quinta-feira, 28 de junho de 2012
''O que não se recorda''
(Painting by Willem Haenraets)
Para voltar a ser feliz era
somente preciso ser hábil
ao recordar.
Buscávamos
dentro do coração nossas lembranças.
A alegria talvez não tenha história.
Ao olhar para dentro de nós dois
ficávamos calados.
Teus olhos eram
como um rebanho quieto
que seu tremor reúne sob a sombra
do álamo.
O silêncio
pôde mais que o esforço.
Anoitecia
para sempre no céu.
Não pudemos voltar a recordá-lo.
No mar a brisa era um menino cego.
Luís Rosales
(1910-1992)Espanha
Para voltar a ser feliz era
somente preciso ser hábil
ao recordar.
Buscávamos
dentro do coração nossas lembranças.
A alegria talvez não tenha história.
Ao olhar para dentro de nós dois
ficávamos calados.
Teus olhos eram
como um rebanho quieto
que seu tremor reúne sob a sombra
do álamo.
O silêncio
pôde mais que o esforço.
Anoitecia
para sempre no céu.
Não pudemos voltar a recordá-lo.
No mar a brisa era um menino cego.
Luís Rosales
(1910-1992)Espanha
'DESBORDAMENTO'
Por tanta vida que transporto no meu sangue
vacilo
no vasto Inverno.
E de repente,
como por uma fonte que se solta
na estepe,
uma ferida que no sonho
se reabre,
nascem pensamentos
no desértico castelo da noite.
Criatura de fábulas, pelas mudas
habitações onde se consomem as lâmpadas
esquecidas,
transcorre leve uma palavra branca:
voam pombas desde a açoteia
como numa paisagem marítima.
Bondade, regressas a mim:
desfaz-se o Inverno no desbordamento
do meu sangue mais puro,
o pranto ainda pode ser docemente nomeado perdão.
Antonia Pozzi
-Itália-
"Preservação"
Chama-se liberdade o bem que sentes,
Águia que pairas sobre as serranias;
Chamam-se tiranias
Os acenos que o mundo
Cá de baixo de faz;
Não desças do teu céu de solidão,
Pomba da verdadeira paz,
Imagem de nenhuma servidão!
Miguel Torga
de 'Obra Completa'
De Alberto Ceiro...
Vive, dizes, no presente;
Vive só no presente.
Mas eu não quero o presente, quero a realidade;
Quero as coisas que existem, não o tempo que as mede.
O que é o presente?
É uma coisa relativa ao passado e ao futuro.
É uma coisa que existe em virtude de outras coisas existirem.
Eu quero só a realidade, as coisas sem presente.
Não quero incluir o tempo no meu esquema.
Não quero pensar nas coisas como presentes; quero pensar nelas como coisas.
Não quero separá-las de si próprias, tratando-as por presentes.
Eu devia vê-las, apenas vê-las;
Vê-las até não poder pensar nelas,
Vê-las sem tempo, nem espaço,
Ver podendo dispensar tudo menos o que se vê.
É esta a ciência de ver, que não é nenhuma.
Alberto Caeiro
(Heterônimo de Fernando Pessoa)
terça-feira, 26 de junho de 2012
''LA FUITE DE LA LUNE''
To outer senses there is peace,
A dreamy peace on either hand,
Deep silence in the shadowy land,
Deep silence where the shadows cease.
Save for a cry that echoes shrill
From some lone bird disconsolate;
A corncrake calling to its mate;
The answer from the misty hill.
And suddenly the moon withdraws
Her sickle from the lightening skies,
And to her sombre cavern flies,
Wrapped in a veil of yellow gauze.
Oscar Wilde
'La Fuite de la Lune' was originally published in the Irish Monthly, February, 1877, as part III of Lotus Leaves.
''Quero Chegar ...''
(Painting by Vincent Willem van Gogh)
Quero chegar em tudo ao cerne,
ao mais oculto.
Buscando a rota, no afazer, no
peito em tumulto.
Ao bojo dos dias de outrora,
ao próprio centro,
justo às raízes e às escoras,
medula adentro.
Sempre agarrando toda a série
de sinas, fatos,
sentir, pensar, amar, viver e
fazer achados.
E escreveria, ah, se o lograsse,
sobre os diversos
dons da paixão, de todo ou quase,
em oito versos
Seus crimes, fugas e caçadas,
seus atropelos
acidentais, mãos espalmadas
e cotovelos.
Deduziria a essência inata
e as suas leis,
diria a inicial de cada
nome outra vez.
Dispondo cantos em canteiros,
com veias tensas,
veria as tílias: o horto inteiro
posto em sequência.
E verteria, em verso, aromas
de rosa e menta,
prado, flor, feno e quanto assoma
numa tormenta.
Assim Chopin verteu – portento
vivo – seu mundo,
sítios, jazigos, bosques, dentro
de seus estudos.
O jogo e o suplício do afã de
vencer de fato –
a corda retesa e vibrante
do arco dobrado.
Boris Pasternak
1956
(Tradução Nelson Ascher)
(Estse poema de BORIS PASTERNAK pertencem à última fase, quando ele pretendia chegar à dicção mais direta e singela.)
Revista USP, nº 19, set./out./nov. 1993, p. 188-203.
Quero chegar em tudo ao cerne,
ao mais oculto.
Buscando a rota, no afazer, no
peito em tumulto.
Ao bojo dos dias de outrora,
ao próprio centro,
justo às raízes e às escoras,
medula adentro.
Sempre agarrando toda a série
de sinas, fatos,
sentir, pensar, amar, viver e
fazer achados.
E escreveria, ah, se o lograsse,
sobre os diversos
dons da paixão, de todo ou quase,
em oito versos
Seus crimes, fugas e caçadas,
seus atropelos
acidentais, mãos espalmadas
e cotovelos.
Deduziria a essência inata
e as suas leis,
diria a inicial de cada
nome outra vez.
Dispondo cantos em canteiros,
com veias tensas,
veria as tílias: o horto inteiro
posto em sequência.
E verteria, em verso, aromas
de rosa e menta,
prado, flor, feno e quanto assoma
numa tormenta.
Assim Chopin verteu – portento
vivo – seu mundo,
sítios, jazigos, bosques, dentro
de seus estudos.
O jogo e o suplício do afã de
vencer de fato –
a corda retesa e vibrante
do arco dobrado.
Boris Pasternak
1956
(Tradução Nelson Ascher)
(Estse poema de BORIS PASTERNAK pertencem à última fase, quando ele pretendia chegar à dicção mais direta e singela.)
Revista USP, nº 19, set./out./nov. 1993, p. 188-203.
segunda-feira, 25 de junho de 2012
''Carta aos mortos ''
Amigos, nada mudou
em essência.
Os salários mal dão para os gastos,
as guerras não terminaram
e há vírus novos e terríveis,
embora o avanço da medicina.
Volta e meia um vizinho
tomba morto por questão de amor.
Há filmes interessantes, é verdade,
e como sempre, mulheres portentosas
nos seduzem com suas bocas e pernas,
mas em matéria de amor
não inventamos nenhuma posição nova.
Alguns cosmonautas ficam no espaço
seis meses ou mais, testando a engrenagem
e a solidão.
Em cada olimpíada há recordes previstos
e nos países, avanços e recuos sociais.
Mas nenhum pássaro mudou seu canto
com a modernidade.
Reencenamos as mesmas tragédias gregas,
relemos o Quixote, e a primavera
chega pontualmente cada ano.
Alguns hábitos, rios e florestas
se perderam.
Ninguém mais coloca cadeiras na calçada
ou toma a fresca da tarde,
mas temos máquinas velocíssimas
que nos dispensam de pensar.
Sobre o desaparecimento dos dinossauros
e a formação das galáxias
não avançamos nada.
Roupas vão e voltam com as modas.
Governos fortes caem, outros se levantam,
países se dividem
e as formigas e abelhas continuam
fiéis ao seu trabalho.
Nada mudou em essência.
Cantamos parabéns nas festas,
discutimos futebol na esquina
morremos em estúpidos desastres
e volta e meia
um de nós olha o céu quando estrelado
com o mesmo pasmo das cavernas.
E cada geração , insolente,
continua a achar
que vive no ápice da história.
Afonso Romano de Sant'ana
' Acalanto'
(John William Waterhouse.)
As cordas deste banjo,
tangê-las, uma a uma, num cantar de ninho
de pétalas tecido, rocejando a linho,
desatando em mornos braços o acalanto,
quisera.
O sopro de um arcanjo
no ar dormido, um ruflar tenuíssimo de asas,
macieza de penas - penas de meus cantos -
voejando em rodopios por ruas e campos,
pudera
ir velar-te onde estejas com teu riso claro
acendendo-me as noites de narciso e enfaro.
Ymah Théres
(Lima Duarte - Minas Gerais)
(THÉRES, 1991)
segunda-feira, 18 de junho de 2012
'TERNURA'
Eu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor
seja uma velha canção nos teus ouvidos
Das horas que passei à sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentando
Pela graça indizível
dos teus passos eternamente fugindo
Trago a doçura
dos que aceitam melancolicamente.
E posso te dizer
que o grande afeto que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas
nem a fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras
dos véus da alma...
É um sossego, uma unção,
um transbordamento de carícias
E só te pede que te repouses quieta,
muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite
encontrem sem fatalidade
o olhar estático da aurora.
Vinícius de Moraes
'SONETO DA FIDELIDADE'
(Minha Filha e meu genro,14/06/2012,bodas em Punta Cana, Republica Dominicana)
Soneto de Fidelidade
De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
Vinícius de Moraes
(Clique na foto para ver o tamanho original)
segunda-feira, 4 de junho de 2012
(Excerto de "Song of myself" part 32)
(Foto de Alexander Pylyshenko) (Ucrania)
"Penso que eu poderia mudar-me para viver com os animais,
eles são tão plácidos e independentes,
De pé, eu olho para eles por muito e muito tempo.
Eles não suam nem se lamentam de sua condição,
Não se deitam e rolam acordados no escuro chorando por seus pecados,
Não me deixam enjoado discutindo seus deveres perante Deus,
Nenhum está insatisfeito, nenhum está ensandecido com a mania de possuir coisas,
Nenhum se ajoelha diante do outro, nem para os de sua espécie que viveram há milhares de anos,
Nenhum é respeitável ou infeliz na terra toda..."
(...)
Walt Whitman
(Excerto de "Song of myself" part 32)
I think I could turn and live with animals, they are so placid and
self-contain'd,
I stand and look at them long and long.They do not sweat and whine about their condition,
They do not lie awake in the dark and weep for their sins,
They do not make me sick discussing their duty to God,
Not one is dissatisfied, not one is demented with the mania of
owning things,
Not one kneels to another, nor to his kind that lived thousands of
years ago,
Not one is respectable or unhappy over the whole earth.
Walt Whitman
("Song of myself" part 32)
'SONETO ATRAVESSADO POR UM RIO'
A Manolo Alcántara
Tarde tão bela para estar ausente
e chorar um amor infortunado,
empalidecendo entre o desfolhado
de um claro rio ao som da corrente.
Ainda que aberta na mão do presente,
tarde que já parece do passado
por seu aroma de tempo reprimido
e sua atitude de pensativa fronte.
Tarde pura, Deus meu, como aquelas
em que me surpreendiam as estrelas
triste do céu azul e o vento triste.
Dá-me outra vez, Deus meu, a tristeza,
e a ausência, e o rio que atravessa,
já que esta tarde trêmula me deste.
Eduardo Carranza
In: Antologia Poética
'Novas diagonais'
Calejei-me: sou magna-impenetrável,
Psico-impermeável, tranquilizadoramente forrada de calos.
Estrela vermelha com nervos antiabalos.
Roí o tempo carrasco e insuportável,
Dias e dias quais eras de esferas solitárias:
Clausuras de saudade maçante entupindo artérias de silêncio.
Vomitei a dor famigerada, a tortura inquisitória,
Rasguei o véu cinzento do sacrifício:
Anestesiei-me de ti!
Pisoteei tua ausência descabida, alardeada como hospício:
Tornei não recorrente a retórica exasperante
Da tua boca úmida e insistentemente ausente.
Alargo as madrugadas em luas desfraldadas,
Disponível ao presente, até que outro rosto se apresente
E trace diagonais passionais na minha pele enluarada.
Teu tempo já é nada, vertente desfigurada,
Anulada na luz nascente de outra estrada.
Tantas vezes morri, já tanto renasci de superar-me!
Stella de Sanctis
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