A alma é um cenário.
Por vezes, ela é como uma manhã brilhante e fresca,
inundada de alegria.
Por vezes ela é como um pôr do sol...
triste e nostálgico.

-Rubem Alves-

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quarta-feira, 27 de março de 2013

''CANÇÃO DA INDIFERENÇA''




A vida passa,
leve
como a fumaça,
sem que possa
ao menos compreendê-la.

É um perfume sutil de magnólia,
cintilância indecisa de uma estrela,
um zumbido de vespa que esvoaça
em torno de uma flor
ou junto a um fruto.
É como um nome escrito sobre a areia
para viver o espaço de um minuto.

Aceitemo-la com indiferença,
como se olha a fumaça que se evola
ou se aspira o perfume de uma flor;
tal se escreve na areia um nome amado
porque se sente o amor.

Vivamo-la, pois, serenamente,
trazendo sempre a alma contente
e alegre o coração,
na certeza de que ela é transitória
e que sua glória
é como a glória
de uma bolha de sabão.

Não vale sentir tanta amargura
tanta tristeza
e quanta desventura
a vida possa nos causar.

O que vale na vida indiferente
é o pouco que o acaso nos concede
nesse inclemente
desfiar das horas,
nessa fuga do tempo
que nos mata
lentamente...

imperceptivelmente...

imperceptivelmente...

Alfredo de Cumplido de Sant'Anna
In Poemas e Legendas

{Poema compartilhado do Facebook da amiga Dione]

''MOMENTO''




(Abril de 1937)

O vento corta os seres pelo meio.
Só um desejo de nitidez ampara o mundo...
Faz sol. Fez chuva. E a ventania
Esparrama os trombones das nuvens no azul.


Ninguém chega a ser um nesta cidade,
As pombas se agarram nos arranhacéus, faz chuva
Faz frio. E faz angústia...É este vento violento
Que arrebenta dos grotões da terra humana
Exigindo céu, paz e alguma primavera.


Mario de Andrade
In Poesia Completa

''Crepúsculo de Abril''



Longa pincelada de cinábrio, no poente,
sublinha os nimbos gris.

A púrpura veludosa do amaranto
veste os jardins do outono.

Dorme a névoa dos vales.
No coração transido, a noite desce.

Helena Kolody

terça-feira, 26 de março de 2013

''DIA DE OUTONO''


Senhor, é tempo. O verão foi grande.
Pousa sua sombra nos cadrans solares,
e pelos ares os ventos expande.

A tardia fruta torna madura;
dá-lhe mais dois dias meridionais,
amadurece-a com toques finais
e concentra na uva toda a doçura.

Não mais fará casa quem agora não a tem.
Quem agora está só, muito tempo há de ficar,
irá ler, velar e longas cartas esboçar,
pelas alamedas, inquieto, vai vagar,
enquanto no alto as folhas secas vão e vem.

Rainer Maria Rilke
In Senhor, é Tempo

''A FONTE''


Quero uma lição, a tua serve,
fonte, que sobre ti mesma cais, -
a das águas ousadas a quem cabe
esta celeste volta para a vida em terra.


Tanto quanto teu vário rumor
nada saberia me servir de exemplo;
ó tu, coluna leve do templo
que desmorona no próprio vigor.


Na tua queda, quanto que canta
cada esguicho que finda a sua dança.
Como sinto-me o aluno, o rival
de tua nuance incardinal!


Mas o que mais que teu canto a ti me empurra
é este instante de um silêncio em delírio
quando de noite, pelo teu fluído impulso
dás a volta por cima levantando um suspiro.


Como é bom pensar às vezes como tu,
irmão mais velho, ó meu corpo,
como é bom estar forte
da tua força,
sentir-te casca, caule, folha
e tudo o que podes tornar-te ainda,
tu, tão junto ao espírito.


Tu, tão franco, tão unido
em tua alegria manifesta
de ser esta arvore de gestos
que, num instante, desapressa
as marchas celestes
para aí pôr a sua vida.



Rainer Maria Rilke
In: Jardins
Tradução: Fernando Santoro

quinta-feira, 14 de março de 2013

''SER PÁSSARO''


Quisera ser pássaro
Liberta de preocupações
E cruzando mares e terras
Abençoar as amplidões !

Levaria mensagens
A longínquos destinos:
... restos de saudades!

Em outras paragens
De redobrados caminhos
Eu cantaria meus hinos:
... horizontes de carinhos !

Na leveza da graça,
Rapidez do passo,
Plumagem da raça,
Que seria doçura
Desconhecendo a amargura ...

E traria o amanhecer
Entre as mãos
Como promessa de vida,
Ater cegar-me o entardecer!

Aos céus em oração,
Eu ensinaria aos homens:
“O VOO DA PERFEIÇÃO”!

Alvina Nunes Tzovenos
in 'Sonhos e vivencias'

''MUTAÇÃO''


Eu busco o infinito das coisas,
Só encontro o finito do nada ...

Anseio um brinquedo desejado.

Procuro nas estrelas
O momento de meditar
Mas vejo-as
Em repetida fulguração!

Quero entre as flores
O desejo da perfeição
Mas encontro
Pétalas fenecidas!

Ouço entre pássaros
A alegria de cantar
Mas esse canto
É monotonia esmaecida !

No tudo,
Nos olhos pousando
Nas mãos tocando
Nos ouvidos escutando
Um repetir-se de ritmos iguais, como num prosaico relógio
Marcando horas banais !

Alvina Nunes Tzovenos
in 'Sonhos e vivencias'

''ENTRE O CÉU E O MAR''



Entre o céu e o mar
Há o infinito de esperas,
Conflito de incertezas,
Interrogação de cores,
Tristeza no olhar,
Prenúncio de paisagens.

Alvina Nunes Tzovenos
in 'Busca de Infinitos'

domingo, 10 de março de 2013

‘sobre o nome das coisas’




I
porque todos os mistérios são santos,
não nomearemos o nome das
coisas.
ainda que os desertos floresçam
e o caos das chuvas transborde,
deles, o sangue não diremos.


II
no início era a Vida.
depois aprenderam os cães a ladrar
e o homem a chamar o nome das coisas
e os dedos a cruzar em nome de Deus.


III
ainda que encruado o Filho
ou mesmo que a serpente
renegue por 3 vezes
a árvore do desejo,
o nome não será.
ainda que lambam as chagas.
ainda que as lágrimas escorram,
toda a dor será cuspida
e o sol cumprido.


IV
quando caminhávamos na areia,
os nomes não havia.
havia o mar sem nome.
o céu, as frutas,
as pegadas dos pássaros
e o sonho havia sem nome.
tudo era simples.
simples os homens
sem nomes.


V
eram noites
e dias indefiníveis,
as coisas.
os olhos aprendiam o verde
e pescavam sem nomear.
os olhos ouviam tudo.
maravilhavam-se de
maravilhas!


VI
quem nos carrega nos ombros?
quem nossa língua nos bebe?
a quem dizer, quero?
a quem dizer, preciso?
a quem dizer, inocentes?


VII
as coisas que não diremos
habitam as cidades
e as sombras iluminam
escuras cavernas.
os dentes, os cabelos
arranca-nos, o tigre.


VIII
vivemos dentro de nós.
estrangeiros.
percorremos estradas,
ruas, cidades. nus e
estrangeiros.
cada sorriso, cada
abraço, estrangeiros.
nossos mares e navios,
estrangeiros.


IX
o Tempo se cola ao corpo.
o rosto envelhece.
unhas expurgam.
enruga a pele.
resta esperar.


X
quantas faces temos?
qual delas se chama
amor?
quem em nós se diz a
morte?
qual acende a vela do
templo?


XI
eis que
os nomes não ditos se esquivam
e o Verbo
que era barro
se faz
vento.



 Tanussi Cardoso

"Poema de Inquitação"



O que é a vida de um homem
nesta imensa e bela Argos
que os potentados celestes
puseram a navegar?


Que haverá além das ilhas

e  terras, que não sabemos?
Perde-se o mar no horizonte.
Onde nos leva esta nau?


Quem há de ler nossa história?

São apenas arabescos
em livros inacabados,
nos porões do Panteão.


Giram nas volutas da galáxia,

os milhões, mundos e sóis.
Perdem-se pra sempre nessas vagas.
Então, que será de nós?


Sergio de Sersank

de "Estado de Espírito"


Para viver um grande amor, preciso é muita concentração e muito siso, muita seriedade e pouco riso — para viver um grande amor.

Para viver um grande amor, mister é ser um homem de uma só mulher; pois ser de muitas, poxa! é de colher... — não tem nenhum valor.

Para viver um grande amor, primeiro é preciso sagrar-se cavalheiro e ser de sua dama por inteiro — seja lá como for. Há que fazer do corpo uma morada onde clausure-se a mulher amada e postar-se de fora com uma espada — para viver um grande amor.

Para viver um grande amor, vos digo, é preciso atenção como o "velho amigo", que porque é só vos quer sempre consigo para iludir o grande amor. É preciso muitíssimo cuidado com quem quer que não esteja apaixonado, pois quem não está, está sempre preparado pra chatear o grande amor.

Para viver um amor, na realidade, há que compenetrar-se da verdade de que não existe amor sem fidelidade — para viver um grande amor. Pois quem trai seu amor por vanidade é um desconhecedor da liberdade, dessa imensa, indizível liberdade que traz um só amor.


Para viver um grande amor, il faut além de fiel, ser bem conhecedor de arte culinária e de judô — para viver um grande amor.

Para viver um grande amor perfeito, não basta ser apenas bom sujeito; é preciso também ter muito peito — peito de remador. É preciso olhar sempre a bem-amada como a sua primeira namorada e sua viúva também, amortalhada no seu finado amor.

É muito necessário ter em vista um crédito de rosas no florista — muito mais, muito mais que na modista! — para aprazer ao grande amor. Pois do que o grande amor quer saber mesmo, é de amor, é de amor, de amor a esmo; depois, um tutuzinho com torresmo conta ponto a favor...

Conta ponto saber fazer coisinhas: ovos mexidos, camarões, sopinhas, molhos, strogonoffs — comidinhas para depois do amor. E o que há de melhor que ir pra cozinha e preparar com amor uma galinha com uma rica e gostosa farofinha, para o seu grande amor?

Para viver um grande amor é muito, muito importante viver sempre junto e até ser, se possível, um só defunto — pra não morrer de dor. É preciso um cuidado permanente não só com o corpo mas também com a mente, pois qualquer "baixo" seu, a amada sente — e esfria um pouco o amor. Há que ser bem cortês sem cortesia; doce e conciliador sem covardia; saber ganhar dinheiro com poesia — para viver um grande amor.

É preciso saber tomar uísque (com o mau bebedor nunca se arrisque!) e ser impermeável ao diz-que-diz-que — que não quer nada com o amor.

Mas tudo isso não adianta nada, se nesta selva oscura e desvairada não se souber achar a bem-amada — para viver um grande amor.

Vinícius de Moraes

Texto extraído do livro "Para Viver Um Grande Amor", José Olympio Editora - Rio de Janeiro, 1984, pág. 130.

Homenagem  a minha filha e genro, casamento em 14/06/2012
Punta Cana- Republica Dominicana

 

''TARDE DE DOMINGO''





assim
disposta num terraço
aberto ao tempo
a cadeira se balança
com cuidado e conforto
mas leve indecisão
quanto ao ritmo

não tanto
pelo frágil frêmito
da imagem do mar
seu brilho
de espelho fraturado
sob o sol

mas sobretudo
pela regularidade
do movimento mesmo do mar:
avanço sistemático
e recuo estratégico
a tracejar
uma linha de ameaça
ou simples prenúncio
de perigos mais fundos
— o frio dos abismos
e os restos
que habitam esta baía

não fosse vir
de dentro da casa
essa música
feita de limpidez
e medida
maquinaria impalpável
de emoção à flor da matéria
que numa recusa ao devaneio
se articula avessa à dispersão
para expor
por entre sombras
iluminadas pela razão
todo o seu desalento


[Júlio Castañon Guimarães]

'Da Esperança"


 
para que servem as palavras
a não ser construir enganos?

por que a morte
com sua voz límpida e solitária

-- vigia cantando no farol --
necessita do amor, de sua carne e sangue?

o medo faz a diferença
entre o oceano e o salto

e o coração determina
a luz do fogo que serve à morte

sonho em desaprender a lucidez
que me atormenta

não desejo a sensibilidade
dos saberes

espero libertar os peixes
dos lençóis

e tal serpente deixando a pele
ofertar-me nos caminhos

as coisas, as plantas
e o lirismo do silêncio

têm a dignidade
de nos ensinar a morrer

o Tempo não tem chão

quero os amanheceres


 Tanussi Cardoso


Em Exercício do Olhar
  (Página 81); Editora fivestar - Rio de Janeiro (2006).