A alma é um cenário.
Por vezes, ela é como uma manhã brilhante e fresca,
inundada de alegria.
Por vezes ela é como um pôr do sol...
triste e nostálgico.

-Rubem Alves-

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Deixe seu comentário, será muito bem-vindo, os poetas agradecem.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Quero apenas

Além de mim, quero apenas
essa tranqüilidade de campos de flores
e este gesto impreciso
recompondo a infância.

Além de mim
– e entre mim e meu deserto –
quero apenas silêncio,
cúmplice absoluto do meu verso,
tecendo a teia do vestígio
com cuidado de aranha.


Olga Savary
(Belém, 21 de maio de 1933)

Solidão


Quedamos sempre sozinhos
Em nossas horas maiores

A dor, veneno latente,
Corrói-nos a alma em segredo.

A mais gloriosa alegria
Floresce na solidão.

Helena Kolody
In: Correnteza

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Rain Has Fallen All the Day


(James Joyce)

Rain has fallen all the day.
O come among the laden trees:
The leaves lie thick upon the way
Of memories.

Staying a little by the way
Of memories shall we depart.
Come, my beloved, where I may
Speak to your heart.

James Joyce


Todo el día ha llovido sin cesar.
Nos refugiará el denso árbol cargado
de hojas: no nos podrán aquí alcanzar
las aguas del pasado.

Es mejor alejarnos del lugar
donde habita el pasado insoportable.
Ven, así nos podemos acercar:
deja que mi alma te hable.

Tradução livre



James Augustine Aloysius Joyce (Dublin, 2 de fevereiro de 1882 — Zurique, 13 de janeiro de 1941) foi um romancista, contista e poeta irlandês expatriado. É amplamente considerado um dos autores de maior relevância do século XX. Suas obras mais conhecidas são o volume de contos Dublinenses/Gente de Dublin (1914) e os romances Retrato do Artista Quando Jovem (1916), Ulisses (1922) e Finnegans Wake (1939) - o que se poderia considerar um "cânone joyceano". Também participou dos primórdios do modernismo poético em língua inglesa, sendo considerado por Ezra Pound um dos mais iminentes poetas do imagismo.

Embora Joyce tenha vivido fora de seu país natal pela maior parte da vida adulta, suas experiências irlandesas são essenciais para sua obra e fornecem-lhe toda a ambientação e muito da temática. Seu universo ficcional enraíza-se fortemente em Dublin e reflete sua vida familiar e eventos, amizades e inimizades dos tempos de escola e faculdade. Desta forma, ele é ao mesmo tempo um dos mais cosmopolitas e um dos mais particularistas dos autores modernistas de língua inglesa.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

O Duplo


Debaixo de minha mesa
tem sempre um cão faminto
-que me alimenta a tristeza.
Debaixo de minha cama
tem sempre um fantasma vivo
-que perturba quem me ama.

Debaixo de minha pele
alguém me olha esquisito
-pensando que eu sou ele.

Debaixo de minha escrita
há sangue em lugar de tinta
-e alguém calado que grita.

Affonso Romano de Sant'Anna

(Tela, autor desconhecido)

Despedidas

Começo a olhar as coisas
como quem, se despedindo, se surpreende
com a singularidade
que cada coisa tem
de ser e estar.
Um beija-flor no entardecer desta montanha
a meio metro de mim, tão íntimo,
essas flores às quatro horas da tarde, tão cúmplices,
a umidade da grama na sola dos pés, as estrelas
daqui a pouco, que intimidade tenho com as estrelas
quanto mais habito a noite!
Nada mais é gratuito, tudo é ritual
Começo a amar as coisas
com o desprendimento que só têm os que amando tudo o que perderam
já não mentem.


Affonso Romano de Sant'Anna

'Crepusculando'

É inenarrável esse crepúsculo
em mim se desmaiando
essas cigarras acima do ruído urbano
essas flores no terraço cúmplices

me olhando.
É inenarrável esse céu
esse dia
em mim se desmanchando.

Ergo um brinde à luz
e sigo
crepusculando.


Affonso Romano de Sant'Anna

domingo, 8 de janeiro de 2012

'CHANSON D'AUTOMNE'


Pela passagem dos 116 anos da morte do poeta francês, PAUL VERLAINE, um de seus poemas mais conhecidos;

'CHANSON D'AUTOMNE'


Les sanglots longs
Des violons
De l'automne
Blessent mon coeur
D'une langueur
Monotone.

Tout suffocant
Et blême, quand
Sonne l'heure,
Je me souviens
Des jours anciens
Et je pleure.

Et je m'en vais
Au vent mauvais
Qui m'emporte
Deçà, delà,
Pareil à la
Feuille morte.


Paul Verlaine


''CANÇÃO DO OUTONO''



Os soluços graves
Dos violinos suaves
Do outono
Ferem a minh'alma
Num langor de calma
E sono.

Sufocado, em ânsia,
Ai! quando à distância
Soa a hora,
Meu peito magoado
Relembra o passado
E chora.

Daqui, dali, pelo
Vento em atropelo
Seguido,
Vou de porta em porta,
Como a folha morta
Batido...

Paul Verlaine
Tradução: Alphonsus de Guimaraens


''CANÇÃO DO OUTONO''


Os longos sons
dos violões,
pelo outono,
me enchem de dor
e de um langor
de abandono.

E choro, quando
ouço, ofegando,
bater a hora,
lembrando os dias,
e as alegrias
e ais de outrora.

E vou-me ao vento
que, num tormento,
me transporta
de cá pra lá,
como faz à
folha morta.


Paul Verlaine
Tradução: Onestaldo de Pennafort


''CANÇÃO DE OUTONO''


Estes lamentos
Dos violões lentos
Do outono
Enchem minha alma
De uma onda calma
De sono.

E soluçando,
Pálido, quando
Soa a hora,
Recordo todos
Os dias doidos
De outrora.

E vou à toa
No ar mau que voa.
Que importa?
Vou pela vida,
Folha caída
E morta.


Paul Verlaine
Tradução: Guilherme de Almeida

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 "Canção de outono"

Os soluços longos
dos violinos
pelo outono
Machucam meu coração
Em uma lânguida
Monotonia...

Todos os sufocantes
E pálidos, sons do tempo.
Quando
Lembro-me dos
Velhos tempos
E eu choro.

E eu vou,
Ao vento doente
Leva-me para
Aqui e acolá,
Como faz a
Folha morta.

Paul Verlaine

(Tradução sem pretensão)

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Paul-Marie Verlaine nasceu em Metz, França, em 30 de março de 1844. Filho de um militar abastado, estudou no Liceu Bonaparte -- hoje Condorcet -- de Paris e mais tarde conciliou o trabalho numa companhia de seguros com a vida boêmia nos círculos literários parisienses. Em seus primeiros livros, Poèmes saturniens (1866; Poemas saturninos) e Fêtes galantes (1869; Festas galantes), ouvem-se ecos do romantismo e do parnasianismo.
Simbolista, seu lirismo musical abriu novos caminhos para a poesia na França.
O lirismo musical e evanescente de Verlaine exerceu influência decisiva no desenvolvimento do simbolismo e abriu novos caminhos para a poesia francesa. Com Mallarmé e Baudelaire, Verlaine compõe o grupo dos chamados poetas decadentes.
Os vários livros de poemas que se seguiram apenas ocasionalmente recuperaram a antiga magia, como Amour (1888).
Da produção posterior de Verlaine, o que mais se destaca são os textos em prosa, como o ensaio Les Poètes maudits (1884; Os poetas malditos), vital para o reconhecimento público de Rimbaud, Mallarmé e outros autores, e as atormentadas obras autobiográficas Mes hôpitaux (1892; Meus hospitais) e Mes prisons (1893; Minhas prisões).

Paul Verlaine morreu em Paris em 8 de janeiro de 1896.

sábado, 7 de janeiro de 2012

''Amai-vos...''


Homenagem
Aniversário do nascimento de Gibran Kahlil Gibran ( جبران خليل جبران)
06 de janeiro de 1883, Bicharre, Líbia.

''Amai-vos...''


Amai-vos um ao outro,
mas não façais do amor um grilhão.

Que haja, antes, um mar ondulante
entre as praias de vossa alma.

Enchei a taça um do outro,
mas não bebais da mesma taça.

Dai do vosso pão um ao outro,
mas não comais do mesmo pedaço.

Cantai e dançai juntos,
e sede alegres,

mas deixai
cada um de vós estar sozinho.

Assim como as cordas da lira
são separadas e,
no entanto,
vibram na mesma harmonia.

Dai vosso coração,
mas não o confieis à guarda um do outro.

Pois somente a mão da Vida
pode conter vosso coração.

E vivei juntos,
mas não vos aconchegueis demasiadamente.

Pois as colunas do templo
erguem-se separadamente.

E o carvalho e o cipreste
não crescem à sombra um do outro.


Gibran Kahlil Gibran

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Seu nome completo é Gibran Kahlil Gibran. Assim assinava em árabe. Em inglês, preferiu a forma reduzida e ligeiramente modificada de Khalil Gibran. É mais comumente conhecido sob o simples nome de Gibran.

1883 - Nasceu em 6 de dezembro, em Bsharri, nas montanhas do Líbano, a uma pequena distância dos cedros milenares. Tinha oito anos quando, um dia, um temporal se abate sobre sua cidade. Gibran olha, fascinado, para a natureza em fúria e, estando sua mãe ocupada, abre a porta e sai a correr com os ventos.

Quando a mãe, apavorada, o alcança e repreende, ele lhe responde com todo o ardor de suas paixões nascentes: "Mas, mamãe, eu gosto das tempestades. Gosto delas. Gosto!" (Um de seus livros em árabe será intitulado Temporais).

1894 - Emigra para os Estados Unidos, com a mãe, o irmão Pedro e as duas irmãs Mariana e Sultane. Vão morar em Boston. O pai permanece em Bsharri.

1898/1902 - Vota ao Líbano para completar seus estudos árabes. Matricula-se no Colégio da Sabedoria, em Beirute. Ao diretor, que procura acalmar sua ambição impaciente, dizendo-lhe que uma escada deve ser galgada degrau por degrau, Gibran responde: "Mas as águias não usam escadas!"

1902/1908 - De novo em Boston. Sua mãe e seu irmão morrem em 1903. Gibran escreve poemas e meditações para Al-Muhajer (O Emigrante), jornal árabe publicado em Boston. Seu estilo novo, cheio de música, imagens e símbolos, atrai-lhe a atenção do Mundo Árabe. Desenha e pinta numa arte mística que lhe é própria. Uma exposição de seus primeiros quadros desperta o interesse de uma diretora de escola americana, Mary Haskell, que lhe oferece custear seus estudos artísticos em Paris.

1908/1910 - Em Paris. Estuda na Académie Julien. Trabalha freneticamente. Freqüenta museus, exposições, bibliotecas. Conhece Auguste Rodin. Uma de suas telas é escolhida para a Exposição das Belas-Artes de 1910. Nesse ínterim, morrem seu pai e sua irmã Sultane. 1910 - Volta a Boston e, no mesmo ano, muda-se para Nova York, onde permanecerá até o fim da vida. Mora só, num apartamento sóbrio que ele e seus amigos chamam As-Saumaa (O Eremitério). Mariana, sua irmã, permanece em Boston. Em Nova York, Gibran reúne em volta de si uma plêiade de escritores libaneses e sírios que, embora estabelecidos nos Estados Unidos, escrevem em árabe com idênticos anseios de renovação. O grupo forma uma academia literária que se intitula Ar-Rabita Al-Kalamia (A Liga Literária), e que muito contribuiu para o renascimento das letras árabes. Seus porta-vozes foram, sucessivamente, duas revistas árabes editadas em Nova York: Al-Funun (As Artes) e As-Saieh (O Errante).
1905/1920 - Gibran escreve quase que exclusivamente em árabe e publica sete livros nessa língua: 1905, A Música; 1906, As Ninfas do Vale; 1908, Espíritos Rebeldes; 1912, Asas Partidas; 1914, Uma Lágrima e um Sorriso; 1919, A Procissão; 1920, Temporais. (Após sua morte, será publicado u m oitavo livro, sob o título de Curiosidades e Belezas, composto de artigos e histórias já aparecidas em outros livros e de algumas páginas inéditas).

1918/1931 - Gibran deixa, pouco a pouco, de escrever em árabe e dedica-se ao inglês, no qual produz também oito livros: 1918, O Louco; 1920, O Precursor; 1923, O Profeta; 1927, Areia e Espuma; 1928, Jesus, o Filho do Homem; 1931, Os Deuses da Terra. (Após sua morte serão publicados mais dois: 1932, O Errante; 1933, O Jardim do Profeta.) Todos os livros em inglês de Gibran foram lançados por Alfred A. Knopf, dinâmico editor norte-americano com inclinação para descobrir e lançar novos talentos. Ao mesmo tempo em que escreve, Gibran se dedica a desenhar e pintar. Sua arte, inspirada pelo mesmo idealismo que lhe inspirou os livros, distingue-se pela beleza e a pureza das formas. Todos os seus livros em inglês foram por ele ilustrados com desenhos evocativos e místicos, de interpretação às vezes difícil, mas de profunda inspiração. Seus quadros foram expostos várias vezes com êxito em Boston e Nova York. Seus desenhos de personalidades históricas são também célebres.

1931 - Gibran morre em 10 de abril, no Hospital São Vicente, em Nova York, no decorrer de uma crise pulmonar que o deixara inconsciente.

'SOFISMAS'

(Pintura de Anouk Lacasse)


Às vezes
eu sou chuva
e escorro pelas valas
da desilusão.

Às vezes
sou vento
e percorro alamedas
inutilmente.

Por que sou chuva?
Por que sou vento?
Por que reclamo poemas?
cânticos tão verdes?
se já sou inverno
a entoar hinos de hosana
entre folhas secas
pisadas
machucadas demais
para inventarmos outra igual.


Alvina Nunes Tzovenos
Palavras ao Tempo

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

OS HOMENS OCOS


Homenagem ao poeta estadunidense, T.S. Eliot, pela passagem dos 47 anos de sua morte.
(St. Louis, 26 de setembro de 1888 — Londres, 4 de janeiro de 1965)

OS HOMENS OCOS

"A penny for the Old Guy"
(Um pêni para o Velho Guy)

Nós somos os homens ocos
Os homens empalhados
Uns nos outros amparados
O elmo cheio de nada. Ai de nós!
Nossas vozes dessecadas,
Quando juntos sussurramos,
São quietas e inexpressas
Como o vento na relva seca
Ou pés de ratos sobre cacos
Em nossa adega evaporada

Forma sem forma, sombra sem cor
Força paralisada, gesto sem vigor;

Aqueles que atravessaram
De olhos retos, para o outro reino da morte
Nos recordam - se o fazem - não como violentas
Almas danadas, mas apenas
Como os homens ocos
Os homens empalhados.


T S Eliot
Trad. Ivan Junqueira


The Hollow Men


Mistah Kurtz—he dead.

A penny for the Old Guy

I

We are the hollow men
We are the stuffed men
Leaning together
Headpiece filled with straw. Alas!
Our dried voices, when
We whisper together
Are quiet and meaningless
As wind in dry grass
Or rats’ feet over broken glass
In our dry cellar

Shape without form, shade without colour,
Paralysed force, gesture without motion;

Those who have crossed
With direct eyes, to death’s other Kingdom
Remember us—if at all—not as lost
Violent souls, but only
As the hollow men
The stuffed men.

T. S. Eliot


'Los hombres huecos'

I
Somos los hombres huecos
Los hombres rellenos de aserrín
Que se apoyan unos contra otros
Con cabezas embutidas de paja. ¡Sea!
Ásperas nuestras voces, cuando
Susurramos juntos
Quedas, sin sentido
Como viento sobre hierba seca
O el trotar de ratas sobre vidrios rotos
En los sótanos secos
Contornos sin forma, sombras sin color,
Paralizada fuerza, ademán inmóvil;
Aquellos que han cruzado
Con los ojos fijos, al otro Reino de la muerte
Nos recuerdan -si acaso-
No como almas perdidas y violentas
Sino, tan sólo, como hombres huecos,
Hombres rellenos de aserrín.

1925
TS Eliot

Thomas Stearns Eliot
foi um poeta modernista, dramaturgo e crítico literário inglês nascido nos Estados Unidos, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura de 1948.

Eliot nasceu em St. Louis, Missouri, nos Estados Unidos, mudou-se para a Inglaterra em 1914 (então com 25 anos), tornando-se cidadão britânico em 1927, com 39 anos de idade. Sobre sua nacionalidade e sua influência na sua obra, T.S. Eliot disse:

"My poetry wouldn’t be what it is if I’d been born in England, and it wouldn’t be what it is if I’d stayed in America. It’s a combination of things. But in its sources, in its emotional springs, it comes from America."

T. S Eliot residia em Londres. Depois da guerra, nos anos vinte, ele passou muito tempo com outros grandes artistas na avenida Montparnasse, em Paris, onde foi fotografado por Man Ray. A poesia francesa exerceu grande influência na obra de Eliot, em particular o simbolista Charles Baudelaire, cujas imagens da vida em Paris serviram de modelo para a imagem de Londres pintada por Eliot. Ele começou então a estudar sânscrito e religiões orientais, chegando a ser aluno do renomado armênio G. I. Gurdjieff. A obra de Eliot, após a sua conversão ao cristianismo pela Igreja Anglicana, é frequentemente religiosa em sua natureza e tenta preservar o inglês arcaico e alguns valores europeus que ele julgava serem importantes. Publicou o poema The Waste Land em 1922; em 1927 obteve a nacionalidade britânica. Em 1928, Eliot resumiu suas crenças muito bem no prefácio de de seu livro "Para Lancelot Andrews": "O ponto de vista geral [dos assuntos do livro] pode ser descrito como classicista na literatura, monarquista na política e anglo-católico na religião." Essa fase inclui trabalhos poéticos como Ash Wednesday, The Journey of the Magi, e Four Quartets.


(Imagem de Ben Goossens.)

ESBOÇO


Antes, somos sedas a esmo
Projetos libélula, bichos voláteis.
Antes é o esboço, o mais raso ensaio.
O amor chega no remanso dos ventos,
No ressaca dos atos.
O amor vinga mais tarde.

Fernando Campanella
Do blog do poeta.

''Minh'alma é triste''


Homenagem ao poeta Casimiro de Abreu, pela passagem de sues 176 anos.
(Silva Jardim, 4 de janeiro de 1839 — Nova Friburgo, 18 de outubro de 1860)


Minh'alma é triste como a rola aflita
Que o bosque acorda desde o alvor da aurora,
E em doce arrulo que o soluço imita
O morto esposo gemedora chora.


E, como a rôla que perdeu o esposo,
Minh'alma chora as ilusões perdidas,
E no seu livro de fanado gozo
Relê as folhas que já foram lidas.


E como notas de chorosa endeixa
Seu pobre canto com a dor desmaia,
E seus gemidos são iguais à queixa
Que a vaga solta quando beija a praia.


Como a criança que banhada em prantos
Procura o brinco que levou-lhe o rio,
Minha'alma quer ressuscitar nos cantos
Um só dos lírios que murchou o estio.


Dizem que há, gozos nas mundanas galas,
Mas eu não sei em que o prazer consiste.
— Ou só no campo, ou no rumor das salas,
Não sei porque — mas a minh'alma é triste!



II

Minh'alma é triste como a voz do sino
Carpindo o morto sobre a laje fria;
E doce e grave qual no templo um hino,
Ou como a prece ao desmaiar do dia.


Se passa um bote com as velas soltas,
Minh'ahna o segue n'amplidão dos mares;
E longas horas acompanha as voltas
Das andorinhas recortando os ares.


Às vezes, louca, num cismar perdida,
Minh'alma triste vai vagando à toa,
Bem como a folha que do sul batida
Bóia nas águas de gentil lagoa!


E como a rola que em sentida queixa
O bosque acorda desde o albor da aurora,
Minha'ahna em notas de chorosa endeixa
Lamenta os sonhos que já tive outrora.


Dizem que há gozos no correr dos anos!...
Só eu não sei em que o prazer consiste.
— Pobre ludíbrio de cruéis enganos,
Perdi os risos — a minh'alma é triste!



III

Minh'alma é triste como a flor que morre
Pendida à beira do riacho ingrato;
Nem beijos dá-lhe a viração que corre,
Nem doce canto o sabiá do mato!


E como a flor que solitária pende
Sem ter carícias no voar da brisa,
Minh'alma murcha, mas ninguém entende
Que a pobrezinha só de amor precisa!


Amei outrora com amor bem santo
Os negros olhos de gentil donzela,
Mas dessa fronte de sublime encanto
Outro tirou a virginal capela.


Oh! quantas vezes a prendi nos braços!
Que o diga e fale o laranjal florido!
Se mão de ferro espedaçou dois laços
Ambos choramos mas num só gemido!


Dizem que há gozos no viver d'amores,
Só eu não sei em que o prazer consiste!
— Eu vejo o mundo na estação das flores
Tudo sorri — mas a minh'alma é triste!



IV

Minh'alma é triste como o grito agudo
Das arapongas no sertão deserto;
E como o nauta sobre o mar sanhudo,
Longe da praia que julgou tão perto!


A mocidade no sonhar florida
Em mim foi beijo de lasciva virgem:
— Pulava o sangue e me fervia a vida,
Ardendo a fronte em bacanal vertigem.


De tanto fogo tinha a mente cheia!...
No afã da glória me atirei com ânsia...
E, perto ou longe, quis beijar a s'reia
Que em doce canto me atraiu na infância.


Ai! loucos sonhos de mancebo ardente!
Esp'ranças altas... Ei-las já tão rasas!...
— Pombo selvagem, quis voar contente...
Feriu-me a bala no bater das asas!


Dizem que há gozos no correr da vida...
Só eu não sei em que o prazer consiste!
— No amor, na glória, na mundana lida,
Foram-se as flores — a minh'alma é triste!

Casimiro de Abreu

Casimiro José Marques de Abreu (Silva Jardim, 4 de janeiro de 1839 — Nova Friburgo, 18 de outubro de 1860) foi um poeta brasileiro da segunda geração romântica.
oi filho do abastado comerciante e fazendeiro português José Joaquim Marques de Abreu[ e de Luísa Joaquina das Neves, uma fazendeira de Silva Jardim (na época, Capivary), viúva do primeiro casamento. Com José Joaquim ela teve três filhos, embora nunca tenham sido oficialmente casados. Casimiro nasceu na Fazenda da Prata, em Casimiro de Abreu, propriedade herdada por sua mãe em decorrência da morte do seu primeiro marido, de quem não teve filhos.[1]

A localidade onde viveu parte de sua vida, Barra de São João, é hoje distrito do município que leva seu nome, e também chamada "Casimiro de Abreu", em sua homenagem. Recebeu apenas a instrução primária no Instituto Freeze, dos onze aos treze anos, em Nova Friburgo, então cidade de maior porte da região serrana do estado do Rio de Janeiro, e para onde convergiam, à época, os adolescentes induzidos pelos pais a se aplicarem aos estudos.

Aos treze anos transferiu-se para o Rio de Janeiro para trabalhar com o pai no comércio. Com ele, embarcou para Portugal em 1853, onde entrou em contato com o meio intelectual e escreveu a maior parte de sua obra. O seu sentimento nativista e as saudades da família escreve: "estando a minha casa à hora da refeição, pareceu-me escutar risadas infantis da minha mana pequena. As lágrimas brotavam e fiz os primeiros versos de minha vida, que teve o título de Ave Maria".

Em Lisboa, foi representado seu drama Camões e o Jau em 1856, que foi publicado logo depois.
Seus versos mais famosos do poema Meus oito anos: Oh! Que saudades que tenho/da aurora da minha vida,/ da minha infância querida/que os anos não trazem mais!/ Que amor, que sonhos, que flores,/naquelas tardes fagueiras,/ à sombra das bananeiras,/ debaixo dos laranjais!

Em 1857 retornou ao Brasil para trabalhar no armazém de seu pai. Isso, no entanto, não o afastou da vida boêmia. Escreveu para alguns jornais e fez amizade com Machado de Assis. Escolhido para a recém fundada Academia Brasileira de Letras, tornou-se patrono da cadeira número seis.

Tuberculoso, retirou-se para a fazenda de seu pai, Indaiaçu, hoje sede do município que recebeu o nome do poeta, onde inutilmente buscou uma recuperação do estado de saúde, vindo ali a falecer. Foi sepultado conforme seu desejo em Barra de São João, estando sua lápide no cemitério da secular Capela de São João Batista, junto ao túmulo de seu pai. Em 1859 editou as suas poesias reunidas sob o título de Primaveras.

Espontâneo e ingênuo, de linguagem simples, tornou-se um dos poetas mais populares do Romantismo no Brasil. Seu sucesso literário, no entanto, deu-se somente depois de sua morte, com numerosas edições de seus poemas, tanto no Brasil, quanto em Portugal. Deixou uma obra cujos temas abordavam a casa paterna, a saudade da terra natal, e o amor (mas este tratado sem a complexidade e a profundidade tão caras a outros poetas românticos). A despeito da popularidade alcançada pelos livros do poeta, sua mãe, e herdeira necessária, morreu em 1859 na mais absoluta pobreza, não tendo recebido um tostão sequer em termos de direitos autorais, fossem do Brasil, fossem de Portugal.

domingo, 1 de janeiro de 2012

Delores Pires


Despede-se o Velho.
No sorriso da Criança
esperanças novas.

(Delores Pires)