A alma é um cenário.
Por vezes, ela é como uma manhã brilhante e fresca,
inundada de alegria.
Por vezes ela é como um pôr do sol...
triste e nostálgico.

-Rubem Alves-

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terça-feira, 30 de novembro de 2010

Ata-me - Jairo de Britto-



ATA-ME

I

Quanto custa tanto dizer
eu te avisto, mastigo e amo?
(Sei que sabes a polvo e povo)


II


Quando ofereço tanto querer,
eu te alcanço, arremesso e abraço?


III


Quão feliz, vil ou viril
eu te faço, afirmo ou pareço?

IV


Quando a rosa é a rosa e a roupa,
eu te oferto alvoroço e apreço.

V


Quando sinto o vento que fala;
que, so far, farfalha
e brinca com a roupa da casa,
eu te entrego meu corpo cortina.


VI

Através dos anos, cuidas de atar-me.
Tal cortinado afeito a grandes olhos:
como língua e léguas de Espanha;
tal Península em púrpura Ibérica chama.



VIII

Ata-me à tua pele branca, calcinada,
como Almodóvar às suas cores cheias
de furiosa algazarra e pagã harmonia.


IX


Aos três anos, ata-me como Rivera:
imantado; encantado pelas cores,
sonhos, dramas e dores de Frida.


X

Quantos anos achas que tenho?
A idade da pedra, do coração domado?
A idade infeliz dos que se despedem?


XI

Encontro, em teus cabelos de fogo,
a materna fúria e o profano sacrifício.
Portanto, aprendo a rir e a sonhar...
E, como rio, uma grande serpente imitar!


*Jairo De Britto,
em "Dunas de Marfim"

domingo, 28 de novembro de 2010

SOBRE NOSSA COTIDIANA E INFAME SABEDORIA*


Sabemos que não se recupera a palavra atirada, nem o maldito gesto ou sobressalto, libertos em seu próprio espaço.

Sabemos que nossos amigos, amigas ou amantes, às vezes, se revelam quais serpentes cobertas por múltiplos sagrados mantos e mantras.

Sabemos que em torno, e no passado distante, escondem-se muitos dos nossos mais perversos medos - dormentes quietos em travesseiros de paina.

Sabemos que, não raro, somos irresponsáveis e intolerantes para com as pessoas que amamos. Mas, de soslaio olhando, esperamos permanecer.

Sabemos que nossas orações são da boca pra dentro de outras bocas, e de ouvidos fingimos nem delas precisar na hora precisa.

Sabemos, ou pretendemos crer, que deuses ou semideuses nos espreitam.

Mas caminhamos por trilhas fáceis e familiares, na direção de abismos já conhecidos.

Sabemos que somos capazes de ferir. Portanto, ferimos com o mesmo ferro com
que nos ferem, como se aí houvesse algo de bendito ou original.

Sabemos que nossos dias são ainda mais curtos do que nossa vã auto-imagem,
ou ação, nos faz crer. Mas nosso apetite desperta miragens travessas.

Sabemos que o sol nem sempre se levanta pra todos; nem para milhões tão bem disposto.
Mas alardeamos uma igualdade de ser que não somos ou vemos.

Sabemos que amanhã será outro dia (!?). Quando muitas, e tantas vezes, apenas desconfiamos que assim venha a ser...

Sabemos que “Amor” é uma palavra; como “Rosa” é uma cor, uma flor e outra palavra.
Mas vestimos palavras com verdades, males e matizes que pouco, muito pouco, conhecemos.

Sabemos que “Querer” é um verbo voraz e insaciável. Mas pretendemos que sobre ele possamos fazer algo: talvez toureá-lo, mantendo-o sob severo controle.

Sabemos que uma linha, que sequer suporta a palavra “Tênue”, separa a Vida da Morte.

Mas, noite e dia, fazemos de conta que há um cabo de aço aonde existe somente um fiapo de fé.

Sabemos tanto que, quase nunca, queremos tentar saber aquilo que o Outro sabe ou vive: tropeçamos no alheio sentir como em pedras soltas num beco escuro.

Sabemos que sabemos e nada mais queremos saber.

E esta meia verdade se impõe como um juiz vulgar que avalia nossa partida perdida.

Sabemos que erramos. E quietos aguardamos um xeque mate - como se de nós ele não dependesse; como se fôssemos só filhos ou frutos de casos ou acasos.

Sabemos que buscamos, aqui e alhures, aquele ou aquela que Bem nos quer.

Mas nunca aceitamos como fácil tal e tão bem-querer.

Sabemos que o mundo em torno, os vizinhos ou algumas visitas, pouco se importam com nosso mal-estar.

Mas “fazemos a sala”; construímos o túmulo que outras culpas nos ditam.

Sabemos que é chegada a hora de ficar ou ir embora. Mas esperamos para ver como, afinal, tudo vai ,talvez, amanhã estar. E quase nunca, verdadeiramente, estamos ou ficamos.

Sabemos que ninguém vai viver ou por nós morrer. Mas insistimos em acreditar que outras formas de ser ou amar irão nos salvar. Nem mesmo o universo noutra “casca de noz” nos apraz ou satisfaz.

Sabemos que foi ontem e pensamos que será amanhã.

Mas nos ilude a certeza de poder vir a ser tudo o quê simplesmente não podemos ou, de fato, queremos ser.

Sabemos que viver sem certezas é mais saudável.

Mas queremos que pedra sobre pedra seja pedra sobre pedra e não, pelo menos às vezes, pão sobre pão; talvez até pão de queijo ou... Pó de arroz integral!

Sabemos, sabemos, e tanto sabemos que parece nem mais haja, para duvidar, um pequeno espaço ou lugar comum: como um canteiro, um jardim, a beira de um caminho, as margens de rios e laudas; um quintal, o inverso de uma esquina, ou nuvens grávidas sobre um lago azul.

Sabemos, sabemos, e tanto sabemos que claro nos parece nem mais preciso perguntar:
Para quê, afinal, faz-se necessário tanto saber?



*Jairo De Britto.
São Paulo,Capital
- 23.Janeiro.2008 -

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

A Vigília do Silêncio

(Fotografia by Fernando Campanella)

Apraz-me ouvir, às horas vespertinas,
Quando o ocaso desmaia o azul sidéreo,
O longo cantochão das casuarinas
Na religiosa paz do cemitério.
As árvores, em múrmuras surdinas,
De um rumor elegíaco e funéreo,
Falam de coisas mortas e divinas,
Veladas pelas sombras do mistério.

A perscrutar as vozes do arvoredo,
Na ânsia inquietante e céptica do sábio,
Tento, ó Morte! saber o teu segredo.

Mas vejo, no alvo mármore das urnas,
O Silêncio com o dedo sobre o lábio,
Olhando as vagas solidões noturnas...


Da Costa e Silva*

*Antônio Francisco da Costa e Silva
nasceu em Amarante, no Piauí, em 29 de novembro de 1885.
Faleceu em 29 de junho de 1950.
Formou-se pela Faculdade do Direito do Recife. Foi funcionário do Ministério da Fazenda, tendo ocupado os cargos de Delegado do Tesouro no Maranhão, no Amazonas,
no Rio Grande do Sul e em São Paulo. Viveu não só na capitais desses estados, mas também, por mais de uma vez, em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro. Jornalista. Recolheu-se ao silêncio, demente, em 1933.

domingo, 14 de novembro de 2010

'Sublime Sentimento'


“Senti
Uma presença que me enche da alegria
Que vem da elevação do pensamento, um sublime
Senso de uma profunda integração
Que residia na luz dos sóis poentes
Por sobre os mares, e pelo ar vibrante
E o céu azul, e pela mente do homem-
Uma vibração e um espírito, que movem
Tudo que pensa, e tudo o que é pensado
E interpenetra todas as coisas”


William Wordsworth
- Cf. “O Céu da Mente”, de TimothyFerris, p.61, Ed. Campus, 1997.

'IV'


Só recebemos o que damos – é certeza;
as nossas vidas é que vive a natureza:
Nosso é seu véu nupcial, é nossa a sua mortalha!
E se víssemos algo de maior valia
Que isto que o mundo frio e inanimado talha
Para a turba angustiada, pobre e sem amor,
Ah! a própria alma sem tardar enviaria
Uma luz, uma glória, ou nuvem de fulgor
Que envolveria a Esfera ...E da própria alma se alçaria sem entrave
Doce e potente voz, voz que a si mesmo gera,
O elemento vital de todo som suave!


Samuel Taylor Coleridge
in ‘Poemas’ Trd. Paulo Vizioli 

sou esta areia que se esvai


sou esta areia que se esvai
entre o cascalho e a duna
a chuva de Verão chove-me na vida
sobre mim a vida que me foge persegue-me
e vai acabar no dia do começo

caro instante vejo-te
nesta névoa que se levanta
quando não tiver de pisar estas longas soleiras movediças
e viver o espaço de uma porta
que se abre e que se fecha


Samuel Beckett
em Relâmpago n.º 13
tradução de Manuel Portela



Samuel Beckett
(Dublin, 13 de abril de 1906 — Paris, 22 de dezembro de 1989)
foi um dramaturgo e escritor irlandês.Recebeu o Nobel de Literatura de 1969, utiliza em suas obras, traduzidas em mais de trinta línguas, uma riqueza metafórica imensa, privilegiando uma visão pessimista acerca do fenômeno humano. É considerado um dos principais autores do denominado teatro do absurdo.

Sua obra mais famosa no Brasil é a peça Esperando Godot.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Fernando Campanella

Meus pensamentos no ralo das horas -
passam uns, outros aderem
ou deterioram.
Quem move esta máquina ontológica
de moer remoendo
...tudo que me pensa por dentro?

(Se vivesse não escrevia
não escrevendo morria)

Um poema por inteiro
às vezes me escapa
quando o tempo é meu mestre
e aprendo a desentupir a pia.

(Fernando Campanella)

sábado, 6 de novembro de 2010

À JANELA DA VIDA


Olho,
à janela,
o tempo,
que passa
e não espera
ninguém.
Tempo ingrato,
tempo que marca
a vida,
tempo perdido
no tempo,
tempo alegre,
tempo bom.
O tempo
é como o rio:
transporta
a vida
na barquinha
das recordações . . .

Delores Pires
In: A Estrela e a Busca

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

"Inutilidades"


Pouco adianta
escrever:
quando
a chuva e o frio
embala
corpos vazios.

Pouco adianta
prever:
quando
a profecia é pública
e notório
é o deserto de rios.

Pouco adianta
querer:
quando,
da antiga nascente,
já não brota
a palavra querida.

Pouco adianta
correr:
quando chegar
antecipa saber
que de tanto querer
já não mais se quer.


Jairo De Britto,
em “Dunas de Marfim”