A alma é um cenário.
Por vezes, ela é como uma manhã brilhante e fresca,
inundada de alegria.
Por vezes ela é como um pôr do sol...
triste e nostálgico.

-Rubem Alves-

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quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

O SILENCIO


O silencio tem uma porta
que se abre
para um silencio maior:
antecâmara do ultimo,
que anuncia outro depois. 




Dora Ferreira da Silva
In: Poesia Reunida

(Tela de Maria Inês Carmona Ribeiro da Fonseca)


Só em frente ao mar
posso inquirir e afirmar
ao mesmo tempo a lonjura
da enchente que começa
na cavidade do olhar
e se faz linguagem líquida
a inundar todas as mágoas.

Graça Pires
De Espaço livre com barcos, 2014
 

 Olho demoradamente as coisas
que me rodeiam.
Elas aí estão, paradas, em seu esplendor
de existir
no seu tempo de lugar absoluto.
Mas apenas consomem o tempo,
o meu questionar
no seu esplendor parado,
como um poema escrito
e nunca verdadeiramente entendido.

Vieira Calado
em As Noite e os Dias,
 ed. Litoral. 2013

Falai de Deus com a clareza




Falai de Deus com a clareza
da verdade e da certeza:
com um poder

de corpo e alma que não possa
ninguém, à passagem vossa,
não o entender.

Falai de Deus brandamente,
que o mundo se pôs dolente,
tão sem leis.

Falai de Deus com doçura,
que é difícil ser criatura:
bem o sabeis.

Falai de Deus de tal modo
que por Ele o mundo todo
tenha amor

à vida e à morte, e, de vê-Lo,
O escolha como modelo
superior.

Com voz, pensamentos e atos
representai tão exatos
os reinos seus

que todos vão livremente
para esse encontro excelente.
Falai de Deus.


Cecília Meireles
In: Poesia Completa
Dispersos (1918-1964)

A ESPERANÇA


Folha caminhando
verde orvalhado que se distancia.
É a espera do que não se sabe
e reza. A que Deus?
Nosso olhar se acerca perguntando
de silencio é feita.
E juntas caminhamos
num percurso vago. 



Dora Ferreira da Silva
In: Poesia Reunida

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

REINAUGURAÇÃO

  
Entre o gasto dezembro e o florido janeiro,
entre a desmitificação e a expectativa,
tornamos a acreditar, a ser bons meninos,
e como bons meninos reclamamos
a graça dos presentes coloridos.
Nossa idade — velho ou moço — pouco importa.
Importa é nos sentirmos vivos
e alvoroçados mais uma vez, e revestidos de beleza, a
exata beleza que vem dos gestos espontâneos
e do profundo instinto de subsistir
enquanto as coisas em redor se derretem e somem
como nuvens errantes no universo estável.
Prosseguimos. Reinauguramos. Abrimos olhos gulosos
a um sol diferente que nos acorda para os
descobrimentos.
Esta é a magia do tempo.
Esta é a colheita particular
que se exprime no cálido abraço e no beijo comungante,
no acreditar na vida e na doação de vivê-la
em perpétua procura e perpétua criação.
E já não somos apenas finitos e sós.
Somos uma fraternidade, um território, um país
que começa outra vez no canto do galo de 1º de janeiro
e desenvolve na luz o seu frágil projeto de felicidade.



Carlos Drummond de Andrade

[Fotografia de Antônio Carlos Januário MG]

Salmo à Vida



Não me faleis, em enlutados versos,
Que um sonho vazio seja a vida!
Pois morta é a alma que adormece
E as aparências enganosas são.


Genuína, a vida! Vida, coisa séria!
O fim último o túmulo não é;
“Sois pó e ao pó retornais”,
Assertiva não condizente à alma.

Nem só de alegrias ou de tristezas
Se traçam nossos destinos
Mas de atos cumpridos a fim de que cada amanhã
Um passo melhor do que hoje seja.

Longa é a tarefa e fugaz é o Tempo,
Nosso corações, posto fortes e valentes,
Como tambores surdos ainda tocam
Marchas fúnebres a caminho do túmulo.

Que no amplo campo de batalhas do mundo
No bivaque da vida,
Não sejais gado inerte e submisso!
Um herói sede na luta!

Ainda que promissor, no Futuro não confieis!
Deixai que o Passado morto os que se foram sepulte!
Agi – no Presente em vida, agi!
Com o coração aberto e com Deus no Alto!

Recordar nos fazem todos os grandes homens
Que podemos tornar sublimes nossas vidas;
E, na despedida, deixar devemos
Nas areias do tempo nossas marcas –
Marcas que, quiçá, um outro ser,
Da vida velejando sobre o mar solene,
Um irmão, náufrago à deriva,
Avistando-as, a esperança há de reaver.
Em alerta e em ação permaneçamos sempre.

Com o coração a qualquer situação pronto
Alcançar procurando, perseguindo sempre,
A lutar e a esperar aprendei.


Henry Longfellow
(Tradução de Cunha e Silva Filho)

[Arte: Morgaine lefee]