A alma é um cenário.
Por vezes, ela é como uma manhã brilhante e fresca,
inundada de alegria.
Por vezes ela é como um pôr do sol...
triste e nostálgico.

-Rubem Alves-

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terça-feira, 29 de maio de 2012

'Todas as águas dormem'

Há uma hora certa,
No meio da noite, uma hora morta,
Em que a água dorme. Todas as águas dormem:
No rio, na lagoa,
No açude, no brejão, nos olhos d’água,
Nos grotões fundos.
E quem ficar acordado
Na barranca, a noite inteira,
Há de ouvir a cachoeira
Parar a queda e o choro,
Que a água foi dormir...
Águas claras, barrentas, sonolentas,
Todas vão cochilar.
Dormem gotas, caudais, seivas das plantas,
Fios brancos, torrentes.
O orvalho sonha
Nas placas da folhagem.
E adormece
Até a água fervida,
Nos copos de cabeceira dos agonizantes...
Mas nem todas dormem, nessa hora
De torpor líquido e inocente.
Muitos hão de estar vigiando,
E chorando, a noite toda,
Porque a água dos olhos
Nunca tem sono...

Guimarães Rosa

''Poema''


De resto na ventania
sumiram sonhos. É a vida
não vivida só metade
no rosto metade amarga
que se escaveira de ruga
papel crepom e mais nada.

Vivi de sonho meu passo
que andei sozinha perdeu-se
desapontado vencido e não
houve braço amigo nem
carinho nem palavra
nem calor que fosse abrigo:
de resto na ventania
sumiram sonhos. É a vida.

Ymah Théres
(THÉRES, 1991, p. 33)

Álvaro de Campos

[...]
Trago dentro do meu coração,
Como num cofre que se não pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei,
Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando,
E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero.[...]

Álvaro de Campos
Heterônimo de Fernando Pessoa

''Sentido''


Os homens vinham e havia um caminho.
Continuavam, e o prumo os esperava,
e eles seguiam acreditando nisso:
sempre rumar — sempre sempre sempre.

Os homens nunca chegavam a algum lugar,
mas iam eternamente em busca de,
pois não queriam nem suportariam
entender a verdade do lugar nenhum.

José Inácio Vieira de Melo

'DO PENSAMENTO'

O mistério me leva à estrada
e a estrada revela
a poeira que sou.

O espanto me conduz à reflexão
e a reflexão revela
a peneira que sou.

José Inácio Vieira de Melo

'SOLIDÃO'

um rio que não
se cruza mais
uma aurora

indecifrável

uma noite sem
eco um
horizonte

que se
nega

tardes incontornáveis
ventos sem direção

um poema que
se
repete

Adair Carvalhais Junior

'CANÇÃO'


As horas dançam no tempo
e o tempo, na madrugada.

Do cimo da vida, apenas
vejo a poeira na estrada.

Meus rastros viraram pedras
na terra do antigamente.

E as horas morrem no tempo
como o tempo, no poente.


Gilberto Mendonça Teles
Planície “in” Hora Aberta

domingo, 27 de maio de 2012

''CÂNTICOS''


Certos cantares são quase eternos,
nascem uns que vieram de outros
que beberam às fontes,
aos fundamentos do ar.

Certas canções, as trazemos do berço
ou de antes dos salmos,
as entoamos de cor
anônimas, acéfalas,
um só coraçõe pulsante
de lágrimas e pétalas.

Priscos diamantes -
cantigas, idílios ou cânticos -
certos cantares seriam eternos
(os anjos não considerados)
não fosse o princípio,
e desde o princípio
é o verbo em glória.
(Amar).

(Fernando Campanella)

quarta-feira, 23 de maio de 2012

'Transitório'


Amanheço com a chuva
dos anos da memória
e nada exaure mais
que este gosto de sal

E quanto queria
amanhecer longe
destes páramos
e perder com justeza
e sorrir com a vida
mas nada transporta
ou redime
os amigos mortos

A vida dói na alma
como uma tina de fel
e guardamos o segredo
de continuar vivos
para incrível surpresa
dos que comandam a vida

Luís de Miranda

(Uruguaiana, RS - 6 de abril de 1945) é um premiado poeta brasileiro, autodenominado autor da obra poética mais extensa do mundo, com 2.705 páginas (seguido por Pablo Neruda, com 2.080 páginas).[carece de fontes] Trabalhou e escreveu em diversos órgãos de impressa de Porto Alegre, Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte.

Em 1987 é eleito para a Academia Rio-Grandense de Letras, e em 2000 é eleito para a Academia Sul Brasileira de Letras.

'O CISNE'

Calmo, do espelho azul d’água profunda e calma
à face errando, os pés, lânguido, o cisne espalma
E desliza. Da neve os raros flocos brancos
Lembra o fino frouxel que lhe amacia os flancos;
Línea vela parece a asa que encurva e brande,
Esbelto, e ora retrai, ora sacode e expande;
Entre as ninféias indo, o alvo pescoço apruma,
Colhe-o após, some-o n’água, estende-o sobre a espuma,
Curva-o mole e gracioso, e ânfora antiga imita.

Dos pinheiros ao longo, onde o silêncio habita
E a paz e a sombra, vai; rastejando na esteira,
Que atrás fica, semelha intensa cabeleira
A basta ervagem fresca a palpitar. A gruta,
Que a alma atrai do poeta e a voz da tarde escuta,
Praz-lhe e a fonte que além flui, regurgita e bolha.
Vendo-as, lento se arrasta. às vezes numa folha
Leve cai do salgueiro e, em sua queda, leve,
Roça-lhe, muda sombra, as plumas cor de neve.
Caminha agora ao largo; o implexo da ramagem
Deixa e a parte procura onde o esplendor selvagem
Diz melhor com o brilhar d’água anilada e pura.
Do lado é a parte mais azul que ele procura;
E lá vai... a cismar sobre as ondas serenas,
Entrega à luz do sol a brancura das penas.

Depois, quando, em redor, se confundem, caindo
A noite, do amplo lago as margens, e no infinito
Horizonte há somente um ponto avermelhado;
Quando tudo quedou, quando no ilimitado
Do céu paira da lua o globo enorme e albente;
Quando acende o lampiro a luz fosforescente,
E nem o menor sopro o débil junco embala:
O cisne, sob o olhar dessa noite de opala,
Em seu lago sombrio, enfim, descansa; e, acaso
Visto de alguém, assim, lembra de prata um vaso...
Põe sob a asa a cabeça, os olhos sonolentos
Fecha, e dorme, feliz, entre dois firmamentos.

Sully Prudhomme
(Trad. de Alberto de Oliveira)

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René Armand François Prudhomme, mais conhecido como Sully Prudhomme (Paris, 16 de Março de 1839 — Châtenay-Malabry, 6 de Setembro de 1907), foi um poeta francês.

Filho de Sully Prudhomme, comerciante, e de Clotilde Caillat, ingressou num instituto politécnico para estudar na área científica. No entanto, devido a uma doença oftalmológica, teve que desistir desse objectivo. Trabalhou numa fábrica, como escriturário, mas, descontente, decidiu estudar direito, em 1860.

Em 1865, publica a sua primeira obra poética, Stances et Poèmes.

Pertence ao grupo de poetas parnasianos, responsáveis pela publicação da revista Parnasse contemporain.

Foi eleito para a Academia Francesa em 1881, ocupando a cadeira 24.

Foi o primeiro autor a receber o Nobel de Literatura, no dia 10 de dezembro de 1901.

Sully Prudhomme morreu em Châtenay-Malabry, França, em 6 de setembro de 1907, e foi sepultado no Cemitério do Père-Lachaise, em Paris.

*Um poema de Victor Hugo*

(Paint by Thomas Cole)

Misérrimo montão de vaidades do homem,
Sonhos! que o menor vento e o menor sopro somem
Como se acaba tudo e tudo se dispersa!
O poderio, a dor, a dor na noite imersa,
Cólera, orgulho, amor, tudo, tudo, em resumo,
Não é mais do que pó, não é mais do que fumo!

Para que tanto afã, por que tanta esperança
Se em vão se corre atrás de um bem que não alcança?
Dizei, homens! por que? Por que sempre rugindo
Ameaçais mar e céu? Dir-se-ia, em vós ouvindo
Soprar nesse braseiro aceso de paixões,
No meio do furor das vossas ambições,
Em torno do que a alma abraça, crê e espera,
Que sois feitos de bronze, e entanto sois de cera!

Victor Hugo
(Trad. de Fontoura Xavier)

O SINO


Quisera ser um sino ressonante
Para dizer, quando rompesse o Dia:
Ao que vive entre lágrimas: - “Confia!”
E ao sorridente e valoroso: - “Adiante!”

Para lançar meu cântico vibrante,
Que desperta venturas e energia,
E afugentar a lúgubre agonia
Que entenebrece o coração do amante.

Para à Mulher ir segredar: - “Redime”;
Ao Pecador: - “Vai reparar teu crime”;
Ao velho: - “Pensa na passada história”;

Para, afinal, reconfortar o Atleta,
E, ébrio de sons, quando morresse um Poeta,
Rachar meu bronze repicando à Glória!

Salvador Rueda
(Trad. de Humberto de Campos)

Salvador Rueda Santos (Macharaviaya (caserío de Benaque), Málaga, 3 de diciembre de 1857- Málaga, 1 de abril de 1933), fue periodista y poeta español. Se le considera precursor español del Modernismo

segunda-feira, 21 de maio de 2012

'Até se diluir'


A tarde, em lise nestes vultos
Que cruzam meus passos lentos,
Confunde verdes no mar cinzento.
Gelo e fogo por dentro!

Deixo-me divagar, devagar,
No andar retrô, no vento que enverga.
Ninguém suspeita que me rasga
A fome oculta na nesga da prega.

Ninguém imagina que levo no esboço
Poças de silêncio e alvoroço,
Crispado e liso, vácuo e peso...
Largo- estreito, passo.

E um carro amarelo cruza avenida,
Dobra esquina, atrás da ilusão,
Deixando rastros do som da vida.

Minh’alma, numa bolha de sabão,
Intenta pousar no chão,
Como pingo de chuva.

Stella de Sanctis

Stella Maris de Sanctis (assina seus escritos como Stella de Sanctis), nascida e criada em Campinas - SP, formada em Biologia pela PUCC -Pontifícia Universidade Católica de Campinas-, é docente de Biologia, com passagem pela coordenação pedagógica, autora de peças teatrais infanto-juvenís ( algumas encenadas: Santuário, Ouro Azul, Droga: A Barca para o Inferno, Paralelo Brasil-Japão), autora do livro "Roteiro das Cores - Poética", com lançamento do segundo livro ,"O Fogo das Palavras", previsto para final de março deste ano, juntamente com a segunda edição de "Roteiro das Cores", ambos pela editora Nelpa.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

''XXXIV''


Esta chuva tem uma melancolia
de úmidas árvores, de pálidas luas,
de aromas sonâmbulos no tempo.
Um frêmito perpassa os ruídos
e bate à porta de meu silêncio
e entra.

Algo em mim, eu sinto,
chama as almas
que de outros reinos
isentas de voz me chegam.
(Eu sou o dócil instrumento
daquelas naturezas dormentes
que eu sei
agora me são algo de dentro)

Fernando Campanella
Da série 'O EU confesso'

'Sonho'


Lá do umbral de um sonho me chamaram…
Era a suave voz, a voz querida.

— Diz-me: virás comigo a ver a alma?…
Veio a meu coração uma carícia.

— Contigo sempre… E segui em meu sonho
por uma larga, precisa galeria,
sentindo o roçar da veste pura
e o palpitar suave da mão amiga.

Antonio Machado

"Silêncio"


Assim como do fundo da música
brota uma nota
que enquanto vibra cresce e se adelgaça
até que noutra música emudece,
brota do fundo do silêncio
outro silêncio, aguda torre, espada,
e sobe e cresce e nos suspende
e enquanto sobe caem
recordações, esperanças,
as pequenas mentiras e as grandes,
e queremos gritar e na garganta
o grito se desvanece:
desembocamos no silêncio
onde os silêncios emudecem.

Octávio Paz

domingo, 13 de maio de 2012

"ESQUECIMENTO"


Tentei me lembrar
dos momentos importantes,
felizes, mesmo distantes.
Tentei,
vasculhei a memória,
perscrutei,
numa desgastante
teimosia.
Nada. Estava vazia.
Onde está a alegria que vivi ?
Sou tão esquecida,
esqueci...

Wadad Naief Kattar Camargo

Tal é a nostalgia...


Tal é a nostalgia: habitar sobre as ondas
e jamais ter abrigo no tempo.
E tais são os desejos: diálogo em surdina
da hora cotidiana com a eternidade.

Tal é a vida. Até o dia em que de ontem
se eleva a mais solitária dentre todas essas horas,
e, sorrindo diferentemente das irmãs,
em silêncio se oferece ao eterno.
Cala-se, como uma oferta ao eterno.


Rainer Maria Rilke,
in Antologia Poética
Tradução Geir Campos

"CAMINHANTE"

Sem rumo, sem norte
sem prumo,
mergulhei na vida,
Morros escalei, curvas venci
e em algumas mágoas me feri.
O vento da solidão fustigou
soltando as folhas da saudade,,
que amenizaram o caminho,
que os desenganos cavaram.
Trajando o clássico cinza,
o inverno chegou gelado,
nublado, querendo intimidar.
Esperando por trás da janela,
com o olhar verde terno
eu o consegui aquecer.
Que cessem os ventos
e tinjam-se de cores os vales!
É hora de despertar a ilusão,
semear a esperança
e fecundar novamente o coração.
Novo ciclo vai recomeçar...
É preciso espalhar quimeras no ar...


Wadad Naief Kattar Camargo

'Cair da noite'

Cai a noite a mudar devagar os vestidos
que uma franja de árvores velhas lhe segura;
olhas: e separam-se de ti as terras:
uma que vai para o céu, outra que cai;

e deixam-te, sem pertenceres de todo a qualquer delas,
não tão escuro como a casa silenciosa,
não tão seguro a evocar o eterno
como a que cada noite se faz estrela e sobe;

e deixam-te (indizível de desenredar!)
a tua vida, angustiada, gigantesca, a amadurar, tal
que, ora limitada ora compreensiva,
alterna em ti - ou pedra ou astro.

Rainer Maria Rilke

sexta-feira, 4 de maio de 2012

ÍNTIMO TEMPO



Não me pergunte a hora, certamente não é a sua, talvez a minha.
Ela anda depressa, às vezes lentamente caminha.
Hoje qual é a estação?
Não sei se é inverno ou verão.
A temperatura? É a do coração.
O momento é o meu e não o teu!
Vivemos juntos no aparente instante presente ,
Mas em tempo sentido diferente.
O calendário é farsa de um disfarce,
Que não engana a nossa íntima face.

Jorge Cabral.

(Porto Alegre- RS)

INSUSTENTÁVEL LEVEZA DE SER



As palavras caiem pesadas
no vácuo azul
entre o céu e o mar
uma distância
feita de gestos outrora
sonhados
em barcos azuis

Meus olhos
encharcam-se de espanto
fechando-se sob o pranto
de uma inevitável tristeza

Do outro lado de mim
as pontes ruíram
num pressentido fragor
de guerra e de amor

Estende-se agora um manto
de névoa num casulo azul
guardando intacta
toda a beleza

Luiza Caetano
(Portugal)

ANIVERSÁRIO



o brinde
da vida
aflora em festa

já borbulha
na borda
da manhã que começa

tim-tim, minha carne:
reacorda!

tim-tim, minha alma:
fica ébria!

Adriano Wintter
(Poema que ganhei do estimado poeta por ocasião de meu aniversario.)
28/04/2012

terça-feira, 1 de maio de 2012

A Verdade


A verdade é a luz pequena
ardendo na escuridão.
Da terra, ela nasce e cresce
de vida, na tua mão.
Quem a encontra, gasta um rio
de palavras, inaugura
braços e barcos, mostrando.
Ninguém a vê. De repente,
é um sol imenso no peito
da multidão: é a verdade
no centro do seu poder.
Mas ela também se acaba.
E quando se acaba
é uma brasa oca, faminta,
devorando o coração.


Thiago de Mello
In: Poesia Comprometida Com a Minha e a Tua Vida