sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014
''FLORES DE OUTONO''
Agora vou reclinando o corpo
entre a terra e as estrelas.
O espaço é breve
para a brisa do mar
que ainda soa.
E no entanto,
adormeço
no meu sonho,
sereno de harmonias
incendiando o fino pó
da terra
com estas flores violentas,
exíguas, do outono.
Vieira Calado
Portugal
[Arte: Catrin Welz- Stein]
"Noturna"
o percurso
põe-me
na permanência
de colher solidão:
inconformidades
é um espaço opaco
embalsamado pelas perspectivas
indecifradas
o ato de tecer as horas
não permanece
no meu jeito de fazer silêncios
enclausurado busco
o modo de retecer
o passado longínquo
sou evidências
e nada além de travessia.
Airton Souza
Marabá - Pará
Últimos dias de fevereiro. 2014
[Arte: Catrin Welz-Stein]
''CARNAVAL''
vista tua fantasia
que lhe serve
só nesse momento
de disfarces
chamado carna l
va
enfeitado
pensando esquecer das realidades
vista tua fantasia
disfarce os risos
colorindo as ruas
e acenando pro desconhecido
suas inverdades
vista tua fantasia
mas
não esqueça
que o amanhã
é um novo dia de sempre
com as mesmas coisas de antes
vista tua fantasia
pra viver esse instante
de pura ilusão
só não esquece
que a consciência
te cobrar um eu de ti
que não é nós.
Airton Souza
Marabá - Pará
Fevereiro de 2014
[Arte: Dorina Costras]
''Migração''
Migro, sem asas e sem canto,
Sem símbolos enigmáticos, só lembranças.
Estamos fartos do silêncio
Que nos examina facilmente.
Há sim algo de grave em nós,
Não se tem mais geração!
O mundo são dias que seguem normais,
Entre os muros, paredes e telhas,
Entre horas e minutos faceiros.
Migro, sem rumo certo,
Ouço, mas finjo não ouvir.
Nossos pensamentos não cabe mais em nós,
Da vida faceira, sorrisos emoldurados,
De um momento breve e passado,
De um amor que não cabe nos jarros,
Onde as flores morrem enfeitando ilusão.
Migro sem canto, rumo e coração!
Airton Souza
de 'O CAIR DAS HORAS'
[Arte: John Blak]
''Versos do silêncio''
Versos do silêncio
Apaixonado pelo vento
Cala o céu
Revela-se em ilusão.
Águas de meus versos
Profundas revelam paixão
Descarregam emoção
Nas ondas azuis.
A chuva de meu coração
Culpa a natureza ousada
Que escorrega fios de prata
Hoje adormecidos pela solidão.
Iara Pacini
19/06/2009
[Arte: Dorina Costras]
''Enigma''
Confusa penetro
No eterno silêncio
Escrava me faço
Margarida delicada
Fechada na gaveta.
Dormem os dias
Sem ser flamante
Agonizo sem sono
Entre primas efêmeras
Dúvidas algozes
Voam sagazes.
Despercebida pela vida
Finjo não ver o tempo
Momento à-toa
Atormentam-me os fatos
Nas asas da esperança
Desprendo-me enigma
Existo sem nada entender.
Iara Pacini
16/05/2009
[Arte: Dorina Costras]
Epílogo
Nunca estive antes tão velho.
Giram relógios na alma
e dessangram-se ampulhetas
- como a esperança e a calma.
Cai a tarde, indiferente,
sobre os muros e o jardim.
Nunca me senti tão vasto
na história contada em mim.
Ruy Espinheira Filho
quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014
'DECISÃO'
Não traço planos.
Amanhã cada minuto será transitório.
Todos os pormenores que me são próprios
terão a precisão das cordas do alaúde
em dedos sensíveis.
Serei nómada e levarei comigo
a máscara do veneno junto à boca.
Graça Pires
De Caderno de significados, 2013
''Alheia à engrenagem''
Exponho-me na versão insensata de qualquer episódio.
Misturo as datas dos factos primordiais,
dos ritos de passagem,
do solstício, da lua nova.
Morro e nasço.
Desdobro atitudes,
evocando arautos de estranhas profecias,
alheia à engrenagem
montada por artífices de paradoxos e de teias.
Graça Pires
De Conjugar afectos, 1977,
[Tela de Rafal Olbinski]
"Morte"
Esgotaram-se as palavras que repetiam
os nomes e os rostos onde repousava a luz.
Essa luz tão precária que se dissipa
quando a terra se faz túmulo no luto do olhar.
Já não indagamos as datas cobertas de cinza
por sabermos que o enredo da vida
não se deixa em testamento.
Graça Pires
De Caderno de Significados, 2013
[Tela de Rafal Oblbinski]
quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014
''Solidão''
Estás todo em ti, mar, e, todavia,
como sem ti estás, que solitário,
que distante, sempre, de ti mesmo!
Aberto em mil feridas, cada instante,
qual minha fronte,
tuas ondas, como os meus pensamentos,
vão e vêm, vão e vêm,
beijando-se, afastando-se,
num eterno conhecer-se,
mar, e desconhecer-se.
És tu e não o sabes,
pulsa-te o coração e não o sente...
Que plenitude de solidão, mar solitário!
Juan Ramón Jiménez,
in "Diario de Un Poeta Reciencasado"
Tradução de José Bento
como sem ti estás, que solitário,
que distante, sempre, de ti mesmo!
Aberto em mil feridas, cada instante,
qual minha fronte,
tuas ondas, como os meus pensamentos,
vão e vêm, vão e vêm,
beijando-se, afastando-se,
num eterno conhecer-se,
mar, e desconhecer-se.
És tu e não o sabes,
pulsa-te o coração e não o sente...
Que plenitude de solidão, mar solitário!
Juan Ramón Jiménez,
in "Diario de Un Poeta Reciencasado"
Tradução de José Bento
terça-feira, 4 de fevereiro de 2014
'SONETO DO SILENCIO'
Fantástico silencio! Nele existe
um clarão momentâneo: e tudo dorme.
Ai! que a noite irreal, cega e disforme,
ainda o faz mais pungente e amargo e triste!
Fantástico silencio moribundo
aos meus olhos aceso como velas
que iluminassem becos e vielas
pelas cidades pálidas do mundo...
Lá o vejo pender, fruto caído,
lá o vejo soprar contra as muralhas
e recobrir – silencio envelhecido –
o que a noite ocultou, e está perdido...
Lá o vejo oscilar nas cordoalhas
de algum veleiro desaparecido.
Alphonsus de Guimaraens Filho
In: 'Só a Noite é que Amanhece'
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Alphonsus de Guimaraes Filho
''Recado aos Amigos Distantes''
Meus companheiros amados,
não vos espero nem chamo:
porque vou para outros lados.
Mas é certo que vos amo.
Nem sempre os que estão mais perto
fazem melhor companhia.
Mesmo com sol encoberto,
todos sabem quando é dia.
Pelo vosso campo imenso,
vou cortando meus atalhos.
Por vosso amor é que penso
e me dou tantos trabalhos.
Não condeneis, por enquanto,
minha rebelde maneira.
Para libertar-me tanto,
fico vossa prisioneira.
Por mais que longe pareça,
ides na minha lembrança,
ides na minha cabeça,
valeis a minha Esperança.
Cecília Meireles,
de Dispersos (1951)
'Poesia Completa' Vol II pg. 1697
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