands still.
For this is love and nothing else is love,
The which it is reserved for God above
To sanctify to what far ends He will,
But which it only needs that we fulfil.
Robert Frost
Je ne veulx point fouiller au seing de la nature,
Je ne veulx point chercher l'esprit de l'univers,
Je ne veulx point sonder les abysmes couvers,
Ny desseigner du ciel la belle architecture.
Je ne peins mes tableaux de si riche peinture,
Et si hauts argumens ne recherche à mes vers,
Mais suivant de ce lieu les accidents divers
Soit- de bien, soit de mal, j'escris à l'adventure.
Je me plains à mes vers, si j'ay quelque regret,
Je me ris avec eulx, je leur dy mon secret,
Comme estans de mon coeur les plus seurs secretaires.
Aussi ne veulx-je tant les pigner & friser,
Et de plus braves noms ne les veulx deguiser,
Que de papiers journaulx, ou bien de commentaires.
Joachim Du Bellay
'Le miroir brisé'
Le petit homme qui chantait sans cesse
le petit homme qui dansait dans ma tête
le petit homme de la jeunesse
a cassé son lacet de soulier
et toutes les baraques de la fête
tout d'un coup se sont écroulées
et dans le silence de cette fête
j'ai entendu ta voix heureuse
ta voix déchirée et fragile
enfantine et désolée
venant de loin et qui m'appelait
et j'ai mis ma main sur mon coeur
où remuaient
ensanglantés
les septs éclats de glace de ton rire étoilé.
Jacques Prévert
terça-feira, 14 de outubro de 2008
'DA SAUDADE'
A natureza da saudade é ambígua:
associa sentimentos de solidão e
tristeza – mas, iluminada pela memória,
ganha contorno e expressão de felicidade.
Quando Garrett a definiu como “delicioso
pungir de acerbo espinho”,
estava realizando a fusão desses dois
aspectos opostos na fórmula feliz de
um verso romântico.
Em geral, vê-se na saudade o
sentimento de separação e distância
daquilo que se ama e não se tem.
Mas todos os instantes da nossa vida
não vão sendo perda, separação e
distância?
O nosso presente, logo que alcança
o futuro, já o transforma em passado.
A vida é constante perder. A vida é,
pois, uma constante saudade.
Há uma saudade queixosa: a que
desejaria reter, fixar, possuir.
Há uma saudade sábia, que deixa as
coisas passarem , como se não
passassem. Livrando-as do tempo,
salvando a sua essência da eternidade.
É a única maneira, aliás, de lhes dar
permanência: imortalizá-las em amor.
O verdadeiro amor é, paradoxalmente,
uma saudade constante, sem egoísmo nenhum.
Cecília Meireles
(1.901-1.964)
Rio de Janeiro
'SONHOS MORTOS'
Tive sonhos azuis, na mocidade,
Que vinham, como pássaros em festa,
Encher-me o seio – um canto de floresta –
De gratos sons, de viva alacridade.
Mas um dia a cruel realidade
Pôs-lhes em cima a rude mão funesta
E exterminou-os... Nenhum mais me resta
Na minha negra e triste soledade.
Hoje o meu seio inerte, mudo e frio,
Se converte em túmulo sombrio
Por sobre o qual gementes e tristonhos,
Alvejantes fantasmas se debruçam:
São as meigas saudades que soluçam
Sobre o jazigo eterno dos meus sonhos.
Pe Antonio Thomaz
in ‘Sonetos”
(1.868-1.941)
'Teimosia'
Se tenho um fio de esperança, um sonho teço,
para abrigar o sofrimento da saudade;
tantas laçadas - já nem sei fim ou começo,
qual se o agora fosse a própria eternidade.
Em cada malha de ilusão sutil, me aqueço,
talvez se acalme esse tormento que me invade;
ponto por ponto, pago sempre um alto preço,
meu fado é rude, sem mercê, sem caridade.
Hora após hora, passa o tempo, vai-se o dia,
a noite agita mil lembranças, me agonia...
Verso e reverso a tricotar, não esmoreço.
Então, de um fio de esperança... Um sonho teço!
No aqui, no agora, ou bem além do que se vê,
em cada ponto estou mais perto de você.
Patricia Neme
'CREPÚSCULO'
Alada, corta o espaço uma estrela cadente.
As folhas fremem. Sopra o vento. A sombra avança.
Paira no ar um langor de mística esperança
E de doçura triste, inexprimivelmente.
À surdina da luz irrompe, de repente,
O coro vesperal das cigarras. E mansa,
E marmórea, no céu, curvo e claro, balança
Entre nuvens de opala, a concha do crescente.
Na alma, como na terra, a noite nasce. É quando,
Da recôndita paz das horas esquecidas,
Vão, ao luar da saudade, os sonhos acordando ...
E, na torre do peito, em plácidas batidas,
Melancolicamente, o coração pulsando,
Plange o réquiem de amor das ilusões perdidas.
Martins Fontes
(1884-1937)
Santos-SP
sábado, 11 de outubro de 2008
'NEVE'
Hei de sentir uma ternura grave,
Qualquer cousa de pausa na descida,
Quando te surpreender compondo, suave,
A bela cabeleira embranquecida.
Talvez o outono seja a grande chave
Perfeita e luminosa desta vida,
Em que, mãos postas, murmuramos — Ave,
Ventura, colho-te amadurecida! —
Há, no outono, um sabor de cachos de uvas
Que provamos, tranqüilos, só de vê-los
Rebrilhantes, lavados pelas chuvas.
Deve ser muito doce e manso, ainda,
Sorridente, ao tocar os teus cabelos,
Dizer-te: Como a neve te faz linda!
Oliveira e Silva
(Recife-1897)
Sobre o autor:
Francisco de Oliveira e Silva
Escrevia com o nome Oliveira e Silva.
Magistrado e escritor, nasceu no Recife, em 1897. Foi promotor público em Santa Catarina e juiz e desembargador no Rio de Janeiro. Publicou vários livros (jurídicos e de ficção), entre os quais: "Julgamentos Fictícios - Psicologia Criminal"; "Orquídea" (romance); "Sonata poética" (poesias); "D. Quixote e Carlitos" (ensaio); "Um Homem se Confessa" (memórias).
Marcadores:
Francisco de Oliveira e Silva
sexta-feira, 10 de outubro de 2008
'Sugestões do Ocaso'
Não sei por que será que os aspectos de agosto
me convidam à cisma à hora do sol posto!
Ontem fazia frio, era roxo o arrebol,
e céus e terra e tudo, as árvores e as águas,
pareciam estar carpindo as suas mágoas...
Choravam de saudade, ao ver partir o sol.
E eu também fiquei triste, até eu, que sabia
que a treva era um instante e o sol ressurgiria!
A natureza tem desses fundos mistérios...
Sei que uma sepultura é o nada, a eterna paz,
e entretanto, meu Deus! não me sinto capaz
de penetrar sozinho, à noite, em cemitérios!
Segredos que a razão não nos explica: o caso
é que eu participei da amargura do ocaso.
Erguendo os braços nus, despidos pelo outono,
o arvoredo guardava atitudes de prece.
O silêncio rezava. Era como se houvesse
romarias no espaço. A tarde tinha sono.
Da paisagem subia, espiralando, o incenso
que me fazia ter o coração suspenso.
E estávamos nós dois: eu e minh'alma, ali;
eu sentado, ela em frente; e puz-me a interrogá-la...
Pois embora ela fosse um doente sem fala,
não conto, por pudor, certas coisas que ouvi.
Por Deus Nosso Senhor, que perdi toda a calma!
E haver inda quem negue a existência da alma!
Ai! como foram más, amargas, aziagas,
as horas que passou est'alma combalida!
Mas o instante de horror maior em minha vida
foi quando eu a despi e examinei-lhe as chagas!
Depois, risquei no chão, uns sinais cabalísticos...
Lembrei-me de morrer, e puz-me a escrever dísticos...
Epitáfios assim: "Foi mau, mas morreu cedo".
E havia logo abaixo, um nome de mulher...
(A gente muita vez escreve o que não quer...)
Sepultura e noivado... Estremeci de medo.
Que se a idéia de morte às vezes nos conforta,
apavora-nos ver uma pessoa morta.
E fiquei-me a cismar. Além, a lua triste
tinha molhada em pranto a palidez da face...
(Que bom seria ouvir, se a lua nos contasse,
os romances de amor a que dos céus assiste!)
Não sei por que será que os aspectos de agosto
me convidam à cisma, à hora do sol posto!...
Marcelo Gama
in 'Via Sacra' (1902).
Curiosidades sobre o autor:
Pseudônimo de Possidônio Cezimbra Machado, que nasceu em Mostardas (RS) a 3 de Março de 1878 e morreu no Rio de Janeiro a 7 de Março de 1915.
Poeta Simbolista, membro fundador da Academia Riograndense de Letras.
Teve uma morte insólita: morreu ao cair do bonde em que viajava,dormindo, nos trilhos do Engenho Novo, no Rio de Janeiro.
'A Cegonha'
Em solitária, plácida cegonha
Imersa num cismar ignoto e vago,
Num fim de ocaso, à beira azul de um lago,
Sem tristeza, quem há que os olhos ponha?
Vendo-a, Senhora, vossa mente sonha
Talvez, que o conde de um palácio mago,
Loura fada perversa, em tredo afago,
Mudou nessa pernalta erma e tristonha.
Mas eu, que em prol da Luz do pétreo, denso
Do Ser ou do Não-Ser tento a escalada,
Qual morosa, tenaz, paciente lesma,
Ao vê-la assim, mirar-se n’água, penso
Ver a Dúvida humana debruçada
Sobre a angústia infinita de si mesma!
Aníbal Teófilo
(1873-1915)
Curiosidades sobre o autor:
Aníbal Teófilo de Ladislau y Silva de Figueiredo y Melo de Giron de Torres y Espinosa
Pseudônimo: Aníbal Teófilo, poeta e militar brasileiro, nascido na Fortaleza de Humaitá, Paraguai- em 21 de julho de 1873, falecido no Rio de Janeiro (assasinado pelo também escritor Gilberto Amado) em 19 de junho de 1915-
Referência de Edgar Rezende (Academia fluminense de letras) Setembro 1945. "Os mais Belos Sonetos brasileiros' pag. 129-
Conforme referência de Afrânio Coutinho em sua "Enciclopédia de literatura brasileira" o local de nascimento do poeta seria a cidade de Humaitá no Rio Grande do Sul-
"Filosofia'
“A nossa pobre vida nos ilude:
— A maior alegria ainda é pequena,
guarda no âmago, um gérmen que envenena:
porque jamais atinge a plenitude...
Eis que enfim a Renúncia nos acena
e diz: — Eu sou a máxima virtude.
Só é feliz o que se desilude,
e tem, ante o mistério, a alma serena.
Mas a vida nos foge...e é quando basta,
para na dor cruel que nos devasta,
nesta insidiosa e trágica incerteza,
gozarmos nossa mísera alegria,
ainda a mais ilusória e fugidia,
com uma ansiedade, que já é tristeza...”
José Lannes
(RJ-1895-SP-1956)
'Griet'
"Flores Noturnas'
(Cryptocereus anthonyanus- Dama da noite perfumada)
Na eterna paz das noites silenciosas
E por onde estrelas glaciais florescem,
Pelas excelsas aras luminosas
Dos céus azuis, brancas neblinas descem.
Cristalinas hosanas langorosas
Na boca dos arcanjos desfalecem.
E num concerto de harpas misteriosas
Lótus de amor pela amplidão fenecem.
Todo o paul da terra se perfuma
E desabrocha no éter e na bruma
A gestação das flores imortais.
E, do mar das angústias e das ânsias,
As nossas almas bóiam nas distâncias
Das remotas paragens siderais.
Gonçalo Jácome
(1875-1943)
in “Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro”
quarta-feira, 8 de outubro de 2008
"Epitalâmio"
Apenas as gotas de chuva: compassadas e mansas.
A folhagem, lá fora, adormeceu feliz.
Despertando na relva, cantam grilos baixinhos.
A confidência da chuva, a confidência dos grilos,
Tudo que vem da noite é surdina e doçura.
Certeza não direi, mas direi: esperança.
Deves pensar em mim neste momento mesmo.
Teu pensamento é o meu, tua esperança é a minha.
Através do espaço, não é verdade? as nossas mãos
Estão apertadas, em segredo.
E que o melhor de nós habita na distância
Que nos separa.
Ribeiro Couto
in Apresentação da poesia brasileira"
(1898-1963)
'SEXTA ROSA DE DELOS'
De tanto perder lembranças
relembrar deixou-me assim:
deslembrado de esperanças
que se esqueceram de mim.
Perdi os passos das danças
entre andanças do sem-fim
como os olhos das crianças
nos olhos de um querubim.
Um dia eu quis te esquecer
ô, rosa! – meu bem-querer
entre os espinhos da sorte.
Mas fui canto e passarinho
no aconchego de teu ninho
onde me esqueci da morte.
Afonso Estebanez
(Out.05.2008)
sábado, 4 de outubro de 2008
'QUINTA ROSA DE DELOS'
Hoje em dia ninguém diz mais: eu te amo!
porque convém que apaguem da memória
as lembranças do amor que algum engano
transformou em rascunho alguma história.
Então por quem dizer que ainda me ufano
de morrer-me de amor mesmo sem glória
se o que era sacro vem-me então profano
por quem a renascença é mais simplória?
Sempre cuidei transpor versões proibidas
contra os padrões formais das permitidas
que eu das paixões não descuidei jamais.
Mas os padrões de amor foram vencidos.
Transponho então as flores dos sentidos
e ‘te amo’ entre as roseiras dos quintais!
Afonso Estebanez
(Out.02.2008)
sexta-feira, 3 de outubro de 2008
'TÃO FUNDO O SILÊNCIO'
quarta-feira, 1 de outubro de 2008
'ESTOY TRISTE, Y MIS OJOS NO LLORAN'
Estoy triste, y mis ojos no lloran
y no quiero los besos de nadie;
mi mirada serena se pierde
en el fondo callado del parque.
¿Para qué he de soñar en amores
si está oscura y lluviosa la tarde
y no vienen suspiros ni aromas
en las rondas tranquilas del aire?
Han sonado las horas dormidas;
está solo el inmenso paisaje;
ya se han ido los lentos rebaños;
flota el humo en los pobres hogares.
Al cerrar mi ventana a la sombra,
una estrena brilló en los cristales;
estoy triste, mis ojos no lloran,
¡ya no quiero los besos de nadie!
Soñaré con mi infancia: es la hora
de los niños dormidos; mi madre
me mecía en su tibio regazo,
al amor de sus ojos radiantes;
y al vibrar la amorosa campana
de la ermita perdida en el valle,
se entreabrían mis ojos rendidos
al misterio sin luz de la tarde...
Es la esquila; ha sonado. La esquila
ha sonado en la paz de los aires;
sus cadencias dan llanto a estos ojos
que no quieren los besos de nadie.
¡Que mis lágrimas corran! Ya hay flores,
ya hay fragancias y cantos; si alguien
ha soñado en mis besos, que venga
de su plácido ensueño a besarme.
Y mis lágrimas corren... No vienen...
¿Quién irá por el triste paisaje?
Sólo suena en el largo silencio
la campana que tocan los ángeles.
Juan Jamón Jiménez
¡QUÉ TRISTEZA DE OLOR A JAZMÍN!
(Quisqualis indica)- Jasmim da India)
¡Qué tristeza de olor de jazmín! El verano
torna a encender las calles y a oscurecer las casas,
y, en las noches, regueros descendidos de estrellas
pesan sobre los ojos cargados de nostalgia.
En los balcones, a las altas horas, siguen
blancas mujeres mudas, que parecen fantasmas;
el río manda, a veces, una cansada brisa,
el ocaso, una música imposible y romántica.
La penumbra reluce de suspiros; el mundo
se viene, en un olvido mágico, a flor de alma;
y se cogen libélulas con las manos caídas,
y, entre constelaciones, la alta luna se estanca.
¡Qué tristeza de olor de jazmín! Los pianos
están abiertos; hay en todas partes miradas
calientes... Por el fondo de cada sombra azul,
se esfuma una visión apasionada y lánguida.
Juan Jamón Jimenéz
Poeta espanhol ganhador do
Premio Nobel de Literatura -1.956-
'AZUL DE TI'
Pensar en ti es azul, como ir vagando
por un bosque dorado al mediodía:
nacen jardines en el habla mía
y con mis nubes por tus sueños ando.
Nos une y nos separa un aire blando,
una distancia de melancolía;
yo alzo los brazos de mi poesía,
azul de ti, dolido y esperando.
Es como un horizonte de violines
o un tibio sufrimiento de jazmines
pensar en ti, de azul temperamento.
El mundo se me vuelve cristalino,
y te miro, entre lámparas de trino,
azul domingo de mi pensamiento.
Eduardo Carranza
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