A alma é um cenário.
Por vezes, ela é como uma manhã brilhante e fresca,
inundada de alegria.
Por vezes ela é como um pôr do sol...
triste e nostálgico.

-Rubem Alves-

Seja bem-vindo. Hoje é
Deixe seu comentário, será muito bem-vindo, os poetas agradecem.

sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

“AO QUE FINDA E AO QUE INICIA”




Um brinde
à santa paciência dos homens de boa vontade, à inclusão do amor, ao coração breve, à equanimidade, à noite escura que aguarda a madrugada, ao Espírito que nos aquece, à boa palavra, ao alívio da dor, aos amigos, aos que nos cercam – e um perdão aos que nos ferem , aos que nos esquecem...

Bebamos à saúde
de Bagdá, Telavive, Palestina e Nova Iorque, das Áfricas de sul a norte, da Europa, Ásia e Islândia, dos Lamas, do cordeiro de Deus, do papa, das madrassas, dos avatares, dos babalorixás, da boa política de todos os credos, das Américas de toda sorte, do continente australiano, das ilhas, dos oceanos, dos pingüins da Antártida, dos ursos do Pólo Norte...

Uma saudação
aos judeus, cristãos e mulçumanos, aos mouros, hindus e budistas, e aos ecologistas militantes, aos celtas, índios , beduínos, esquimós, pigmeus, ( aos eventuais alieníginas), aos peregrinos, aos românticos, aos ateus, aos poetas errantes, aos bem resolvidos e aos que sofrem – os do mundo excluídos, os encarcerados, os terminais e delirantes - ao velho e à criança, aos grandes e pequeninos...

Loas
aos pássaros de toda plumagem e canto, aos insetos, répteis e sapos, à dança da chuva, à alquimia do sol, às folhagens, ao pólen, aos cristais de quartzo, aos riachos, à lua, aos céus, ao solo, aos planetas, aos meteoritos e pirilampos, aos buracos negros e às intransponíveis galáxias – e à arte maior que a tudo abraça e que de tudo se encanta...

Uma libação
aos vivos e aos mortos, ao ano que principia e ao que se desmancha, ao dia-após-dia, à Terra, à nossa espoliada casa , à nossa jornada, ao protocolo de Kioto, à física quântica, a Você, a Mim, à nossa imensa família, aos vários sexos e raças, às nossas diferenças e igualdade, à utopia, a um novo milênio , à esperança de um novo mundo com mais LUZ e TOLERÂNCIA, a um DEUS, enfim, maior à nossa própria imagem, às cores, ao arco da nova aliança.



(F. Campanella, 31 de Dezembro de 2006)

Encontrei este fantástico poeta nas páginas de uma amiga, e "tomei emprestado" para este blog.Deliciem-se com sua maravilhosa lirica.
MM

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

"NA SOLIDÃO DO PARQUE ABANDONADO"



Na solidão do parque abandonado,
chora, abraçado às àrvores, o vento.
Ouve-se da água o trêmulo lamento
sobre as conchas de mármore gelado.

Sobe, lúcida, a lua. Solitário,
foge smorzando, sob o azul sereno,
como um grito de amor, o último treno
do último e doloroso stradivário.

— "Oh, dá-me o teu desejo! Sob o vasto,
noturno encanto, dá-me o teu desejo!
Quero a tua alma que, entre os lírios, vejo
como outro lírio, luminoso e casto!

Por que te afastas sempre do meu passo?
Sou o mudo exilado do teu seio...
Não sentirás jamais o meu anseio?
Levam-me o Amor e a Morte, pelo braço."

Que estranha insônia acorda o mal pressago,
vem despertar o antigo pesadelo?
Pudesse a lua, ao menos, compreendê-lo!
Perde-se, ao longe, o último acorde vago.

Sobre as conchas de mármore, gelado,
não se ouve mais o trêmulo lamento.
Queda-se a lua. Silencia o vento.
Dorme, sombrio, o parque do Passado.


Eduardo Guimaraes
Publicado no livro A divina quimera (1916).
In: GUIMARAENS, Eduardo. A divina quimera. Org. e pref. Mansueto Bernardi. Porto Alegre: Globo, 194

"ILHA DISTANTE"



Ilha de melancolia,
Sem portos e sem cidades —
Só praias de areia fria
E coqueiros com saudades;

Praias de uma areia morta,
Conchas que ninguém apanha,
Coqueiros que o vento corta,
Brandido por mão estranha;

Morta já à flor da onda
A espuma a sumir na areia;
Nenhuma voz que responda
Aos ais que o vento semeia;

Ilha deserta, deserta,
Nem sequer junto a outra ilha;
E à noite uma luz incerta
Que não se sabe onde brilha;

Ilha de um só habitante,
Com seu mar fora do mundo,
Mar que na maré vazante
Cava cem braças de fundo —

Ainda hás de ser a alegria
De um vaporzinho cargueiro
Que a ti chegará um dia
Perdido no nevoeiro.


Ribeiro Couto
in Entre Mar e Rio: poesia (1952). Poema integrante da série Litoral Bravio.
Poesias reunidas. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1960. p.422

"O OCASO NO MAR"



O céu a valva azul de uma concha semelha
De que outra valva é o mar ouriçado de escamas.
No ponto de junção, o sol - molusco em chamas -
Do bisso espalha no ar a incendida centelha.

Listões de intenso anil, raias de cor vermelha,
Grandes manchas de opala, arabescos e lhamas,
Da luz todos os tons, da cor todas as gamas
Vibram na valva azul que a valva verde espelha.

Mas todo este fulgor esmaece e se apaga.
Tímido, o olhar do sol bóia de vaga em vaga,
Porque uma sombra investe a sua concha enorme.

É a noite: como um polvo, insidiosa, se eleva.
Desenrola os seus mil tentáculos de treva:
E o sol, vendo-a crescer, fecha as valvas e dorme


Arthur de Salles
In: "Sete tons de uma poesia maior "
Ed Record- Cláudio Veiga pag .123

"MANHÃ ENTRE ÁRVORES"



Claro azul matinal, cortado de asas claras;
Num frêmito, sorrindo, a alma verde do campo;
Finas tramas de luz, suavíssimas e raras,
Vestindo a penedia, a praia, o mar escampo...

Anda esparzida no ar, maravilhoso e casto,
Uma unção de bondade e de carícia extrema.
Vem do arvoredo em flor, murmurejante e basto,
Em ondas, o fulgor de uma vida suprema.

Céu de safira, mar de esmeralda tremente ...
A ária fulva de luz, a indômita alegria
Dos pássaros ... Que dia! Isto deifica a gente.
Vou-me ao campo gozar da esplendidez do dia.

Saio. Uma brisa leve estremece a folhagem.
E sigo, envolto em luz e bêbedo de sons.
Galgo o outeiro e daí, do alto, abranjo a paisagem,
Na insólita explosão multíplice dos tons.

. . .

Ver as árvores, ver esses verdes delubros ...
Tanta festa de amor sob essas ramas! Vê-las,
Heróicas, suspendendo os frutos, ora rubros,
Ora fulvos, lembrando um punhado de estrelas!

Como os gozos daqui, trópicos, rutilantes,
Com o meu guloso olhar de desejos vibrado!
Como a árvore me estende os braços tremulantes,
Para a festa pagã desse vinho aromado!

Aves, aos turbilhões, voejando em torno, inquietas ...
Com as aves também vou, na mesma ânsia insofrida,
Nesses frutos sorver, como em taças repletas,
Luminosas porções flamejantes de vida.

Frutos áureos, à luz, estrelejando as ramas
De incidências iriais e vívidas de sol ...
Frutos, glória do olhar, vermelhos como as chamas,
Como o pedaço vivo e quente de arrebol!

..................................................................................

Árvores, sois na terra o símbolo bendito
Da bondade e do amor, do carinho risonho:
Agasalhais o mau, a ave, a fera, o precito;
Dais o fruto, que é a Vida; e dais a flor, que é o sonho!



Arthur de Salles
in "Sete Tons de Uma Poesia Maior"
Ed Record- Cláudio Veiga-1984-

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

"HEMOS PERDIDO AUN ESTE CREPUSCULO"



Hemos perdido aun este crepusculo.
Nadie nos vio esta tarde con las manos unidas
mientras la noche azul caia sobre el mundo.

He visto desde mi ventana
la fiesta del poniente en los cerros lejanos.

A veces como una moneda
se encendia un pedazo de sol entre mis manos.

Yo te recordaba con el alma apretada
de esa tristeza que tu me conoces.

Entonces, donde estabas?
Entre que gentes?
Diciendo que palabras?
Por que se me vendra todo el amor de golpe
cuando me siento triste, y te siento lejana?

Cayo el libro que siempre se toma en el crepusculo,
y como un perro herido rodo a mis pies mi capa.

Siempre, siempre te alejas en las tardes
hacia donde el crepusculo corre borrando estatuas.


Pablo Neruda

AÇÃO DE GRAÇAS


Eu Te agradeço Senhor,
pelas belezas esparsas no mundo,
mesmo por aquelas que não posso tocar...
Eu Te agradeço pelas belezas ocultas
que alguém não vê
mas que minha alma é capaz de adivinhar.

Eu te agradeço o sorriso da criança
a flor que se balança
e o pássaro que corta o ar...
Mas também Te agradeço
a canção que me cantas
quando o sofrimento se avizinha,
maltratando o coração
que se esquece de cantar...

Obrigada, Senhor,
por poder participar
dos trabalhos deste mundo
em construção...

Obrigada por teres-me ensinado
a chorar cantando
para que na minha humana fraqueza
o meu canto amparasse
a minha alma submissa e indefesa...

Sobretudo eu Te agradeço
as lindas rosas de amor
que jogaste em meus caminhos...
- Obrigada, Senhor,
pois fiz delas um bouquet
só de rosas sem espinhos.


Zoraida H. Guimarães
in Ainda Há Sol Atrás da Montanha

domingo, 10 de fevereiro de 2008

"TANTA TRISTEZA NAS ÁGUAS ..."



Tanta tristeza nas águas
na face que refletia
o espelho frágil da lua
miragem melancolia.

Em que reino vive agora
a princesa que vivia
na infância sob amoreiras
acesas à luz do dia?

Onde o sol, onde o tumulto
de pombas no céu ardente
onde o frio da tarde morta
entre escombros do poente?

Tanta tristeza nas águas
na face que refletia
o espelho frágil da lua
miragem melancolia.

Onde a lua marinheira
no alto céu que surgia –
negro mar cheio de espantos
mordido de ventanias?

Onde o Rei do reino ausente
onde a fada que fazia
do mundo um sono profundo
e do sonho a luz do dia?

Tanta tristeza nas águas
na face que refletia
o espelho frágil da lua
miragem melancolia.


Dora Ferreira da Silva
in Poesia Reunida

"NOSTÁLGICA N.º 2"



Esse tempo que passa como um vento brando
agitando um ramo desfolhando o aroma
esse tempo de asa entre flor e flor
que leva pólen e insetos embriagados
esse vento quase tristeza em meus lábios
que vai levando e me deixando a sós
fala da alma que me desabita
do meu corpo ausente quando não estás


Dora Ferreira da Silva
in Poesia Reunida

METAFÍSICA



Vai tempo onda marinha afogando teus mortos
rola na orla estreita búzios e medusas
põe no ouvido ávido dos vivos
a breve canção do invisível mar
canção de um longe que ressoa
vai tempo fantástica maré
anêmona vibrante
colhe em teu cerco o sorriso do homem
e o pólen dos séculos.

Voa pássaro marinho
semente viva entre rochedos
foge para as ilhas
à beira das águas taciturnas

Tempo
mar e marinheiros
barco e viagem
arrasta teus cansados velames e o vento que os impele
vai velho marujo
rumo aos horizontes incompletos


Dora Ferreira da Silva
Poesia Reunida

Valsas de Esquina de Mignone



Só um pássaro
e seu peso de orvalho tocando
o chão como se foram teclas.
Passa onde a graça
ilumina a cidade de ferro
subitamente atenta a essa beleza.


Nos jardins teimam rosas
delicadamente.
Violetas africanas
salpicam de ouro
muros escuros
e as princesas purpúreas
espiam dos balcões verdes
nas paredes florescidas:
dançam pétalas
dança a vida
nos jardins contentes
não termina a partitura
que se repete
sempre.


Dora Ferreira da Silva
in "Poesia reunida"

"O VENTO"



Na palma do vento
pouso a fronte. Nele confio.
A quem confiaria senão a ele
este rude labor?

Abandono-me à tormenta
(lumes mastros
gaivotas do mar próximo).

Enreda-me a noite.
Mas dele são os dedos leves
que me fecham os olhos. E é manhã.


Dora Ferreiora da Silva
in Jardins (Esconderijos) (1979)

PROCURA-SE UMA ROSA



A rosa de que preciso
é flor nativa de mim.
Eu quero a rosa precisa
princípio
meio e fim.

A rosa de que preciso,
não a rosa dos poetas...
Mas a rosa imponderável
dos loucos
e dos profetas.

A rosa de que preciso,
não das mãos dos jardineiros...
Quero a rosa padecida
das feridas
dos romeiros.

A rosa de que preciso
vem do olhar dos passarinhos.
A rosa para ser rosa
não precisa
dos espinhos.

Eu quero a rosa votiva
dos vitrais e reposteiros
entre preces conspirada
no conluio
dos mosteiros.

A rosa de que preciso
não é a rosa-dos-ventos...
Quero a rosa irresoluta
biruta
dos cata-ventos...

A rosa de que preciso
vem de abismos e desertos
como a palavra perdida
reencontrada
em meus afetos.

Às vezes mais que loucura!
Às vezes mais que razão...
A rosa de que preciso
é amor
mais que paixão...


A. Estebanez

"DELICATESSE"



A gota de orvalho
soltou-se do galho:
a gota caída.

A gota de orvalho
caída nas águas:
a gota perdida.

A gota de orvalho
da tua presença
virou minha vida.

A.Estebanez

PASTOREIO



Depois que aqui for deixado
e todos tiverem ido
vou ser vento libertado
pelas mãos dos desvalidos
espalhando flor e pólen
no solo fertiliza
com o pranto dos oprimidos...

Vou soltar as estribeiras
cavalgar nuvens em pêlo
e aboiar as corredeiras
de meus rios represados...
Vou montar a liberdade
fingida das carpideira
na pena dos condenados.

Sob os lábios comprimidos
dente por dente calado
olho por olho cerrado
na masmorra dos sentidos...
Vou virar redemoinhos
e girar pelos caminhos
como pássaros banidos.

Meus sonhos pagens de ninfas
Luzes sombras sobre os lagos
prado em flor de claras tintas
de mistérios desvendados...
Vou apascentar meus mortos
na paz de ovelhas famintas
entre lobos saciados...

A Estebanez