segunda-feira, 15 de setembro de 2014
SONETO DE AMOR BUCÓLICO
Aqui me tenho só entre infinitos lados
de verdes vales entre rosas renascidas,
das horas idas dos amores já passados
quebrei o cálice das mágoas e feridas.
Leguei às aves entoar minhas cantigas
nos arvoredos sobre o rio debruçados,
nas águas atirei as vestes mais antigas
desse crepúsculo de sonhos fatigados.
Muitas vezes adormeci mirando a lua
adernando no céu como uma caravela
destinada a ancorar na minha solidão.
E hoje hei crido que o luar é uma rua
de onde vem a lua abrir minha janela
para ficar com meu amor no coração.
Afonso Estebanez.
[Arte: Christian Schloe]
sexta-feira, 12 de setembro de 2014
TEMPO DE ESQUECER
Sabes que sou como um rio abandonado
no sedento leito do esquecimento,
e a tua vã lembrança tão unido
como a água ao seu céu refletido;
Sabes que sou como o tempo desfolhado
na mão final do que foi perdido
e, como um horizonte proibido,
me envolves o sonho vigilante;
Sabes que sou como o ar, destinado
ao voo de tuas aves, som ferido
surdidor rouxinol e enamorado:
Sobre este coração crepuscular
e por turvas marés assaltado,
tornas-te nuvem voando para o esquecimento.
Eduardo Carranza
IMAGEM QUASE PERDIDA
És como a luz alta e delgada.
Como o vento és clara sem o saber.
Vacila tua atitude como a tarde
suavemente inclinada sobre o mundo
És feita de sonhos esquecidos
e te esqueço logo, como a um sonho;
meu coração te busca como a fumaça
busca a altura e nela morre.
Como uma trepida flor te leva o dia
Presa entre seus lábios. És alta,
azul, delgada e reta como um silvo.
Recordo-te, de imediato, como a um sonho.
Eduardo Carranza
In: Antologia Poética
domingo, 7 de setembro de 2014
À MELANCOLIA
No vinho ou entre amigos, de ti eu fugia,
pois do teu olho escuro eu sentia pavor:
ingrato filho teu, assim eu te esquecia
ao toque do alaúde e nos braços do amor.
Com toda a discrição, no entanto, me seguias:
sempre estavas no vinho que eu tonto bebia
e no mormaço das minhas noites de amor
e no desdém com que eu a ti me referia.
Agora me refrescas os membros cansados
e tens minha cabeça em teu colo macio,
para o regresso das minhas longas viagens
- pois a ti me traziam todos os meus desvios.
Hermann Hesse
In: Andares Antologia Poética
Tradução: Geir Campos
pois do teu olho escuro eu sentia pavor:
ingrato filho teu, assim eu te esquecia
ao toque do alaúde e nos braços do amor.
Com toda a discrição, no entanto, me seguias:
sempre estavas no vinho que eu tonto bebia
e no mormaço das minhas noites de amor
e no desdém com que eu a ti me referia.
Agora me refrescas os membros cansados
e tens minha cabeça em teu colo macio,
para o regresso das minhas longas viagens
- pois a ti me traziam todos os meus desvios.
Hermann Hesse
In: Andares Antologia Poética
Tradução: Geir Campos
quinta-feira, 4 de setembro de 2014
CANTIGA I
Não quebres o encanto
da palavra vida.
Deixa que a palavra
role assim perdida
como a própria sombra
dessa coisa-vida.
Deixa que seu canto
se prolongue ainda
sobre os mil segredos
desta tarde linda,
sobre o mar sereno,
sobre a praia infinda.
Há tanto silêncio,
tanta paz na vida
que nem mesmo o tempo
com sua arte erguida
roubará o encanto
da palavravida.
Deixa que a palavra
ande assim perdida...
-Alguém docemente
pensará na vida.
Gilberto Mendonça Teles
[Arte de Karina Lergo]
CANÇÃO DA TARDE NO CAMPO
Caminho do campo verde,
estrada depois de estrada.
Cercas de flores, palmeiras,
serra azul, água calada.
(Eu ando sozinha
no meio do vale.
Mas a tarde é minha.)
Meus pés vão pisando a terra
que é a imagem da minha vida:
tão vazia, mas tão bela,
tão certa, mas tão perdida!
(Eu ando sozinha
por cima de pedras.
Mas a flor é minha.)
Os meus passos no caminho
são como os passos da lua:
vou chegando, vais fugindo
minha alma é a sombra da tua.
(Eu ando sozinha
por dentro de bosques.
Mas a fonte é minha.)
De tanto olhar para longe,
não vejo o que passa perto.
Subo monte, desço monte,
meu peito é puro deserto.
(Eu ando sozinha,
ao longo da noite.
Mas a estrela é minha.)
Cecília Meireles
In Obra Poética
SONHOS
mergulha nos sonhos
ou um lema pode ser teu alimento
(as árvores são as suas raízes
e o vento é o vento)
confia no teu coração
se os mares se incendeiam
(e vive pelo amor
embora as estrelas para trás andem)
honra o passado
mas acolhe o futuro
(e esgota no bailado
deste casamento a tua morte)
não te importes com o mundo
com quem faz a paz e a guerra
(pois deus gosta de raparigas
e do amanhã e da terra)
e.e. cummings
'A miragem no caminho'
Perdeu-se em nada,
caminhou sozinho,
a perseguir um grande sonho louco.
(E a felicidade
era aquele pouco
que desprezou ao longo do caminho).
Helena Kolody
In: Poemas do Amor Impossível
'Águia'
Voar, pensava então,
como se num bater de asas se elevasse o
mundo,
como se a primavera rasgasse para sempre
a nuvem escura,
e sobre os meses não caíssem as penas,
como se as minhas garras sustentassem o
cordeiro ou a estrela
e mais para cima o meu bico cansado
levasse o teu coração.
José Agostinho Baptista
in: 'Agora e na Hora da Nossa Morte'
A tarde cai lentamente
Como quem olha pela última vez o destino
das sombras, a tarde cai, lentamente,
retomando aromas e sons
que a claridade do dia preteriu.
É, então, que ressaltam as emoções,
desordenadamente guardadas no peito
e os pássaros voam, quase loucos,
à procura do sol.
Graça Pires
De Quando as estevas entraram no poema, 2005
CANÇÃO DA ALMA MEDITATIVA
O vento sopra nas telhas
lembranças de um vento antigo.
Há um frio de horas velhas
na alma que se medita.
Sopra o vento, sopra o tempo
- e o que se medita a alma?
Não diz. Mas, seja o que for,
será, como tudo, nada.
Ruy Espinheira Filho
In Estação Infinita e Outros Poemas
Divergência
O sol acordou amanheceu
Pássaros gorjearam, alvoreceu
Um verde sonho ficou em mim
Em ondas de sons breves
A madrugada encoberta
Versos atravessam minha mente
Se espalham pelo sem fim
Por tantas janelas abertas
Há vários trovões feridos
Na noite de meus dedos
Querência tantas esquecidas
Vou avivar o tempo... COM JEITO!
Vany Campos
COISAS DO CORAÇÃO
Se as pedras não sabem do instinto da flor
que sabem as sombras do instinto de mim
se pedras não guardam memória de amor
nem guardam princípios ou meios do fim?
Quem tem a certeza de algum porventura
se a brisa nem diz quando vem ao jardim,
se cá dentro d’alma há essa doce ternura
de guizos ou mantras ou sons de flautim?
Se eu mesmo não sei o que foi a ventura
dos tempos perdidos do amor em motim,
que entendem os dias de minha aventura
se a aurora só chega em finais de festim?
Se a água das nuvens não sabe da altura
e cai como o arco-íris do céu de carmim,
que sabe o teu pranto da minha candura
que cai das alturas bem dentro de mim?
Afonso Estebanez
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