segunda-feira, 29 de dezembro de 2008
'Metamorfose'
No combate entre o gelo e o fogo
A vida universal desdobra-se em ciclos
No espaço de mil séculos.
Tomamos consciência do cósmico,
Tentamos ligações com o espírito há muito abatido
E a alma afunda em dimensões pulverizadas.
Dá-se a recuperação das espécies rejeitadas,
O achado do perdido não procurado.
Do implacável e do flamejante
O universo não está terminado.
Há mutações silenciosas em cada instante que soçobra
E que só percebemos da metamorfose de mil em mil séculos.
Somos casulos pendurados nas folhas de árvores sem nome,
Casulos à espera da metamorfose cíclica do tempo.
Adalgisa Nery
In 'Erosão'
1974
Como é por dentro outra pessoa ...
(René Magritte)
Como é por dentro outra pessoa
Quem é que o saberá sonhar?
A alma de outrem é outro universo
Como que não há comunicação possível,
Com que não há verdadeiro entendimento.
Nada sabemos da alma
Senão da nossa;
As dos outros são olhares,
São gestos, são palavras,
Com a suposição de qualquer semelhança
No fundo.
Fernando Pessoa
in "Poesias Inéditas"
1934
sexta-feira, 26 de dezembro de 2008
'PASSANDO...'
(Photo by Fernando Campanella)
Por entre a louca multidão ruidosa,
que a seus pés se agitava doidamente,
erguia a calma fronte majestosa
a altiva estátua do guerreiro ingente.
Um dia veio a guerra... Ímpia, sacrílega,
mão estrangeira num furor infando
fê-la rolar partida, enquanto as turbas
riam, passando...
O ipê robusto sacudia os galhos,
onde cantava a música dos ninhos;
dos céus bebia os matinais orvalhos
ensombrando as alfombras dos caminhos.
Um lenhador chegou. Os ramos da árvore
caíram todos a seu forte mando...
Hoje, no chão deserto, as feras rudes
Seguem, passando...
Tudo passa no Mundo, no Universo...
Tudo segue seu rumo inevitável...
No mar, na terra, na amplidão, disperso,
nada perdura eternamente estável.
Prantos de dor, invocações ou súplicas,
quem pode desviar a Sorte, quando,
quando a roda fatal nos toma e leva,
leve, passando!
Não! Ninguém nos detém... Lábios de virgem,
sonhos nobres de louros e de glória,
nada detém na intérmina vertigem
o turbilhão da vida transitória.
Ó crianças que amais! Ó almas cândidas,
que acreditais no afeto amigo e brando,
não busqueis ilusões... O amor mais forte
morre, passando...
Medeiros de Alburqueque
In: Canções da Decadência e Outros Poemas
terça-feira, 23 de dezembro de 2008
Paisagem Noturna
A sombra imensa, a noite infinita enche o vale . . .
E lá do fundo vem a voz
Humilde e lamentosa
Dos pássaros da treva. Em nós,
— Em noss'alma criminosa,
O pavor se insinua . . .
Um carneiro bale.
Ouvem-se pios funerais.
Um como grande e doloroso arquejo
Corta a amplidão que a amplidão continua . . .
E cadentes, metálicos, pontuais,
Os tanoeiros do brejo,
— Os vigias da noite silenciosa,
Malham nos aguaçais.
Pouco a pouco, porém, a muralha de treva
Vai perdendo a espessura, e em breve se adelgaça
Como um diáfano crepe, atrás do qual se eleva
A sombria massa
Das serranias.
O plenilúnio via romper . . . Já da penumbra
Lentamente reslumbra
A paisagem de grandes árvores dormentes.
E cambiantes sutis, tonalidades fugidias,
Tintas deliqüescentes
Mancham para o levante as nuvens langorosas.
Enfim, cheia, serena, pura,
Como uma hóstia de luz erguida no horizonte,
Fazendo levantar a fronte
Dos poetas e das almas amorosas,
Dissipando o temor nas consciências medrosas
E frustrando a emboscada a espiar na noite escura,
— A Lua
Assoma à crista da montanha.
Em sua luz se banha
A solidão cheia de vozes que segredam . . .
Em voluptuoso espreguiçar de forma nua
As névoas enveredam
No vale. São como alvas, longas charpas
Suspensas no ar ao longe das escarpas.
Lembram os rebanhos de carneiros
Quando,
Fugindo ao sol a pino,
Buscam oitões, adros hospitaleiros
E lá quedam tranqüilos ruminando . . .
Assim a névoa azul paira sonhando . . .
As estrelas sorriem de escutar
As baladas atrozes
Dos sapos.
E o luar úmido . . . fino . . .
Amávico . . . tutelar . . .
Anima e transfigura a solidão cheia de vozes . . .
Manuel Bandeira
"Os meus pensamentos foram-se afastando de mim, mas, chegado a um caminho acolhedor, rejeito os tumultuosos pesares e detenho-me, de olhos fechados, enervado num aroma de afastamento que eu próprio fui conservando, na minha pequena luta contra a vida. Só vivi ontem.
(...)
Ontem é uma árvore de longas ramagens, e estou estendido à sua sombra, recordando.
De súbito, contemplo, surpreendido, longas caravanas de caminhantes... Com os olhos adormecidos na recordação, entoam canções e recordam. E algo me diz que mudaram para se deter, que falaram para se calar, que abriram os olhos atônitos ante a festa das estrelas para os fechar e recordar...
Estendido neste novo caminho, com os olhos ávidos florescidos de afastamento, procuro em vão interceptar o rio do tempo que tremula sobre as minhas atitudes. Mas a água que consigo recolher fica aprisionada nos tanques ocultos do meu coração em que amanhã terão de se submergir as minhas velhas mãos solitárias..."
(Pablo Neruda, in "Nasci para Nascer")
quarta-feira, 17 de dezembro de 2008
'OH TIERRA, ESPÉRAME '
Vuélveme oh sol
a mi destino agreste,
lluvia del viejo bosque,
devuélveme el aroma y las espadas
que caían del cielo,
la solitaria paz de pasto y piedra,
la humedad de las márgenes del río,
el olor del alerce,
el viento vivo como un corazón
latiendo entre la huraña muchedumbre
de la gran araucaria.
Tierra, devuélveme tus dones puros,
las torres del silencio que subieron
de la solemnidad de sus raíces:
quiero volver a ser lo que no he sido,
aprender a volver desde tan hondo
que entre todas las cosas naturales
pueda vivir o no vivir: no importa
ser una piedra más, la piedra oscura,
la piedra pura que se lleva el río.
Pablo Neruda
De Memorial de Isla Negra [1964], Buenos Aires,
Losada, 1964; cuatrena edizión, 1978, p. 207.
'LA NOCHE EN ISLA NEGRA'
Antigua noche y sal desordenada
golpean las paredes de mi casa:
sola es la sombra, el cielo
es ahora el latido del océano,
y cielo y sombra estallan
con fragor de combate desmedido:
toda la noche luchan,
nadie conoce el peso
de la cruel claridad que se irá abriendo
como una torpe fruta:
así nasce en loa costa,
de la furiosa sombra, el alba dura,
mordida por la sal en movimiento,
barrida por el peso de la noche,
ensangrentada en su cráter marino.
Pablo Neruda,
in: "Memorial de Isla Negra"
A tinta preta que baila no papel
garante a eternidade do que empunha
o objecto dançarino e frio
(julgava eu uma dia, ou simplesmente
fingia acreditar). A tinta
de qualquer cor e o papel
ou ferro onde se inscreva
passam voláteis como os dedos
cheios de intenções e como
o som do cuco três vezes repetido.
Ao silêncio seguinte ninguém sequer
responde, pois não sabe
ter havido um som, uma verdade, um antes.
Pedro Tamen
In ‘Memória Indescritível’ (2000)
terça-feira, 16 de dezembro de 2008
'ESPERANÇA'
Eis a aliada do amor, que volta, verde e mansa,
Mal a um sonho que morre ouve o extremo queixume:
E não tarda que da alma em cinzas, e esta aliança,
Nova Phenix, um novo Ideal surja e se emplume.
Desejo! Que te baste apenas o perfume
Das flores da ilusão que o braço não alcança.
Esperar! Quantos bens a esperança presume!
Esperança ... Derrota ... Ironia ... Esperança ...
E em vão, para imergi-la, o mar brame e retumba:
Nuvem sempre distante, ela acompanha a vida,
Do sorriso do berço à lagrima da tumba.
E quando a alma, afinal, triste e desiludida,
Treme, no horror do mundo ao qual o corpo a chumba,
A suprema esperança arma o braço ao suicida.
Heitor Lima
in 'Primeiros Poemas'
'Saudade'
A saudade é uma andorinha,
mas uma andorinha estranha:
quando, num peito se aninha,
as outras não acompanha…
Saudade – coisa que a gente
não explica nem traduz;
faz do passado, presente,
e traz sombras, sendo luz…
Saudade – febre que a gente
sem querer, pode apanhar,
nunca mata de repente,
vai matando, devagar…
Saudade – a princípio é pena
que nos deixa uma partida;
depois é dor que condena
a morrer dentro da vida…
se é triste sentir saudade,
muita saudade de alguém,
maior infelicidade
é não tê-la de ninguém.
Yde Schloenbach Blumenschein
(Colombina)
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Yde Schloenbach Blumenschein
'Quando eu partir...'
Quando eu partir, quando eu partir de novo,
A alma e o corpo unidos,
Num último e derradeiro esforço de criação;
Quando eu partir...
Como se um outro ser nascesse
De uma crisálida prestes a morrer sobre um muro estéril,
E sem que o milagre lhe abrisse
As janelas da vida...
Então pertencer-me-ei.
Na minha solidão, as minhas lágrimas
Hão-de ter o gosto dos horizontes sonhados na adolescência,
E eu serei o senhor da minha própria liberdade.
Nada ficará no lugar que eu ocupei.
O último adeus virá daquelas mãos abertas
Que hão-de abençoar um mundo renegado
No silêncio de uma noite em que um navio
Me levar para sempre.
Mas ali
Hei-de habitar no coração de certos que me amaram;
Ali hei-de ser eu como eles próprios me sonharam;
Irremediavelmente...
Para sempre
Ruy Cinatti
In ‘Nós Não Somos deste Mundo’ (1941)
terça-feira, 9 de dezembro de 2008
'Bird'
My soul is a scared bird, the highest heaven is nest
Fretting within its body-bars, if finds on earth its nest
When rising from its dusty heap this bird of mine would soar
'Twin find upon the lofty gate the nest it had before
Sidrah would receive my bird, when it has winged its way
And on Empyrean's top, my falcon's foot would stay
Over the ample field of earth is fortune's shadow cast
Where upon wings and pennons borne this bird of mine has passed
No spot in the two worlds it owns, above the sphere its goal
Its body from the quarry is, from "No Place" is its soul
This only in glorious world my bird its splendor shows
Rosy bowers of Paradise its daily food bestows
Khajeh Shamseddin Mohammad Hafiz-s Shirazi
(Chiraz 1325-Id. 1390)
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Khajeh Shamseddin Mohammad Hafiz-s Shirazi
domingo, 7 de dezembro de 2008
É UM NÃO QUERER MAIS QUE BEM QUERER *
I
Gosto de ti apaixonadamente,
De ti que és a vitória, a salvação,
De ti que me trouxeste pela mão
Até ao brilho desta chama quente.
A tua linda voz de água corrente
Ensinou-me a cantar... e essa canção
Foi ritmo nos meus versos de paixão,
Foi graça no meu peito de descrente.
Bordão a amparar minha cegueira,
Da noite negra o mágico farol,
Cravos rubros a arder numa fogueira!
Eu eu, que era neste mundo uma vencida,
Ergo a cabeça ao alto, encaro o Sol!
- Águia real, apontas-me a subida!
Florbela Espanca
*Aos dez sonetos seguintes, numerados de I a X, serve de título este verso de Camões.
Sonetos publicados no livro "Charneca em Flor" 2ª edição,publicação póstuma, Lisboa 1931.
II
Meu amor, meu Amado, vê... repara:
Poisa os teu lindos olhos de oiro em mim,
- Dos meus beijos de amor Deus fez-me avara
Para nunca os contares até ao fim.
Meus olhos têm tons de pedra rara
- É só para teu bem que os tenho assim -
E as minhas mãos são fontes de água clara
A cantar sobre a sede dum jardim.
Sou triste como a folha ao abandono
Num parque solitário, pelo Outono,
Sobre um lago onde vogam nenufares...
Deus fez-me atravessar o teu caminho...
- Que contas dás a Deus indo sózinho,
Passando junto a mim, sem me encontrares?
Florbela Espanca
III
Frémito do meu corpo a procurar-te,
Febre das minhas mãos na tua pele
Que cheira a âmbar, a baunilha e a mel,
Doido anseio dos meus braços a abraçar-te,
Olhos buscando os teus por toda a parte,
Sede de beijos, amargor de fel,
Estonteante fome, áspera e cruel,
Que nada existe que a mitigue e a farte!
E vejo-te tão longe! Sinto a tua alma
Junto da minha, uma lagoa calma,
A dizer-me, a cantar que me não amas...
E o meu coração que tu não sentes,
Vai boiando ao acaso das correntes,
Esquife negro sobre um mar de chamas...
Florbela Espanca
IV
És tu! És tu! Sempre vieste, enfim!
Oiço de novo o riso dos teus passos!
És tu que eu vejo a estender-me os braços
Que Deus criou pra me abraçar a mim!
Tudo é divino e santo visto assim...
Foram-se os desalentos, os cansaços...
O mundo não é mundo: é um jardim!
Um céu aberto: longes, os espaços!
Prende-me toda, Amor, prende-me bem!
Que vês tu em redor? Não há ninguém!
A Terra? - Um astro morto que flutua...
Tudo o que é chama a arder, tudo o que sente,
Tudo o que é vida e vibra eternamente
É tu seres meu, Amor, e eu ser tua!
Florbela Espanca
V
Dize-me, Amor, como te sou querida,
Conta-me a glória do teu sonho eleito,
Aninha-me a sorrir junto ao teu peito,
Arranca-me dos pântanos da vida.
Embriagada numa estranha lida,
Trago nas mãos o coração desfeito.
Mostra-me a luz, ensina-me o preceito
Que me salve e levante redimida!
Nesta negra cisterna em que me afundo,
Sem quimeras, sem crenças, sem ternura,
Agonia sem fé dum moribundo,
Grito o teu nome numa sede estranha,
Como se fosse, Amor, toda a frescura
Das cristalinas águas da montanha!
Florbela Espanca
VI
Falo de ti às pedras das estradas,
E ao sol que é loiro como o teu olhar,
Falo ao rio, que desdobra a faiscar,
Vestidos de Princesas e de Fadas;
Falo às gaivotas de asas desdobradas,
Lembrando lenços brancos a acenar,
E aos mastros que apunhalam o luar
Na solidão das noites consteladas;
Digo os anseios, os sonhos, os desejos
De onde a tua alma, tonta de vitória,
Levanta ao céu a torre dos meus beijos!
E os meus gritos de amor, cruzando o espaço,
Sobre os brocados fúlgidos da glória,
São astros que me tombam do regaço!
Florbela Espanca
VII
São mortos os que nunca acreditaram
Que esta vida é somente uma passagem,
Um atalho sombrio, uma paisagem
Onde os nossos sentidos se poisaram.
São mortos os que nunca alevantaram
De entre escombros a Torre de Menagem
Dos seus sonhos de orgulho e de coragem,
E os que não riram, e os que não choraram.
Que Deus faça de mim, quando eu morrer,
Quando eu partir para o País da Luz,
A sombra calma de um entardecer,
Tombando, em doces pregas de mortalha,
Sobre o teu corpo heróico, posto em cruz,
Na solidão dum campo de batalha!
Florbela Espanca
VIII
Abrir os olhos, procurar a luz,
De coração erguido ao alto, em chama,
Que tudo neste mundo se reduz
A ver os astros cintilar na lama!
Amar o sol da glória e a voz da fama
Que em clamorosos gritos se traduz!
Com misericórdia, amar quem nos não ama,
E deixar que nos preguem numa cruz!
Sobre um sonho desfeito erguer a torre
Doutro sonho mais alto e, se esse morrer,
Mais outro, e outro ainda, toda a vida!
Que importa que nos vençam desenganos,
Se pudermos contar os nossos anos
Assim como degraus duma subida?
Florbela Espanca
IX
Perdi os meus fantásticos castelos
Como névoa distante que se esfuma...
Quis vencer, quis lutar, quis defendê-los:
Quebrei as minhas lanças uma a uma!
Perdi minhas galeras entre os gelos
Que se afundaram sobre um mar de bruma...
- Tantos escolhos! Quem podia vê-los? -
Deitei-me ao mar e não salvei nenhuma!
Perdi a minha taça, o meu anel,
A minha cota de aço, o meu corcel,
Perdi meu elmo de oiro e pedrarias...
Sobem-me aos lábios súplicas estranhas...
Sobre o meu coração pesam montanhas...
Olho assombrada as minhas mãos vazias...
Florbela Espanca
X
Eu queria mais altas as estrelas,
Mais largo o espaço, o Sol mais criador,
Mais refulgente a Lua, o mar maior,
Mais cavadas as ondas e mais belas;
Mais amplas, mais rasgadas as janelas
Das almas, mais rosais a abrir em flor,
Mais montanhas, mais asas de condor,
Mais sangue sobre a cruz das caravelas!
E abrir os braços e viver a vida
- Quanto mais funda e lúgubre a descida,
Mais alta é a ladeira que não cansa!
E, acabada a tarefa... em paz, contente,
Um dia adormecer, serenamente,
Como dorme no berço uma criança!
Florbela Espanca
*Homenagem à poetisa portuguesa, nascida há 114 anos no dia 08/12,
batizada Flor Bela Lobo,
viveu como Florbela d’Alma da Conceição Espanca,
imortalizada como FLORBELA ESPANCA.
*Arte final das fotografias, Regina Helena Siqueira
quarta-feira, 3 de dezembro de 2008
'Chove ? Nenhuma chuva cai..'.
Chove ? Nenhuma chuva cai...
Então onde é que eu sinto um dia
Em que ruído da chuva atrai
A minha inútil agonia ?
Onde é que chove, que eu o ouço ?
Onde é que é triste, ó claro céu ?
Eu quero sorrir-te, e não posso,
Ó céu azul, chamar-te meu...
E o escuro ruído da chuva
É constante em meu pensamento.
Meu ser é a invisível curva
Traçada pelo som do vento...
E eis que ante o sol e o azul do dia,
Como se a hora me estorvasse,
Eu sofro... E a luz e a sua alegria
Cai aos meus pés como um disfarce.
Ah, na minha alma sempre chove.
Há sempre escuro dentro de mim.
Se escuro, alguém dentro de mim ouve
A chuva, como a voz de um fim...
Os céus da tua face, e os derradeiros
Tons do poente segredam nas arcadas...
No claustro seqüestrando a lucidez
Um espasmo apagado em ódio à ânsia
Põe dias de ilhas vistas do convés
No meu cansaço perdido entre os gelos,
E a cor do outono é um funeral de apelos
Pela estrada da minha dissonância...
Fernando Pessoa
In: Cancioneiro
'Chove. Há silêncio, porque a mesma chuva...'
Chove. Há silêncio, porque a mesma chuva
Não faz ruído senão com sossego.
Chove. O céu dorme. Quando a alma é viúva
Do que não sabe, o sentimento é cego.
Chove. Meu ser (quem sou) renego...
Tão calma é a chuva que se solta no ar
(Nem parece de nuvens) que parece
Que não é chuva, mas um sussurrar
Que de si mesmo, ao sussurrar, se esquece.
Chove. Nada apetece...
Não paira vento, não há céu que eu sinta.
Chove longínqua e indistintamente,
Como uma coisa certa que nos minta,
Como um grande desejo que nos mente.
Chove. Nada em mim sente...
Fernando Pessoa
In: Cancioneiro
'O SONHO'
‘Quando o amor morrer’
Quando o amor morrer dentro de ti,
Caminha para o alto onde haja espaço,
E com o silêncio outrora pressentido
Molda em duas colunas os teus braços.
Relembra a confusão dos pensamentos,
E neles ateia o fogo adormecido
Que uma vez, sonho de amor, teu peito ferido
Espalhou generoso aos quatro ventos.
Aos que passarem dá-lhes o abrigo
E o noturno calor que se debruça
Sobra as faces brilhantes de soluços.
E se ninguém vier, ergue o sudário
Que mil saudosas lágrimas velaram;
Desfralda na tua alma o inventário
Do templo onde a vida ora de bruços
A Deus e aos sonho que gelaram.
Ruy Cinatti
domingo, 30 de novembro de 2008
"And this I dreamt, and this I dream"
And this I dreamt, and this I dream,
And some time this I will dream again,
And all will be repeated, all be re-embodied,
You will dream everything I have seen in dream.
To one side from ourselves, to one side from the world
Wave follows wave to break on the shore,
On each wave is a star, a person, a bird,
Dreams, reality, death - on wave after wave.
No need for a date: I was, I am, and I will be,
Life is a wonder of wonders, and to wonder
I dedicate myself, on my knees, like an orphan,
Alone - among mirrors - fenced in by reflections:
Cities and seas, iridescent, intensified.
A mother in tears takes a child on her lap.
Arseni Tarkovski
(Arseny Alexandrovich Tarkovsky-(1.907-1.989)
Se houvesse o eterno instante e a ave
ficasse em cada bater d’asas para sempre,
se cada som de flauta, sussurro de samambaia,
mover, sopro e sombra das menores cousas
não fossem a intuição da morte,
salsa que se parte... Os grilos devorados
não fossem, no riso da relva, a mesma certeza
de que é leve a nossa carne e triste a nossa vida
corporal, faríamos do sonho e do amor
não apenas esta renda serena de espera,
mas um sol sobre dunas e limpo mar, imóvel,
alto, completo, eterno,
e não o pranto humano.
Alberto da Costa e Silva
O incêndio do sol-pôr exala um fumo roxo
Que ás cousas vela a face...
A macerada flor da solidão renasce;
O seu perfume é fria e branda mágoa,
Bruma que já foi água...
Todo sombra e luar esvoaça o mocho;
Uma nuvem enorme, ao longe, no poente
Desvenda o coração que se deslumbra
E abrasa intimamente...
O silencio a crescer, é onda que se espalha...
Sente-se vir o outono; é já noitinha, orvalha...
Nos ermos pinheirais gemem as _noitibós_
E vultos de mulher, sumidos na penumbra,
Passam cantando, além, com lagrimas na voz...
Teixeira de Pascoaes
in "Elegia da solidão"-1.920-
sexta-feira, 28 de novembro de 2008
Escrevo, triste, no meu quarto quieto, sozinho como sempre tenho sido, sozinho como sempre serei. E penso se a minha voz, aparentemente tão pouca coisa, não encarna a substância de milhares de vozes, a fome de dizerem-se de milhares de vidas, a paciência de milhões de almas submissas como a minha ao destino quotidiano, ao sonho inútil, à esperança sem vestígios. Nestes momentos meu coração pulsa mais alto por minha consciência dele. Vivo mais porque vivo maior.
(Bernardo Soares)
(Heterônimo de Fernando Pessoa)
'Elegia'
Nem os
dias longos me separam da tua imagem.
Abro-a no espelho de um céu monótono, ou
deixo que a tarde a prolongue no tédio dos
horizontes. O perfil cinzento da montanha,
para norte, e a linha azul do mar, a sul,
dão-lhe a moldura cujo centro se esvazia
quando, ao dizer o teu nome, a realidade do
som apaga a ilusão de um rosto. Então, desejo
o silêncio para que dele possas renascer,
sombra, e dessa presença possa abstrair a
tua memória.
Nuno Júdice
segunda-feira, 24 de novembro de 2008
'Crepúsculo'
I
Frívolos madrigales de las sutiles rosas
ritman en los jardines las musas de belleza
y comulga en los ritos del alma de las cosas
como una ofrenda triste mi llanto: voz que reza.
En las gamas exóticas de la tarde doliente
finge la luz un iris -raro florecimiento
crepuscular-. Y pasa rozándome la frente
el murciélago sombra en las alas del viento...
La sombra ya penumbra la arena de las sendas,
perfúmanse de rosas los líricos jardines
y reinan en las pantas fabulosas leyendas.
Los nocturnos de seda de ignorados violines.
¡Crepúsculo de ensueño y evocación de amadas!...
La tarde con mi espíritu la comunión empieza
y al final, como epílogo de oraciones rezadas,
dominará en mí la sombra, la noche, la tristeza
Noche:
II
Como una enorme sierpe sus escamas de plata
desenrosca la noche; como raras pupilas
de luz, en los azules, su estelación desata
el infinito... El viento va girando las lilas
¡El recuerdo una amada que se fue...!
Y en la fría
nostalgia -voz de tumba- un suspiro que se arranca
en las alas sutiles de la melancolía
que empuja los lirismos de una tristeza blanca...
¡El recuerdo: unos labios mortales...! se deshoja,
perfumando de rosas, un rosal florecido...
¡Unos labios mortales y una rosa muy roja
pusieron en mi carne besos de amor y olvido...!
III
Despiertan los aromas nocturnos... (Los enanos
juegan con princesitas en sus reinos)...(Las rondas
de sátiros y ninfas tomadas de las manos
fraternizan -mintiendo- en las sagradas frondas)
IV
La luna mis ensueños, romántica, ilumina.
Las rosas a la luna protestan sus querellas,
y un paisaje interior se disfumina
en florecimiento de mágica estrella.
José Domingo Gómez Rojas
12-III-1914
José Domingo Gómez Rojas (n. Santiago el 19 de junio de 1896 – † 29 de septiembre de 1920) fue un poeta chileno, fue apresado después del asalto a la Federación de Estudiantes el 21 de julio, en el marco del "Proceso a los subversivos" que perseguía a obreros y estudiantes ácratas. En la cárcel fue sometido a torturas y hostigamientos constantes. Detenido en la penitenciaría de esa ciudad, fue transferido a la Casa de Orates, donde, luego de una meningitis no diagnosticada a tiempo, enloqueció y falleció el 29 de septiembre de 1920. A su funeral asistieron más de 40.000 personas, demostrando la enorme crisis social, política económica y cultural a que la oligarquía dominante tenía sometido al país.
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José Domingo Gómez Rojas
'CREPÚSCULO'
En la tarde, en las horas del divino
crepúsculo sereno,
se pueblan de tinieblas los espacios
y las almas de sueños.
Sobre un fondo de tonos nacarados
la silueta del templo
las altas tapias del jardín antiguo
y los árboles negros,
cuyas ramas semejan un encaje
movidas por el viento
se destacan oscuras, melancólicas
como un extraño espectro!
En estas horas de solemne calma
vagan los pensamientos
y buscan a la sombra de lo ignoto
la quietud y el silencio.
Se recuerdan las caras adoradas
de los queridos muertos
que duermen para siempre en el sepulcro
y hace tanto no vemos.
Bajan sobre las cosas de la vida
las sombras de lo eterno
y las almas emprenden su viaje
al país del recuerdo.
También vamos cruzando lentamente
de la vida el desierto
también en el sepulcro helada sima
más tarde dormiremos.
Que en la tarde, en las horas del divino
crepúsculo sereno
se pueblan de tinieblas los espacios
y las almas de sueños!
José Asunción Silva
José Asunción Silva (November 27, 1865 in Bogotá – May 23, 1896 in Bogotá) was a Colombian poet. He is considered one of the founders of Spanish-American Modernism.
'PERPLEXIDADE II'
(Red Fort in Delhi, India)
Que imperceptível clamor rói as muralhas do tempo?
Quem nos impõe essa expectativa diante do dia que não chega,
essa efusão diante da inércia e da indiferença das coisas,
essa ternura pelo que não se confia,
essa ternura pelo que nunca será senão um breve relâmpago
no fundo dos olhos indormidos?
Por que, nessa viagem através do que resiste,
em torno das fortalezas impenetráveis
onde para sempre resta adormecida a grande resposta,
por que não se revela o que apenas escutamos
como suspiro de vento,
leve suspiro de aragem?
Por que permitem que contornemos as montanhas solitárias
que se erguem dentro de nós, trágicas e altas,
como um silencioso apelo inexorável?
Por que as coisas se conservam assim, esfíngicas e hirtas,
se nelas pressentimos palpitar
o sentido de nossa própria solidão?
Alphonsus de Guimaraens Filho
in: 'Só a noite é que amanhece'
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Alphonsus de Guimaraes Filho
sexta-feira, 21 de novembro de 2008
'Ilusões'
Velas fugindo pelo mar em fora…
Velas…pontos - depois … depois vazia
a curva azul do mar onde, sonora,
canta do vento a triste salmodia…
Partem pandas e brancas… Vem a aurora
e vem a noite após, muda e sombria…
E, se em porto distante a frota ancora,
é p’ra partir de novo em outro dia…
Assim as Ilusões. Chegam, garbosas,
palpitam sonhos, desabrocham rosas
na esteira azul das peregrinas frotas…
Chegam… Ancoram ‘alma um só momento;
logo, as velas abrindo, amplas ao vento,
fogem p’ra longe solidões remotas
Medeiros e Albuquerque
(in A Circulatura do Quadrado, Alguns dos Mais belos Sonetos de Poetas cuja Mátria é a Língua Portuguesa, Edições Unicepe, 2004)
"Melancolia"
Vão-se os dias passando e cada dia
que chega, traz consigo as mesmas cores
desta perene e atroz melancolia
que me prende num círculo de horrores!
Se desta dor que tanto me crucia,
busco esquecer-me, procurando amores,
neles somente encontro - que ironia!
-novos motivos para novas dores!...
E assim vivendo, eu vou como um precito
que por estradas lúgubres caminha,
rasgando os pés em pontas de granito.
Que importa a mim que a luz do sol se ria,
se é tão profunda esta tristeza minha,
que eu já nem sei se fui alegre um dia!
Emilio Kemp
in Cantos de Amor ao Céu e à Terra-1.942
'SONS PERDIDOS'
Vês o céu, a campina, a natureza,
Este campo infinito de poesia?
Vês as nuvens doiradas que se agitam
Ao cair da neblina em pleno dia?
Vês as garças que pairam sonolentas
Nesta praia isolada que me inspira?
Pois, cantor, o que vês, tudo pertence
Da minh'alma sonora à rude lira.
Serenatas de brisa - vozes soltas
De folhagem bolida pelo vento,
tudo n'alma me cai como um idílio,
Tudo acolhe a sorrir meu pensamento.
Amo a terra somente pelas flores,
Pelas brumas azuis do alvorecer,
Pelas asas gentis das borboletas
Que me fazem de inveja estremecer.
Amo o céu à tardinha pelas cores
Que ele ostenta a sorrir ao pôr-do-sol;
Amo os raios da lua em noite bela...
Amo as nuvens fagueiras do arrebol.
Amo as brisas do mar - as brisas mansas
Que me inspiraram sonhos de alegria;
Que embalsama a terra onde adormeço
Ao balanço da rede em pleno dia.
A minha alma é formada de harmonias
E só vive de luz, de vibrações;
Como a flor que viceja à beira d'água,
Ela vive a cantar nas solidões.
Júlia da Costa
S. Francisco, 16-08-1882.
em 'Flores Dispersas' 3a Série
quinta-feira, 20 de novembro de 2008
'Vendaval'
Ó vento do norte, tão fundo e tão frio,
Não achas, soprando por tanta solidão,
Deserto, penhasco, coval mais vazio
Que o meu coração!
Indômita praia, que a raiva do oceano
Faz louco lugar, caverna sem fim,
Não são tão deixados do alegre e do humano
Como a alma que há em mim!
Mas dura planície, praia atra em fereza,
Só têm a tristeza que a gente lhes vê
E nisto que em mim é vácuo e tristeza
É o visto o que vê.
Ah, mágoa de ter consciência da vida!
Tu, vento do norte, teimoso, iracundo,
Que rasgas os robles - teu pulso divida
Minh'alma do mundo!
Ah, se, como levas as folhas e a areia,
A alma que tenho pudesses levar -
Fosse pr'onde fosse, pra longe da idéia
De eu ter que pensar!
Abismo da noite, da chuva, do vento,
Mar torvo do caos que parece volver -
Porque é que não entras no meu pensamento
Para ele morrer?
Horror de ser sempre com vida a consciência!
Horror de sentir a alma sempre a pensar!
Arranca-me, é vento; do chão da existência,
De ser um lugar!
E, pela alta noite que fazes mais'scura,
Pelo caos furioso que crias no mundo,
Dissolve em areia esta minha amargura,
Meu tédio profundo.
E contra as vidraças dos que há que têm lares,
Telhados daqueles que têm razão,
Atira, já pária desfeito dos ares,
O meu coração!
Meu coração triste, meu coração ermo,
Tornado a substância dispersa e negada
Do vento sem forma, da noite sem termo,
Do abismo e do nada!
Fernando Pessoa, 16-2-1920
“O CEMITÉRIO DE S.SEBASTIÃO DAS TRÊS ORELHAS”
(Cemitério S.Sebstião das Tês Orelhas,
Minas Gerais, Photo by Fernando Campanella)
Aqui sob três pedras
dormem mistérios
sonham calcários.
Aqui o silêncio é memória
e velas perpétuas choram.
O cemitério de São Sebastião
É um universo a capela
Onde a humanidade se despe
Corruíras descansam
E se agarram as gavinhas.
( F. CAMPANELLA)
quarta-feira, 19 de novembro de 2008
'THE RAINY DAY '
The day is cold, and dark, and dreary
It rains, and the wind is never weary;
The vine still clings to the mouldering wall,
But at every gust the dead leaves fall,
And the day is dark and dreary.
My life is cold, and dark, and dreary;
It rains, and the wind is never weary;
My thoughts still cling to the mouldering Past,
But the hopes of youth fall thick in the blast,
And the days are dark and dreary.
Be still, sad heart! and cease repining;
Behind the clouds is the sun still shining;
Thy fate is the common fate of all,
Into each life some rain must fall,
Some days must be dark and dreary.
Henry Wadsworth Longfellow
In: Ballads and Other Poems
(One of my favorite poems)
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Henry Wadsworth Longfellow
'FLOWERS '
Spake full well, in language quaint and olden,
One who dwelleth by the castled Rhine,
When he called the flowers, so blue and golden,
Stars, that in earth's firmament do shine.
Stars they are, wherein we read our history,
As astrologers and seers of eld;
Yet not wrapped about with awful mystery,
Like the burning stars, which they beheld.
Wondrous truths, and manifold as wondrous,
God hath written in those stars above;
But not less in the bright flowerets under us
Stands the revelation of his love.
Bright and glorious is that revelation,
Written all over this great world of ours;
Making evident our own creation,
In these stars of earth, these golden flowers.
And the Poet, faithful and far-seeing,
Sees, alike in stars and flowers, a part
Of the self-same, universal being,
Which is throbbing in his brain and heart.
Gorgeous flowerets in the sunlight shining,
Blossoms flaunting in the eye of day,
Tremulous leaves, with soft and silver lining,
Buds that open only to decay;
Brilliant hopes, all woven in gorgeous tissues,
Flaunting gayly in the golden light;
Large desires, with most uncertain issues,
Tender wishes, blossoming at night!
These in flowers and men are more than seeming;
Workings are they of the self-same powers,
Which the Poet, in no idle dreaming,
Seeth in himself and in the flowers.
Everywhere about us are they glowing,
Some like stars, to tell us Spring is born;
Others, their blue eyes with tears o'er-flowing,
Stand like Ruth amid the golden corn;
Not alone in Spring's armorial bearing,
And in Summer's green-emblazoned field,
But in arms of brave old Autumn's wearing,
In the centre of his brazen shield;
Not alone in meadows and green alleys,
On the mountain-top, and by the brink
Of sequestered pools in woodland valleys,
Where the slaves of nature stoop to drink;
Not alone in her vast dome of glory,
Not on graves of bird and beast alone,
But in old cathedrals, high and hoary,
On the tombs of heroes, carved in stone;
In the cottage of the rudest peasant,
In ancestral homes, whose crumbling towers,
Speaking of the Past unto the Present,
Tell us of the ancient Games of Flowers;
In all places, then, and in all seasons,
Flowers expand their light and soul-like wings,
Teaching us, by most persuasive reasons,
How akin they are to human things.
And with childlike, credulous affection
We behold their tender buds expand;
Emblems of our own great resurrection,
Emblems of the bright and better land.
Henry Wadsworth Longfellow
In:Voices of the Night
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Henry Wadsworth Longfellow
'THE WAVE '
"Whither, thou turbid wave?
Whither, with so much haste,
As if a thief wert thou?"
"I am the Wave of Life,
Stained with my margin's dust;
From the struggle and the strife
Of the narrow stream I fly
To the Sea's immensity,
To wash from me the slime
Of the muddy banks of Time."
CHRISTOPH AUGUST TIEDGE
Translations
Henry Wadsworth Longfellow
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CHRISTOPH AUGUST TIEDGE
terça-feira, 18 de novembro de 2008
'Élévation'
Au-dessus des étangs, au-dessus des vallées,
Des montagnes, des bois, des nuages, des mers,
Par delà le soleil, par delà les éthers,
Par delà les confins des sphères étoilées,
Mon esprit, tu te meus avec agilité,
Et, comme un bon nageur qui se pâme dans l'onde,
Tu sillonnes gaiement l'immensité profonde
Avec une indicible et mâle volupté.
Envole-toi bien loin de ces miasmes morbides;
Va te purifier dans l'air supérieur,
Et bois, comme une pure et divine liqueur,
Le feu clair qui remplit les espaces limpides.
Derrière les ennuis et les vastes chagrins
Qui chargent de leur poids l'existence brumeuse,
Heureux celui qui peut d'une aile vigoureuse
S'élancer vers les champs lumineux et sereins;
Celui dont les pensers, comme des alouettes,
Vers les cieux le matin prennent un libre essor,
-- Qui plane sur la vie, et comprend sans effort
Le langage des fleurs et des choses muettes!
Charles Baudelaire
domingo, 16 de novembro de 2008
As ondas quebram na areia,
dizem segredos perdidos...
Saudades da maré-cheia,
de barcos e tempos idos...
Segredos tristes, lamentos,
que o mar não pôde calar...
E foi dizê-los aos ventos,
aos pescadores, ao luar...
As ondas dizem na areia
saudades de tempos idos...
Segredos da maré-cheia,
de barcos tristes
- perdidos.
Daniel Filipe,
in ' Missiva'
"Brumas"
Nas brumas dos meus silêncios
Nascem visões encantadas,
Com ninfas, bruxas e fadas,
Sonhos de amor, sempre densos.
Nas brumas dos meus silêncios,
Onde os mistérios são nada,
Surgem paixões exaltadas,
Feitas desejos, imensos.
Nascem lembranças, eivadas
De sensações adiadas
E cheiros breves, intensos,
Sem ilusões ansiadas,
Em desespero, guardadas
Nas brumas dos meus silêncios.
Vitor Cintra
in " Murmúrios"
sábado, 15 de novembro de 2008
'A casa da bruma'
Entraram na casa da bruma.
Aos poucos seus olhos acomodaram-se
aos contornos imprecisos. Estava
tudo sombrio, era tudo difuso.
Também se viam um ao outro
sem contrastes, seus rostos não mudavam
suas expressões eram sempre as mesmas,
sempre encobertas pela mesma névoa.
Esqueceram-se do mundo que havia lá fora,
da luz, da dor, da alegria,
da mentira, a emoção, os beijos,
da amizade e do amor. Negaram
qualquer verdade ou perfil ameaçadores.
E ficou-se-lhes o coração ambíguo.
Amalia Bautista
'He Wishes for the Cloths of Heaven'
Had I the heavens' embroidered cloths
Enwrought with golden and silver light
The blue and the dim and the dark cloths
Of night and light and the half-light
I would spread the cloths under your feet:
But I, being poor, have only my dreams
I have spread my dreams under your feet
Tread softly because you tread on my dreams.
W. B. Yeats
'i thank You God for most this amazing'
i thank You God for most this amazing
day: for the leaping greenly spirits of trees
and a blue true dream of sky; and for everything
which is natural which is infinite which is yes
(i who have died am alive again today,
and this is the sun's birthday; this is the birth
day of life and of love and wings: and of the gay
great happening illimitably earth)
how should tasting touching hearing seeing
breathing any -lifted from the no
of all nothing - human merely being
doubt unimaginable You?
(now the ears of my ears awake and
now the eyes of my eyes are opened)
e.e.cummings
(Edward Estlin Cummings)
'XAIPE', 1950
quarta-feira, 12 de novembro de 2008
'NOITES'
Em todo entardecer escuto passos,
na estrada que se achega ao meu portão;
embora haja penumbra, vejo os traços
dos andarilhos... Deus! E quantos são!
Na casa, se assenhoram dos espaços,
percorrem cada palmo do meu chão.
Semblantes - de ventura tão escassos,
contemplam-me... E na dor me envolvo, então.
Porque nos olhos meigos dos meus sonhos,
o amor sulcou caminhos tão tristonhos,
onde apenas saudade floresceu!
À noite, em rito insano de agonia,
unidos, sonhos, eu... e a nostalgia...
Ninamos o que nos restou de teu.
Patricia Neme
quinta-feira, 6 de novembro de 2008
'CORAÇÃO DE GUITARRAS'
Deixem minha alma se perder
onde quiser, até que encontre
seu grande amor de perdição.
Deixem minha alma se render
sem arrogância, sendo de flor
seu grande amor de rendição.
Permitam que ela fique muda
como sombra de minha pedra
no entardecer de uma canção.
Deixes minha alma com a tua
como acordes de uma cantiga
nas guitarras de um coração...
Afonso Estebanez
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