A alma é um cenário.
Por vezes, ela é como uma manhã brilhante e fresca,
inundada de alegria.
Por vezes ela é como um pôr do sol...
triste e nostálgico.

-Rubem Alves-

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domingo, 26 de agosto de 2012

''JUBILAÇÃO''


(Painting by Alfred Gockel)


Deus me deu um amor na madureza...
(Carlos Drummond de Andrade)

Concedeu-me Deus um amor aos cinquenta
quando Eros põe as barbas de molho
já transposto o vale das primícias
e das tormentas;

estendeu-me para leito o alvo linho,
acercou-me dos anjos de Jó,
deu-me calhas, de anteparo, para a tempestade.

Coroou-me de alvíssaras, no retorno,
e de minhas cismas fez um Éden redivivo -

pôs a arder em mim a chama mesma
dos que não tomam o santo nome do tempo
em vão.

Para o gozo deu-me romã e serpente,
e a vontade infinda, a fome grata de menino.

Fernando Campanella

'ELEGIA N° 2'


Cheiro de flor ao sol. Setembro.

Alada flor,
atingida em pleno vôo,
tombou no asfalto.

O vento fareja suas penas macias,
e só ergue-lhe as asas,
a querer ressuscitar se vôo
ágil e sereno.

Algo belo e frágil
a ser preservado
evolou-se.
E falta.


Helena Kolody
de Trilha Sonora






'Colheita"


Nas asas do sonho arde o meu desejo,
Confiando ao vento minha chama clara,
Que corre o espaço profundo colhendo doçuras.
Sonhar é preciso-gratuito em qualquer lugar,
Mas há que saber trabalhar a quimera,
Acordar ação em hora certeira,
Entender a magia e os limites do tempo.
Sonho é semente de horizonte:
Pede plantio, trabalho, espera.

Stella de Sanctis

terça-feira, 21 de agosto de 2012

***



se um dia tudo for cinza, lembra do vento, ele assobiará uma canção azul...

Denison Mendes

''SONHANDO''

(Tela de Bruno Amadio )

Faço poemas
como criança que chora
como navio que se despede
como pássaro alvejado.


Faço poemas
na paisagem das horas
ao entardecer dos sonhos.


Faço poemas
sem desencanto
como uma vela morrendo
ou como um louco
desenhando painéis
de falsas caricaturas.


Faço poemas crianças
razão de um viver
sabor de fruto
amargo ou doce.


Faço poemas
como um maestro
iludindo-me
de todas as melodias.

Faço poemas.


Alvina Nunes Tzovenos
In: Palavras ao Tempo

terça-feira, 14 de agosto de 2012

'E N T A R D E C E R'


O crepúsculo desce! A tarde finda. . .
Que drama ante os meus olhos se descerra!
O sol, cansado da batalha infinda,
As pálpebras de luz no ocaso, cerra. . .


Silente a tarde a imensidade brinda!
Infinita saudade me soterra! . . .
Ante esta quadra misteriosa e linda,
Recordo-me dos céus de minha terra!


Olho o poente que aos poucos se avermelha!
Nesta contemplação a alma se ajoelha,
Deslumbra ao calor das grandes ânsias


E sequiosa do sol de outra paragem
Integra-se à beleza da paisagem
E mergulha na bruma das distancias! . . .



Jansen Filho
In: Obras Completas

"PÔR DE SOL"


Resfolga a Natureza! Em convulsões tamanhas,
Desce a gaze do céu envolvedora e fina. . .
O espaço esconde a luz da tarde nas entranhas
E sorve as emoções do dia que termina. . .

A cigarra desata um rasgo que fascina
Entre as copas azuis das arvores estranhas!...
A tarde cede! O céu desmaia! O Sol declina
E tomba, ensangüentando a crista das montanhas!...

Espalham-se pelo ar as queixas mais sentidas
De bronzes a gemer, na hora da Ave-Maria,
Num dobre sepulcral de nênias repetidas!


Do côncavo do azul rola a sombra envolvente
E a grande procissão dos astros se inicia
Para o enterro do sol no mausoléu do Poente!



Jansen Filho
In: Obras Completas

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

'SOMA'


De que vale ir somando a própria idade?
certo é somá-la, em dobro, no cansaço
do dia-a-dia lento, na verdade,
qual se escorresse em milenar espaço.

A compreensão da inutilidade
do gesto amigo, do fraterno abraço,
alonga o dia, alonga a soledade,
envelhecendo o coração e o passo.

O tempo, indiferente, traz enganos,
faz os minutos parecerem anos
e num segundo um século caber.

Mas, nada importa a idade acontecida:
importa apenas a canção da vida,
a letra e a melodia de – Viver!



Graciette Salmon
In: Ciranda

''SOLILOQUIO DE SEGISMUNDO''

(Painting by Kathy Ostman-Magnusen)

Sueña el rey que es rey, y vive
con este engaño mandando,
disponiendo y gobernando;
y este aplauso, que recibe
prestado, en el viento escribe,
y en cenizas le convierte
la muerte, ¡desdicha fuerte!
¿Que hay quien intente reinar,
viendo que ha de despertar
en el sueño de la muerte?

Sueña el rico en su riqueza,
que más cuidados le ofrece;
sueña el pobre que padece
su miseria y su pobreza;
sueña el que a medrar empieza,
sueña el que afana y pretende,
sueña el que agravia y ofende,
y en el mundo, en conclusión,
todos sueñan lo que son,
aunque ninguno lo entiende.

Yo sueño que estoy aquí
destas prisiones cargado,
y soñé que en otro estado
más lisonjero me vi.
¿Qué es la vida? Un frenesí.
¿Qué es la vida? Una ilusión,
una sombra, una ficción,
y el mayor bien es pequeño:
que toda la vida es sueño,
y los sueños, sueños son.


LA VIDA ES SUEÑO, Pedro Calderón de la Barca

(Painting by Kathy Ostman-Magnusen)

''SOBREVIVÊNCIA''



Tudo passa, dor e riso,
venturas em róseo friso,
males que em roxo debruam.
Passam deuses, criaturas,
horas azuis ou escuras,
nuvens que alto flutuam.
Tudo passa, gesto e face,
mas a esperança renasce
. . . e as rosas continuam.


Graciette Salmon
In: Ciranda

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

"A tarde me convida..."


A tarde às vezes me convida
para um exílio nos campos
entre contornos de montes
ante o silêncio de uma ermida.

A uma luz inclinada
por um certo sopro de outono
às vezes a tarde me quer voo
em transparências de azul
por entre as nuvens à deriva.

A tarde, soberana, irreverente,
se esquece às vezes
que não tenho o descompromisso
das aves, que sou gente.

Fernando Campanella