Neste leito de ausência em que me esqueço,
desperta um longo rio solitário:
se ele cresce de mim, se dele cresço,
mal sabe o coração desnecessário.
O rio corre e vai sem ter começo
nem foz e o curso, que é constante, é vário.
Vai nas águas levando, involuntário,
luas onde me acordo e me adormeço.
Sobre o leito de sal, sou luz e gesso:
duplo espelho – o precário no precário.
Flore um lado de mim? No outro, ao contrário,
de silêncio e silêncio me apodreço.
Entre o que é rosa e lodo necessário,
passa um rio sem foz e sem começo.
Ferreira Gullar
(Maranhão-1930)
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