domingo, 6 de julho de 2014
QUANDO AS FOLHAS CAÍREM
Quando as folhas caírem, e tu fores
Procurar minha cruz no campo-santo,
Hás de encontrá-la, meu amor, num canto,
Circundado de flores.
Colhe, então, para os teus lindos cabelos,
Cada flor que do peito meu florisse!
São versos que pensei sem escrevê-los,
São palavras de amor que não te disse...
Lorenzo Stecchetti
(Trad. de Alphonsus de Guimaraens)
O HOMEM QUE CONTEMPLA
Vejo que as tempestades vêm aí
pelas árvores que, à medida que os dias se tomam mornos,
batem nas minhas janelas assustadas
e ouço as distâncias dizerem coisas
que não sei suportar sem um amigo,
que não posso amar sem uma irmã.
E a tempestade rodopia, e transforma tudo,
atravessa a floresta e o tempo
e tudo parece sem idade:
a paisagem, como um verso do saltério,
é pujança, ardor, eternidade.
Que pequeno é aquilo contra que lutamos,
como é imenso, o que contra nós luta;
se nos deixássemos, como fazem as coisas,
assaltar assim pela grande tempestade, —
chegaríamos longe e seríamos anônimos.
Triunfamos sobre o que é Pequeno
e o próprio êxito torna-nos pequenos.
Nem o Eterno nem o Extraordinário
serão derrotados por nós.
Este é o anjo que aparecia
aos lutadores do Antigo Testamento:
quando os nervos dos seus adversários
na luta ficavam tensos e como metal,
sentia-os ele debaixo dos seus dedos
como cordas tocando profundas melodias.
Aquele que venceu este anjo
que tantas vezes renunciou à luta.
esse caminha erecto, justificado,
e sai grande daquela dura mão
que, como se o esculpisse, se estreitou à sua volta.
Os triunfos já não o tentam.
O seu crescimento é: ser o profundamente vencido
por algo cada vez maior.
Rainer Maria Rilke,
em "O Livro das Imagens",
(1902).. [tradução Maria João Costa Pereira]
SOLIDÃO
A solidão é como uma chuva.
Ergue-se do mar ao encontro das noites;
de planícies distantes e remotas
sobe ao céu, que sempre a guarda.
E do céu tomba sobre a cidade.
Cai como chuva nas horas ambíguas,
quando todas as vielas se voltam para a manhã
e quando os corpos, que nada encontraram,
desiludidos e tristes se separam;
e quando aqueles que se odeiam
têm de dormir juntos na mesma cama:
então, a solidão vai com os rios...
Rainer Maria Rilke,
em "O Livro das Imagens", (1902)..
[tradução Maria João Costa Pereira
O HOMEM QUE LÊ
Eu lia há muito. Desde que esta tarde
com o seu ruído de chuva chegou às janelas.
Abstraí-me do vento lá fora:
o meu livro era difícil.
Olhei as suas páginas como rostos
que se ensombram pela profunda reflexão
e em redor da minha leitura parava o tempo. —
De repente sobre as páginas lançou-se uma luz
e em vez da tímida confusão de palavras
estava: tarde, tarde... em todas elas.
Não olho ainda para fora, mas rasgam-se já
as longas linhas, e as palavras rolam
dos seus fios, para onde elas querem.
Então sei: sobre os jardins
transbordantes, radiantes, abriram-se os céus;
o sol deve ter surgido de novo. —
E agora cai a noite de Verão, até onde a vista alcança:
o que está disperso ordena-se em poucos grupos,
obscuramente, pelos longos caminhos vão pessoas
e estranhamente longe, como se significasse algo mais,
ouve-se o pouco que ainda acontece.
E quando agora levantar os olhos deste livro,
nada será estranho, tudo grande.
Aí fora existe o que vivo dentro de mim
e aqui e mais além nada tem fronteiras;
apenas me entreteço mais ainda com ele
quando o meu olhar se adapta às coisas
e à grave simplicidade das multidões, —
então a terra cresce acima de si mesma.
E parece que abarca todo o céu:
a primeira estrela é como a última casa.
Rainer Maria Rilke,
em "O Livro das Imagens", (1902)..
[tradução Maria João Costa Pereira].
[Tela by Edgar Degas]
VIDA
Não sei
o que querem de mim essas árvores
essas velhas esquinas
para ficarem tão minhas só de as olhar um momento.
Ah! Se exigirem documentos aí do Outro Lado,
extintas as outras memórias,
só poderei mostrar-lhes as folhas soltas
de um álbum de imagens:
aqui uma pedra lisa, ali um cavalo parado
ou
uma
nuvem perdida,
perdida...
Meu Deus, que modo estranho de contar uma vida!
Mario Quintana,
in Esconderijos do tempo
DA MINHA JANELA
Desta janela aberta aos eflúvios de abril,
Vendo os que vão e vêem, a alma sonha e medita:
- “Pela vida a lutar nesta faina febril,
Este e aquele aonde vão? de onde vêem nesta grita?”
O que se ama ou se odeia ou se busca ou se evita,
Tudo se cruza aqui numa trama sutil.
- Quantos a morte leva ou seja nobre ou vil,
Enquanto em pleno sol o vivente se agita? –
E penso então que desde o tempo mais distante
A rua vê correr a humana vaga, e nela
Nada mudar da vida o drama palpitante.
E que outras ondas sempre aqui virão rolar...
Sempre as mesmas! Porém, desta minha janela,
Outros – não eu! – virão vê-las ir e voltar...
Joséphin Soulary
(Trad. de Emilio de Menezes)
SEJA LEVE
Isso de ler e escrever
é por amor ao estudo.
Marx e a vida são breves!
Pode-se querer tudo
desde que seja leve.
Rubens Rodrigues Torres Filho.
'NA HORA DE DORMIR'
Depois que o dia exausto me deixou,
amavelmente a noite constelada
há de acolher meu ardente desejo
como a uma criança fatigada.
Mãos, esquecei todos os afazeres!
Rosto, deixa o pensar ao abandono!
Agora todos os sentidos meus
querem afundar no sono.
A alma, sem ter quem tome conta dela,
em vôos libérrimos quer flutuar
e no circulo mágico da noite
a vida de mil formas esgotar.
Hermann Hesse
In: Andares Antologia Poética
Tradução: Geir Campos
DA BREVIDADE
Nas coisas breves
Da eternidade.
Coisas da vida...
Vida, quem há de
Ser infinito
Pela metade?
Homero Frei
In: Lado Alado
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