A alma é um cenário.
Por vezes, ela é como uma manhã brilhante e fresca,
inundada de alegria.
Por vezes ela é como um pôr do sol...
triste e nostálgico.

-Rubem Alves-

Seja bem-vindo. Hoje é
Deixe seu comentário, será muito bem-vindo, os poetas agradecem.

terça-feira, 31 de maio de 2011

NAVEGANDO . . .


E na busca dos astros
nebulosa minha alma
traz luzeiros aromas.


. . . nuvens espirais
em rompimento de auroras
a caminhos estivais.


E entre poentes dormidos,
os olhos a vagar
águas quietas sem prantos,
debruçam-se a sonhar. . .


Será pecado ou delírio,
envolta em beijos de seus
sobraçar caminhos lírios.
Tocar aos astros como anjos?


E ao desigual dos infinitos,
. . . abraço frio das realidades.
Sonho ainda! ... à luz das tempestades.



Alvina Tzovenos
In: Buscas de Infinitos

quinta-feira, 26 de maio de 2011

SOB O ATLÂNTICO*

Espantar,
enquanto possível,
os olhos
da própria morte.

Lamber,
ainda que azedos,
os frutos
da própria sorte.

Distribuir
abraços pesados,
recolher
os fardos do incrível.

Não é um dever
menor que o ser:

Há sempre a certeza,
Plácida, permanente certeza,
de encontrar a paz.

(Nos braços verdes do Atlântico)


*Jairo De Britto,
em "Dunas de Marfim".

segunda-feira, 23 de maio de 2011

DE UM ANDAR NOTURNO


Tempestade, chuva oblíqua,
negreja a pradaria,
solenes sombras de nuvens
fazem-nos companhia.

De um vão entre escuras nuvens
súbito a se iluminar
a noite esgueira-se e espia
plena de luar.

Límpidas ilhas do céu,
estrelas sóbrias saúdam;
ao luar, fímbria de nuvens
em rios de prata ondula.

Alma, prepara-te, alma!
Das trevas do tempo,
irmãos de longe te acenam
com pisos de ouro.

Alma, responde ao sinal:
banha-te no espaço!
Deus guiará para a luz
teus obscuros passos.


Hermann Hesse
In Andares

LAMENTO


Não nos é dado Ser. Águas de rio,
a toda forma dóceis nos prestamos:
dia ou noite, caverna ou catedral,
a tudo nos impele a ânsia de Ser.

Forma após forma enchemos sem descanso:
nenhuma nos faz falta nem é pátria
ou sorte.Hóspedes sempre, sempre em trânsito,
terra e arado e pão nunca nossos.

Um dia endurecer em pedra! Um dia
durar! - É disso que temos vontade,
mas o que fica sempre é um arrepio
de medo, sem pausa na caminhada.

Hermann Hesse
In Andares
Tradução de Geir Campos

EM ALGUM LUGAR


No deserto da vida eu erro e ardo
a gemer sob o peso do meu fardo,
mas em algum lugar quase esquecidos
sei de frescos jardins em sombra e em flor.

Em algum lugar, nos confins do sonho,
sei que um abrigo vela
onde a alma volta a ter pátria
e estão à espera o sono, a noite e as estrelas.

Hermann Hesse
In Andares
Tradução Geir Campos

sábado, 21 de maio de 2011

LABIRINTO

. . . nesse emaranhado de asas partidas
sente-se a dor dos afogados
um quebrar-se de ossos frágeis
e um estalido de cristal partido.

. . . entre névoas de solidões
pressente-se o beijo das coisas mortas
o nunca regresso de um anjo que se exilou
quando a hora gemia em dores
no seu crepúsculo cismarento.

. . . as cores se confundem como confetes
de um carnaval sem música
os adeuses perdem sua expressão
os loucos adquirem sensatez
(a sensatez das coisas banais).

No labirinto da vida
encontro o carrossel de todas as vidas.


Alvina Nunes Tzovenos
In: Palavras ao Tempo

TRANSIÇÕES


Mastigando raízes de eternidade
adentro-me pelas colinas dos céus
onde Deus é meu relógio.

E buscando sabedoria
não me torno deserto e nem ausência.

Recolho em minha solidão
muralhas de calmaria
sem gemido de dor ou morte.

Em meus redemoinhos
viajo entre cansaços de séculos
adornada de crisântemos amarelos.

Em minha ausente juventude
não há abismos em voragem.
Trigo, fonte e pombas
ornamentam minhas varandas.

A noite ajoelhada soluça
em seu tapete e entre velas.
O tempo que é túnel
fala das estações
derramando chuva de invernos
até às eternidades.


Alvina Nunes Tzovenos
Palavras ao Tempo

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Rubem Alves


O que é que se encontra no início? O jardim ou o jardineiro? É o jardineiro. Havendo um jardineiro, mais cedo ou mais tarde um jardim aparecerá. Mas, havendo um jardim sem jardineiro, mais cedo ou mais tarde ele desaparecerá. O que é um jardineiro? Uma pessoa cujo pensamento está cheio de jardins. O que faz um jardim são os pensamentos do jardineiro. O que faz um povo são os pensamentos daqueles que o compõem.

—Rubem Alves, 2002

terça-feira, 17 de maio de 2011

DESILUSÃO


As estrelas aparecem
Mostrando a noite.
Os sonhos que não fenecem
Surgem em procissões.
Como terrível açoite
Vêm cantando as lembranças
Entoam velhas,
esquecidas confissões,
Antigas e novas promessas.

A insônia feiticeira,
Abre o cofre das grandes recordações.
Mostra imensas ternuras
Registros escritos ontem
No mar das ilusões.
Na falsa areia perdida
Desenhos de corações

E a lágrima
Não contida
Cai no chão,
Convertida.

Desilusão,
Só.

Apolônia Gastaldi
de 'A ilha' Suplemento Literário

COMO ESTAS FOLHAS MORTAS. . .


Como estas folhas mortas, ressequidas,
Que rolam lentamente pelo chão,
As minhas esperanças fementidas
Voaram aos ventos da desilusão!


A arvore das minhas crenças fenecidas,
Agigantou-se para a imensidão,
Soltando as folhas já descoloridas
No triste descampado da ilusão!


A luz que outrora no meu ser fulgia,
Não brilha mais! . . . seu termino anuncia
A derrocada bárbara do fim!


- Outra luz no meu ser fulgura e cresce!
É a luz da Fé! A luz que não perece!
Luz que Deus acendeu dentro de mim!



Jansen Filho
In: Obras Completas

O ESPELHO


Efêmero, não sei se neste espelho
terei repetição do meu contorno,
ou se já erguida a mão se esboça o torno
onde serei refeito. Amplo conselho

talvez disseque meu findar-se morno,
e o Artífice me aguarde, ileso e velho,
pondo-me paternal sobre o joelho
à espera do devido e exato forno.

Depois, Pai tão maior, de amor ferido,
de um barro tão mais rubro há de engendrar-me
para dar-me feliz ao chão do olvido.

Mas sempre num espelho irei achar-me
noutro chão, noutra vida, em barro ou vidro
onde me outorguem tempo de sonhar-me.


Walmir Ayala — Poemas
“in” Poesia Revisada

sexta-feira, 13 de maio de 2011

SOMBRAS


A meio desta vida continua a ser
difícil, tão difícil
atravessar o medo, olhar de frente
a cegueira dos rostos debitando
palavras destinadas a morrer
no lume impaciente de outras bocas
anunciando o mel ou o vinho ou
o fel.

Calmamente sentado num sofá,
começas a entender, de vez em quando
os condenados a prisão perpétua
entre as quatro paredes do espírito
e um esquife negro, onde vão desfilando
imagens, só imagens
de canal em canal, sintonizadas
com toda a angústia e estupidez do mundo.

As pessoas – tu sabes – as pessoas são feitas
de vento
e deixam-se arrastar pela mais bela
respiração das sombras,
pela morte que repete os mesmos gestos
quando o crepúsculo fica a sós conosco
e a noite se redime com uma estrela
a prometer salvar-nos.

A meio desta vida os versos abrem
paisagens virtuais onde se perdem
as intenções que alguma vez tivemos,
o recorte obscuro de perfis
desenhados a fogo há muitos anos
numa alma forrada de espelhos
mas sempre tão vazia, sem abrigo
para corpo nenhum.

Fernando Pinto do Amaral

in Pena Suspensa.
Recebido da querida amiga Dione Coppi.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

O ÁUGURE


Sou um prisma às avessas
as cores em mim se confundem
sou um tapete de ecos
uma cachoeira de gritos
uma cordoalha de muitos tempos

A esfera de lantejoulas
- passado presente futuro -
roda refletindo mil sóis

Sou essa colméia de incêndios
essa assembléia de sinais
esse rumor insone


Rio, 26/5/80


Helio Pellegrino
in Minérios Domados

terça-feira, 10 de maio de 2011

Frutos da Terra


Benditos os filhos do ventre da terra
que o sol desperta tão cedo
que o trigo e a uva aguardam no campo
para o mágico processo do pão e do vinho.

Benditos os frutos da terra
que se abrem à manhã
em silêncios e cantos
que se mesclam no ar

e os filhos da paz
que ligam o céu ao mundo,
os que reciclam o dia
dele retirando sustento e eternidade.

Abençoados os que bendizem,
os que curam, os que a dor amenizam
e que por via da tolerância se entendem.

Benditos os que domam a cólera
e se transformam no amor,
amor que bebe da vida em identidade.

Bendito o sol
que amadurece os frutos da terra.
Mais bendita a luz
por que anseia a 'noite escura da alma'.

Fernando Campanella, poema escrito em 1984.

Retirado do Blog do poeta, Palavreares

'É MAIS FÁCIL PARTIR QUANDO O SILÊNCIO'


É mais fácil partir quando o silêncio
transpõe a tua voz.
Mais simples celebrar a tão efémera
certeza de estares vivo.

A música do ar esvai-se nas sombras,
tu sabes que é assim,
que os dias correm céleres, não tentes
perseguir o seu rasto - repara
como em abril as aves são tão felizes.

Sê como elas: não perguntes nada,
deixa que o sol responda à flor da tarde
e esquece-te do mundo.


Fernando Pinto do Amaral
In' Eco de Acédia'

domingo, 8 de maio de 2011

Poema de Graça Pires


Torna-se nítida a textura das conchas
esboçadas em areias onde a lua se despenha
quando o momento é propicio ao silencio das águas.
Um denso azul cresce em espuma
sobre os lábios inacessíveis à passagem
dos mastros assombrados.
Procuro o teu corpo.
Um percurso de repteis contaminou-me o ventre.
Para resistir à morte rastejo pela noite
em busca das sombras que se transfiguram em aves.
Procuro o teu abraço.



Graça Pires
In: A incidência da luz

ARTE POÉTICA


Palavras,
só palavras, nada mais
que a vã matéria, o seu sentido
eco de muitos ecos, repetido
reflexo de poderes tão irreais

como essas emoções graças às quais
terei de vez em quando pretendido
dizer um só segredo a um só ouvido
ciente de que nunca são iguais

os segredos e ouvidos que procuro
às cegas neste mar sempre obscuro
onde a voz desagua como um rio

sem nascente nem foz - apenas uma
incerta confidencia que se esfuma
e só foi minha enquanto me fugiu.


Fernando Pinto do Amaral
(Portugal)

sábado, 7 de maio de 2011

Lamento da mãe órfã


Foge por dentro da noite
reaprende a ter pés e a caminhar,
descruza os dedos, dilata a narina à brisa dos ciprestes,
corre entre a luz e os mármores,
vem ver-me,
entra invisível nesta casa, e a tua boca
de novo à arquitetura das palavras
habitua,
e teus olhos à dimensão e aos costumes dos vivos!

Vem para perto, nem que já estejas desmanchando
em fermentos do chão, desfigurado e decomposto!
Não te envergonhes do teu cheiro subterrâneo,
dos vermes que não podes sacudir de tuas pálpebras,
da umidade que penteia teus finos, frios cabelos
cariciosos.

Vem como estás, metade gente, metade universo,
com dedos e raízes, ossos e vento, e as tuas veias
a caminho do oceano, inchadas, sentindo a inquietação das marés.

Não venhas para ficar, mas para levar-me, como outrora também te trouxe,
porque hoje és dono do caminho,
és meu guia, meu guarda, meu pai, meu filho, meu amor!

Conduze-me aonde quiseres, ao que conheces, - em teu braço
recebe-me, e caminhemos, forasteiros de mãos dadas,
arrastando pedaços de nossa vida em nossa morte,
aprendendo a linguagem desses lugares, procurando os senhores
e as suas leis,
mirando a paisagem que começa do outro lado de nossos cadáveres,
estudando outra vez nosso princípio, em nosso fim.


Cecília Meireles
In: Mar absoluto -1945-

quinta-feira, 5 de maio de 2011

O Dom de Ouvir


Ouvir
Como quem abraça e beija
a alma solitária
dos que ninguém escuta.

Ouvir com o coração
a confidência,
a queixa,
a longa história
dos isolados
pela indiferença alheia.

Ouvir com os olhos
e afirmar:
eu compreendo.

Nem é preciso dizer nada.

Helena Kolody

terça-feira, 3 de maio de 2011

AMOR...


Receios, desejos,
promessas de paraísos.
Depois sonhos, depois risos,
depois beijos!
Depois...
E depois, amada?
Depois dores, sem remédio,
depois pranto, depois tédio,
depois... nada!

Menotti Del Picchia