sábado, 25 de abril de 2009
Vaga, no azul amplo solta
Vaga, no azul amplo solta,
Vai uma nuvem errando.
O meu passado não volta.
Não é o que estou chorando.
O que choro é diferente.
Entra mais na alma da alma.
Mas como, no céu sem gente,
A nuvem flutua calma,
E isto lembra uma tristeza
E a lembrança é que entristece,
Dou à saudade a riqueza
De emoção que a hora tece.
Mas, em verdade, o que chora
Na minha amarga ansiedade
Mais alto que a nuvem mora,
Está para além da saudade.
Não sei o que é nem consinto
À alma que o saiba bem
Visto da dor com que minto
Dor que a minha alma tem.
20-3-1931
Fernando Pessoa
Poesias-Lisboa: Ática, 1942 (15ª ed. 1995)
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