A alma é um cenário.
Por vezes, ela é como uma manhã brilhante e fresca,
inundada de alegria.
Por vezes ela é como um pôr do sol...
triste e nostálgico.

-Rubem Alves-

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sexta-feira, 12 de setembro de 2008

O BEM-TE-VI E A FLAUTA"



Fui visitar, pela manhã, um conservatório de música da cidade. Quando adentrei seus recintos, senti, como sempre, meu espírito vagar, divagar, em eras passadas, ao som de flautas, pianos, com a música eterna , a alma ritmada dos mestres pairando nos corredores, escoando pelos beirais... Escolas de música, assim como as bibliotecas, sempre exerceram um fascínio sobre mim, lembrando-me o trabalho dos copistas que preservaram o tesouro do pensamento clássico da total destruição pelos bárbaros. Nelas também se resguarda uma tradição , uma memória cultural que acolhe as almas sensíveis, sedentas do que o espírito da arte nos legou.
Quando me pesam os ruídos da modernidade, do cotidiano, ali me refugio, por uns instantes, como hoje, forjando, sempre, alguma desculpa pra mim mesmo, como visitar algum amigo que lá trabalha, ver alguma exposição de arte... mas sei que o que realmente me motiva é uma suave e mais sadia alienação.Na visita de hoje, ouvi algum aluno tocando ‘Clair de Lune’ ao piano, outro penando em uma peça de Lully, adaptada para flauta, um grupo coral ensaiando um madrigal do século XV. Diferentes estilos, um só espírito, uma só intenção: tocar, cantar, celebrar a vida, como o ofício das velhas, incorrigíveis cigarras. Visitar tais templos da música sempre me trazem essas já conhecidas surpresas, a harmonia sempre reencontrada, e isso já seria suficiente para reabastecer meu dia.
Mas hoje, inesperadamente, um bem-te-vi pousou na janela do corredor da escola perto da sala de aulas de flauta doce. Permaneceu ali por alguns segundos, coçou as penas com o bico, e, de repente, fez gracioso movimento que, à minha romântica percepção, pareceu uma cena de bucólica dança. Talvez, como eu, atraído pelos ecos de longínquos pastores, viria o bichinho ali, ocasionalmente , bebericar daquelas fontes, daqueles doces sonoros festivais. Talvez, também como eu, a ave se encontrasse meio deslocada entre a profusão de fios, motores, informação.
Talvez, mas não importa. As instalações do conservatório, a atmosfera do local, a convivência entre as eras musicais , a serenidade possível de minha alma, o som da flauta, e mais o bem-te-vi a ouvir, a dançar, tudo transformou-se em minha mente em uma roda holística, encantada. Síntese divina? Talvez. Natureza e arte: belos extremos que se tocam.


(Fernando Campanella, 10 de setembro de 2008)

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