A alma é um cenário.
Por vezes, ela é como uma manhã brilhante e fresca,
inundada de alegria.
Por vezes ela é como um pôr do sol...
triste e nostálgico.

-Rubem Alves-

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Deixe seu comentário, será muito bem-vindo, os poetas agradecem.

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

''ESTRELAS DE OUTONO''



Folhas secas e amarelas
A cair, leves, no chão,
Trazem segredos que o verão
Contou, de ti, às estrelas
Quando, amor, no meio delas
Brilhavas e teu clarão
Lhes dava a doce ilusão
De serem flores, das mais belas!

De teu sorriso, a alegria,
De teu olhar a esperança
Que ao peito dá confiança
E à noite a luz, que nem dia
Elas me falam; mas, fria
A aragem do vento dança
E, humedecendo a lembrança,
Lhes torna a vida sombria!

E as saudades do luar
De Agosto, nas noites claras,
Das praias que iluminaras
Com teus olhos cor de mar,
Já só lhes deixam sonhar
Que as alegrias, tão caras
E, agora, mais e mais raras,
Desse tempo hão de voltar!

Joaquim do Carmo
Amanhecer pelo Fim da Tarde
Pag. 80.

''Lírica Urbana''

 
Poema I

Rosto na árvore de névoa
minha solidão é de granito

Um grande mar divide a esperança
e a onda telepática dos gritos

A vitrine sua pelos poros de néon
os cosméticos da mulher e mito


Ricardo Augusto dos Amjos
de Agrolírica
pag 18

''PERDIDA NO TEMPO''

... Meu corpo é trevo
e pelos meus dedos
soletro o tempo amargo,
nas páginas secretas
deste livro fechado,
com estampadas borboletas desbotadas,
e as asas de aladas borboletas...

Minha alma perdida em labirinto,
que ninguém encontrou,
nem achei, sequer... saída redentora...

Minha alma...ninguém viu!

Só existe estampada
nas páginas secretas
deste «livro» infinito
qu´inda ninguém abriu ! ...


domingo, 25 de agosto de 2013

''CHUVA''



"Chove e eu penso: haverá coisa mais viúva
que a saudade possuir olhos de chuva
e eu ter o coração de girassol?"

Cassiano Ricardo

Mais chove. E se chover soubesse
da enorme paz que me empresta,
não mais o sol, ainda que me desse
a luz essencial de sua festa.

Não mais cintila a luz que me aquece,
eu que me exponho em cada fresta.
Parte de dentro a razão: calor e prece
esta chuva é tudo que me resta.

Cismo na sala o queixo rente
e raras frutas dão notícia deste vento.
Mais chove. E a solidão furtivamente

em gotas flui também no pensamento.
Quem sabe não serei parte da chuva,
líquida noiva transformada em viúva?

Cacaso
In 'A palavra Cerzida'

''Um Sorriso ''

Vinha caindo a tarde. Era um poente de agosto.
A sombra já enoitava as moutas. A umidade
Aveludava o musgo. E tanta suavidade
Havia, de fazer chorar nesse sol-posto.

A viração do oceano acariciava o rosto
Como incorpóreas mãos. Fosse mágoa ou saudade,
Tu olhavas, sem ver, os vales e a cidade.
- Foi então que senti sorrir o meu desgosto…

Ao fundo o mar batia a crista dos escolhos…
Depois o céu… e mar e céus azuis: dir-se-ia
Prolongarem a cor ingênua de teus olhos…

A paisagem ficou espiritualizada.
Tinha adquirido uma alma. E uma nova poesia
Desceu do céu, subiu do mar, cantou na estrada…


Manuel Bandeira

“A vocês que não vi”

atrás da porta
branca
três
em lentos movimentos
de clara sombra
definindo aos poucos
foco da memória
de quem supõe do outro lado

é bom
que exista vida atrás da porta branca
e alguns caminhos percorridos


Ricardo Augusto dos Anjos
De Agrolírica
Edições Quíron, pag 43

''LEMBRANÇA''

Hoje a infância voltou com a chuva.
Rosto colado à vidraça, vi pequenos rios
arrastando folhas e formigas
rumo ao desconhecido de sempre.

Ricardo Augusto dos Anjos
de 'Agrolírica'
Edições Quíron, pag. 38

''Os Homens Ocos''



“A penny for the Old Guy”
(Um pêni para o Velho Guy)

Nós somos os homens ocos
Os homens empalhados
Uns nos outros amparados
O elmo cheio de nada. Ai de nós!
Nossas vozes dessecadas,
Quando juntos sussurramos,
São quietas e inexpressas
Como o vento na relva seca
Ou pés de ratos sobre cacos
Em nossa adega evaporada

Fôrma sem forma, sombra sem cor
Força paralisada, gesto sem vigor;

Aqueles que atravessaram
De olhos retos, para o outro reino da morte
Nos recordam – se o fazem – não como violentas
Almas danadas, mas apenas
Como os homens ocos
Os homens empalhados.

T.S. Eliot
Tradução: Ivan Junqueira

" Qualquer Coisa "


Não sei se já notaste, más existe
qualquer coisa entre nós; um sentimento
uma força sutil mas que resiste
ao tempo e às convenções. Por vezes tento

explicar a mim mesmo em que consiste
essa coisa qualquer: encantamento?
Afinidade? Amor? O pensamento
em vão busca dizer, debalde insiste

em sondar a verdade dentro da alma.
Mas esse doce enlevo, e a doce calma
que eu sinto que me envolvem se te vejo;

e depois essa angústia, esse desejo
de tudo, essa afeição, não sendo amor...
Deve ser qualquer coisa ainda maior.


*
Virgílio Moojen de Oliveira
 do livro "Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou"
J.G . de Araujo Jorge - 1a edição - 1963

*Dr. Virgílio Moojen de Oliveira nasceu em 16 outubro 1902 em Leopoldina, Minas Gerais, Brasil. Ele faleceu em 1980.

[Tela de Willem Haenraets]

''RETRATO''



Deixei em vagos espelhos
a face múltipla e vária,
mas a que ninguém conhece
essa é a face necessária.

Escuto quando me falam,
de alma longe e rosto liso,
e os lábios vão sustentando
indiferente sorriso.

A força heroica do sonho
me empurra a distantes mares,
e estou sempre navegando
por caminhos singulares.

Inquiri o mundo, as nuvens
o que existe e não existe,
mas, por detrás das mudanças,
permaneço a mesma, e triste.

Marli de Oliveira
De Cerco da Primavera (1958)

[Tela de John Revitte 'Many Faces In The Mix']

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

De José Tolentino Mendonça



'' Falta, talvez, (re)descobrir o caminho marítimo para o porto secreto de cada coração.''

A vida hoje afastou-nos da natureza: as paisagens urbanas, com as suas florestas de betão, encerram a vida entre paredes eficazes, muito cómodas, é certo, mas o ar que respiramos por alguma razão se chama “ar condicionado”. O que acredito é que precisamos de amplitude, de campos vastos a perder de vista, de viagens mais profundas que as da rotina. Precisamos perceber o silêncio das coisas, cúmplice do silêncio da nossa alma. Precisamos da liberdade leve dessas horas inapreensíveis que passamos junto ao mar. Há um poeta que diz: “Deus anda à beira d’água”. Não me admiro nada. A imensidão, o nome límpido, a alegria azul do mar são lugares onde Deus deixou o seu toque. Os caminhos marítimos para os outros continentes estão descobertos. Falta, talvez, (re)descobrir o caminho marítimo para o porto secreto de cada coração.

José Tolentino Mendonça

“QUASE”



 
... no desfiar dos dias, momento que nos pode separar do tudo ou do nada!

... sob a ditadura do relógio, instante que une o antes e o depois e
Torna presente ou ausente o agora!

...em luta pela afirmação da pessoa, impulso que permite ou impede
De escolher e, então ... então ser ou não ser!

... na aventura da vida, lapso de espaço ou de tempo que resiste entre
Sermos participantes ou meros espectadores do movimento nesse
Espaço e do devir desse tempo!

“Quase” ... no limiar do risco, o risco de ser ou ...
“apenas viver! ...


Joaquim do Carmo
De:  Amanhecer pelo Fim da Tarde
Pag. 23

''Poema para Iludir a Vida''

Tudo na vida está em esquecer o dia que passa.
Não importa que hoje seja qualquer coisa triste,
um cedro, areias, raízes,
ou asa de anjo
caída num paul.
O navio que passou além da barra
já não lembra a barra.
Tu o olhas nas estranhas águas que ele há-de sulcar
e nas estranhas gentes que o esperam em estranhos
[portos.
Hoje corre-te um rio dos olhos
e dos olhos arrancas limos e morcegos.
Ah, mas a tua vitória está em saber que não é hoje
[o fim
e que há certezas, firmes e belas,
que nem os olhos vesgos
podem negar.
Hoje é o dia de amanhã.

Fernando Namora,
in "Mar de Sargaços"

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

''MARIA MADALENA''


Num agradecimento especial,
venho elevar-te
à altura dos criadores de ARTE,
que usam a paleta como escape,
para gravar suas ilusões,
para deixar vir ao de cima
a sua formação espiritual...

Mas ,tu, tu, és especial !
Levantas o meu astral ,
enganado pela vida,
nos momentos impiedosos
das minhas impiedosas desilusões...

E, como magia, cobres
com tua soberba arte ,
a melancólica poesia,
dos meus atos escritos,
tresloucados,
cobrindo com desenhos castos
e véus diáfanos de sonho,
as palavras empobrecidas
que em frases ponho...

Minhas asas voam mais alto...
Voam como libelinhas
poisando, levemente,
nas suaves cores das tuas figuras,
na precisão das tuas silhuetas,
nos recortes e linhas
das imagens belas e discretas,
que tão bem combinas...

E, fico divagando... comigo só...

Que profundidade de alma,
há, na maravilhosa cambiologia
e simbologia deste ser,
que tudo dá...
...sem nada receber...

OEIRAS, 9-8-2013

Nìdia Horta



Poema que ganhei da poeta portuguesa Nìdia Horta, o qual muito me emocionou...
Muito obrigada amiga, você é muito generosa com seus belíssimo versos.
 Meu coração agradece comovido...

terça-feira, 6 de agosto de 2013

"Garras dos Sentidos"

 
São cavalos corredores
Com asas de ferro e chumbo,
Caídos nas águas fundas,
não quero cantar amores.

Paraísos proibidos,
Contentamentos injustos,
Feliz adversidade,
Amores são passos perdidos.

São demências dos olhares,
Alegre festa de pranto,
São furor obediente,
São frios raios solares.

Da má sorte defendidos
Os homens de bom juízo
Têm nas mãos prodigiosas
Verdes garras dos sentidos.

Não quero cantar amores
Nem falar dos seus motivos.

 Agustina Bessa-Luis

''Há certas coisas de voar''

 
Há certas coisas de voar –
Aves – abelhas – horas do dia –
Delas nenhuma elegia.

Há outras coisas de ficar –
Dor – colinas – eternidade –
Não me competem, em verdade.

E há outras que o repouso re-anima –
O arcaz dos céus posso eu expor?
Tão quieto jaz o enigma!

Emily Dickinson
in 'Uma centena de poemas'