quinta-feira, 29 de dezembro de 2011
O cisne
Este cansaço de passar como que atado
a coisas que ainda não foram feitas,
parece o caminho incriado do cisne.
E o morrer, esse desapegar-se
do fundo em que diariamente estamos,
seu tímido abandonar-se às águas
que mansamente o acolhem e por serem
felizes e já passadas, onda a onda,
sob seu corpo se retraem;
então, firme e tranqüilo,
com realeza e crescente segurança,
abandona-se o cisne ao deslizar.
Rainer Maria Rilke
Tradução de Dora Ferreira da Silva
'The Swan''
This laboring through what is still undone,
as though, legs bound, we hobbled along the way,
is like the akward walking of the swan.
And dying-to let go, no longer feel
the solid ground we stand on every day-
is like anxious letting himself fall
into waters, which receive him gently
and which, as though with reverence and joy,
draw back past him in streams on either side;
while, infinitely silent and aware,
in his full majesty and ever more
indifferent, he condescends to glide.
Rainer Maria Rlke
Translated by Stephen Mitchel
Wolga
WolgaBist Du auch fern:
ich schaue Dich doch an,Bist Du auch fern:
mir bleibst Du doch gegeben ---
Wie eine Gegenwart, die nicht verblassen kann.
Wie meine Landschaft liegst
Du um mein Leben.
Hätt ich an Deinen Ufern nie geruht:
Mir ist, als wüsst ich doch um Deine Weiten,
Als landete mich jede Traumesflut
An Deinen ungeheuren Eisamkeiten.
Rainer Maria Rilke
Volga
Por longe que estejas: posso ainda te ver,
Por longe que estejas: tu permanecerás
Qual presença que não pode empalidecer,
Qual paisagem, a mim sempre contornarás.
Se tuas margens eu jamais tivesse tocado,
Mesmo assim saberia tua imensidão:
Ondas de meus sonhos me teriam levado
À beira de tua infindável solidão
Rainer Maria Rilke
Photography :
The Volga (Russian: Во́лга; [ˈvolɡə] ( listen)) is the largest river in Europe in terms of length, discharge, and watershed. It flows through central Russia, and is widely viewed as the national river of Russia. Out of the twenty largest cities of Russia, eleven, including the capital Moscow, are situated in the Volga's drainage basin. Some of the largest reservoirs in the world can be found along the Volga. The river has a symbolic meaning in Russian culture and is often referred to as Volga-Matushka (Volga-mother) in Russian literature and folklore.
Rainer Maria Rilke -(Praga, 4 de dezembro de 1875 — Valmont, Suíça, 29 de dezembro de 1926)
Amo as horas noturnas do meu ser em
que se me aprofundam os sentidos;
nelas fui eu achar, como em cartas velhíssimas,
já vivida a vida dos meus dias
e como lenda longínqua e superada.
Delas eu aprendi que tenho espaço
para uma segunda vida, vasta e sem tempo.
E por vezes me sinto como a árvore
que, madura e rumorosa, sobre uma campa
realiza o sonho que o menino foi
(em volta do qual apertam suas raízes quentes)
e perdeu em tristezas e canções.
Rainer Maria Rilke
(In ‘Poemas As Elegias de Duíno Sonetos a Orfeu’,
Tradução de Paulo Quintela, ( 2001)
quinta-feira, 22 de dezembro de 2011
Samuel Beckett - (Dublin, 13 de abril de 1906 — Paris, 22 de dezembro de 1989)
Que faria eu sem este mundo sem rosto sem perguntas
Onde o ser só dura um instante e onde cada instante
Transborda para o vazio o esquecimento de ter existido
Sem esta onda onde por fim
Corpo e sombra juntos se anulam
Que faria eu sem este silêncio poço fundo de murmúrios
Curvando-se a pedir socorro pedir amor
Sem este céu posto de pé
Sobre o pó do seu lastro
Que faria eu faria como ontem e como hoje
Olhando para a minha janela vendo se não estou sozinho
A errar e a mudar distante de toda a vida
preso num espaço incontrolável
Sem voz no meio das vozes
Que se fecham comigo.
Samuel Beckett
(tradução inédita de Mário Carvalheira)
Samuel Beckett (Dublin, 13 de abril de 1906 — Paris, 22 de dezembro de 1989)
foi um dramaturgo e escritor irlandês.
Recebeu o Nobel de Literatura de 1969. Utiliza nas suas obras, traduzidas em mais de trinta línguas, uma riqueza metafórica imensa, privilegiando uma visão pessimista acerca do fenômeno humano. É considerado um dos principais autores do denominado teatro do absurdo. Sua obra mais famosa tanto no Brasil como em Portugal é a peça Esperando Godot.
Samuel Barclay Beckett
was an Irish avant-garde novelist, playwright, theatre director, and poet. He wrote both in English and French. His work offers a bleak, tragicomic outlook on human nature, often coupled with black comedy and gallows humour.
Beckett is widely regarded as among the most influential writers of the 20th century.Strongly influenced by James Joyce, he is considered one of the last modernists. As an inspiration to many later writers, he is also sometimes considered one of the first postmodernists. He is one of the key writers in what Martin Esslin called the "Theatre of the Absurd". His work became increasingly minimalist in his later career.
Beckett was awarded the 1969 Nobel Prize in Literature "for his writing, which—in new forms for the novel and drama—in the destitution of modern man acquires its elevation". He was elected Saoi of Aosdána in 1984.
segunda-feira, 19 de dezembro de 2011
ELA, SOB ÁRDEGO E CARO SUPLÍCIO
Vem, atrela, alavanca e mais ordena.
Encanta, sua, assanha, sobrenada.
Solta o verbo; profere a sagrada
E profana ordenha. Nada quero à toa.
Diz para, como quer, e a que veio:
Com a Voz que me alimenta e creio.
Sobe, monta, morde e crava alvos
Dentes de marfim sobre cada seio.
Escava, finca, amolda, avilta meu Ser.
Dispa-me; grita como quer e devo ceder.
Na ponta e pente da Língua, mata:
A sede, com força e flauta de seda.
Ata-me em visgo e sal ao céu em cio:
Resgata da morte aquele infinito rio.
Jairo De Britto,
em “Dunas de Marfim”
Que Há para Lá do Sonhar?
Que Há para Lá do Sonhar?
Céu baixo, grosso, cinzento
e uma luz vaga pelo ar
chama-me ao gosto de estar
reduzido ao fermento
do que em mim a levedar
é este estranho tormento
de me estar tudo a contento,
em todo o meu pensamento
ser pensar a dormitar.
Mas que há para lá do sonhar?
Vergílio Ferreira,
in 'Conta-Corrente 1'
sexta-feira, 16 de dezembro de 2011
''A montanha''
(Para Olavo Bilac, que faria hoje 146 anos)
Calma, entre os ventos, em lufadas cheias
De um vago sussurrar de ladainha,
Sacerdotisa em prece, o vulto alteias
Do vale, quando a noite se avizinha:
Rezas sobre os desertos e as areias,
Sobre as florestas e a amplidão marinha;
E, ajoelhadas, rodeiam-te as aldeias,
Mudas servas aos pés de uma rainha.
Ardes, num holocausto de ternura...
E abres, piedosa, a solidão bravia
Para as águias e as nuvens, a colhe-las;
E invades, como um sonho, a imensa altura,
- Última a receber o adeus do dia,
Primeira a ter a bênção das estrelas!
Olavo Bilac
In ‘Tarde’ (1919)
segunda-feira, 12 de dezembro de 2011
A DO RIO, QUE BRANDA!
A do rio, que branda!
Mas que dura é esta...
A que cai das pálpebras
é uma água que pensa.
MANUEL DEL CABRAL
(1907 - 1992), poeta e escritor dominicano.
Grandes Vozes Líricas Hispanos-Americanas. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1990.
Tradução: Aurélio Buarque de Holanda Ferreira
O JUNCO
Fazia já algum tempo
o junco no seu íntimo chorava em silêncio
Deve ter sido numa daquelas noites
Ele soube que todo o seu corpo estremecia
Não era o vento, nem o luar
O junco nunca sequer imaginou
que era o seu pranto silente a sacudi-lo
Nunca soube
que viver era
um pranto, secreto e silencioso
SHIN GYÓNG-RIM
(1935), poeta coerano.
'O Pássaro que Comeu o Sol' Poesia Moderna da Coréia. Pau-Brasil, São Paulo, 1993.
Tradução: Yun Jung Im
domingo, 11 de dezembro de 2011
Um crônica de Renata Carone Sbogia -
"...à mesa sentada.Observo as cadeiras. É final de ano...A casa não mudou. Mudei.Talvez a maior alteração: a interna. Vejo o porta-retrato-amarelado jovial.O olhar está cansado e nublado.Ouço fogos de artifícios comemorando...Pergunto para mim o que celebrarei nesta sala???O piano silencia-se. Abro a janela para dar evasão ao sufoco. Debruço-me no meu diário. Necessito escrever uma bela história sobre um passado recheado de recordações neste momento. A memória falha, mas a saudade lembra. Sentada à mesa. Contemplo um devaneio. Afinal, é final de ano e a casa 'não está mais cheia...está habitada de móveis e vazia de queridos.O barulho interno é ensurdecedor. Inquieto-me. Pergunto para o tempo se terei mais tempo para gastar pela vida.Aguardo a resposta.Deixo a porta aberta."
Renata Carone Sborgia
Crônica-trecho- 'À Mesa' - publicada--com carinho--Renata--dia 08/12/11
sexta-feira, 9 de dezembro de 2011
Um vislumbre do fim - Homenagem aos 34 anos da morte da escritora Clarice Lispector, 09/12/0977
“Uma vez eu irei. Uma vez irei sozinha, sem minha alma dessa vez. O espírito, eu o terei entregue à família e aos amigos com recomendações. Não será difícil cuidar dele, exige pouco, às vezes se alimenta com jornais mesmo. Não será difícil levá-lo ao cinema, quando se vai. Minha alma eu a deixarei, qualquer animal a abrigará: serão férias em outra paisagem, olhando através de qualquer janela dita da alma, qualquer janela de olhos de gato ou de cão. De tigre, eu preferiria. Meu corpo, esse serei obrigada a levar. Mas dir-lhe-ei antes: vem comigo, como única valise, segue-me como um cão. E irei à frente, sozinha, finalmente cega para os erros do mundo, até que talvez encontre no ar algum bólide que me rebente. Não é a violência que eu procuro, mas uma força ainda não classificada mas que nem por isso deixará de existir no mínimo silêncio que se locomove. Nesse instante há muito que o sangue já terá desaparecido. Não sei como explicar que, sem alma, sem espírito, e um corpo morto — serei ainda eu, horrivelmente esperta. Mas dois e dois são quatro e isso é o contrário de uma solução, é beco sem saída, puro problema enrodilhado em si. Para voltar de ‘dois e dois são quatro’ é preciso voltar, fingir saudade, encontrar o espírito entregue aos amigos, e dizer: como você engordou! Satisfeita até o gargalo pelos seres que mais amo. Estou morrendo meu espírito, sinto isso, sinto...”
Textos extraídos do livro ''Aprendendo a viver'', Clarice Lispector. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2004.
Textos extraídos do livro ''Aprendendo a viver'', Clarice Lispector. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2004.
quarta-feira, 7 de dezembro de 2011
CRISTAL
O tempo de viver tem seu cristal intato,
limpo de toda névoa e de tudo o que é forma
mesmo precária e vã de existir e sonhar.
Que relógio de sol lhe marca a intensidade,
o íntimo viver da contínua linguagem?
Que dia se abrirá como dourada lâmina
no obscuro girassol do amor nas madrugadas?
Mesmo que tudo apague ou dilua no pranto
a presença da morte, e a noite só convoque
a seu largo silêncio inadiável, como
gritar,gritar que há sempre um outro renascer,
uma esperança além nos desígnios da vida?
Que sombra permanece a não ser esta angústia,
esta tranqüilidade em que as coisas se deixam
conduzir, como um rio à procura de um mar?
Que sonho restará senão o desespero
de riscar com carvão este breve cristal?
Gilberto Mendonça Teles
In Sintaxe Invisível
AMORES
III
Não traçarei novos caminhos.
Entrelaçados, nascemos de raízes
mais fundas que saber.
És o que virá, se vieres.
E eu espero. Véspera da morte,
agora que o amor é mudo ou canta sem parar.
E o canto um silêncio parece
de tão fundo viver, que a vida já se despe
de si mesma, e avança sem andar:
bem longe
ou perto
aberto dom
de
amar.
IV
Não o que dizíamos
nem o que víamos,
mas o olhar desviado,
taça em demasia. E o que insistia:
os mesmos pórticos, a hora
na torre austera. E tudo fazíamos
para não ouvir, calado,
o passo do passado
e não olhar, à janela cega,
um vulto debruçado
o olhar isento
do amor que não se vê
e, em fuga, se extravia.
Dora Ferreira da Silva
Uma Via De Ver As Coisas
São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1973. 124 p.
Assinar:
Postagens (Atom)