A alma é um cenário.
Por vezes, ela é como uma manhã brilhante e fresca,
inundada de alegria.
Por vezes ela é como um pôr do sol...
triste e nostálgico.

-Rubem Alves-

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domingo, 26 de junho de 2011

O homem de neve

É preciso ter uma mente de inverno
Para observar a geada e os ramos
Dos pinheiros de neve encobertos:

E ter estado frio por um longo tempo
Para contemplar os zimbros densos de gelo,
Os abetos ásperos no brilho longínquo

Do sol de janeiro; e não pensar
Em aflição alguma ao som do vento,
Ao som das folhas escassas

Que é o som da terra
Repleta do mesmo vento que sopra
naquelas mesmas regiões desfolhadas

para o que escuta, o que escuta na neve,
e, nada em si próprio, nada contempla
que lá não se ache, mirando o nada que lá está.

Wallace Stevens
Tradução de Fernando Campanella

The Snow Man

One must have a mind of winter
To regard the frost and the boughs
Of the pine-trees crusted with snow;

And have been cold a long time
To behold the junipers shagged with ice,
The spruces rough in the distant glitter

Of the January sun; and not to think
Of any misery in the sound of the wind,
In the sound of a few leaves,

Which is the sound of the land
Full of the same wind
That is blowing in the same bare place

For the listener, who listens in the snow,
And, nothing himself, beholds
Nothing that is not there and the nothing that is.

Wallace Stevens
(October 2, 1879 – August 2, 1955) was a major American Modernist poet. He was born in Reading, Pennsylvania, educated at Harvard and then New York Law School, and spent most of his life working as a lawyer for the Hartford insurance company in Connecticut.

His best-known poems include "Anecdote of the Jar", "Disillusionment of Ten O'Clock", "The Emperor of Ice-Cream", "The Idea of Order at Key West", "Sunday Morning", "The Snow Man", and "Thirteen Ways of Looking at a Blackbird", all of which appear in his Collected Poems for which he won the Pulitzer Prize for Poetry in 1955.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

O vento move-se

Assim se move o vento :
como os pensamentos de um velho humano
que ainda pensa com fúria
e avidez.
Assim se move o vento :
como um humano sem ilusões
que ainda sente coisas irracionais dentro dela.
Assim se move o vento :
como humanos que orgulhosos se aproximam,
como humanos que em fúria se aproximam.
Assim se move o vento :
pesado e pesado, como um humano
que não se importa.


Wallace Stevens in. "Antologia " relógio d'água

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Infinito

Nós estamos face a face.
Tu te refletes em mim,
eu me reflito em ti
(espelhos paralelos)
e entre nós dois
o estado normal:

vazio impaciente
á espera de uma alegria ou de uma tristeza
que
multiplicada por si mesma
venha encher a galeria incomensuravel
de nossas vidas face a face.

Felipe de Oliveira
Em: Bazar, ano 1, n.4, nov.1931.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

DREAMS IN THE DUSK

(Fotografia de Fernando Campanella


Dreams in the dusk,
Only dreams closing the day
And with the day's close going back
To the gray things, to the dark things,
The far, deep things of dreamland.

Dreams, only dreams in the dusk,
Only the old remembered pictures
Of lost days when the day's loss
Wrote in tears the heart's loss.

Tears and loss and broken dreams
May find your heart at dusk.

(Carl Sandburg)



SONHOS NO CREPÚSCULO

Sonhos no crepúsculo,
Apenas sonhos encerrando o dia,
Retornando-o com tal desfecho,
Aos tons cinza, escurecidos,
Às coisas fundas e longínquas
Do território dos sonhos.

Sonhos, apenas sonhos no crepúsculo,
Apenas as rotas imagens lembradas
Dos tempos idos, quando o ocaso de cada dia
Escrevia em prantos as perdas da afeição.

Lágrimas e perdas e sonhos desfeitos
Talvez acolham teu coração
ao anoitecer.


Carl Sandburg
Tradução de Fernando Campanella

domingo, 12 de junho de 2011

Segunda Opção


Domingos são dias iguais
e tão diferentes,
que não merecem
a tensão da gente.

Domingos são dias iguais
e tão distantes,
que não merecem
a aflição do crente.

Domingos são dias iguais
e tão dolentes,
que não merecem
a curtição da gente.

Melhor roubar e gozar
o cio da segunda-feira.


Jairo De Britto,
em “Dunas de Marfim”.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Inquietação


I

Dentro da tarde, de quando em quando,
há um ligeiro rumor de asa frágeis e lentas,
de asas que estão cansadas.

Por que será que aquelas asas me comovem?

Dentro da noite, de quando em quando,
esse mesmo rumor continua, lá fora,
rumor de asas que estão cansadas.

Por que será que aquelas asa me inquietam?



II

Alma, errante,
eu vi a sombra traiçoeira
descer, rápido, e cair pesadamente sobre as grandes arvores retorcidas.

Oh, o ruflar aflito das asas
mergulhadas na sombra.

Alma errante, alma errante:
eu ouvi o choro da terra.
O frio, o desesperado
choro da terra

- Oh, a voz milenária do vento
que ulula na sombra.

Alma errante:
tu não vês, não ouves?
É a grande sombra, há qualquer coisa na sombra.

- Oh, o ruflar aflito das asas
mergulhadas na sombra.



III

Nesta noite tão cheia de rumores vagos,
(o vento brame, lá fora, agita-se... Que terá o vento?)
como esta voz, cá dentro, é profética e triste.
Vento frio da noite,
vento inquieto da noite!

Pensar que todas as raízes serão arrancadas, algum dia,
E que então não haverá mais desejo sobre desejo,
Numa noite que será também cheia de rumores vagos.



Emílio Moura
In: Itinerário Poético

terça-feira, 7 de junho de 2011

A Água


Despe, na solidão da tarde,
Tua roupagem manchada de quotidiano,
E deixa que a chuva molhe teus cabelos
E vista teu corpo de escamas de prata.
Pousa, em teus ombros, o manto dos lagos
E colhe no cântaro de tuas mãos
A música dos dias que adormeceram
No fundo de teu ser.
Mármores líquidos moldarão teu corpo.
Nuvem,
Penetrarás a carne da manhã.


Paulo Bomfim
Publicado no livro Quinze Anos de Poesia (1958).
In: BOMFIM, Paulo. Antologia poética. São Paulo: Martins, 1962. p.7

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Rios que Choram


Choras a dor da morte,
embalas os soluços da destruição,
cantas teu pranto silencioso
de um tempo de mansidão

Caminhas a ermo,
munido de cores estrelares
entregue a pouca liberdade,
alimentando a seca da tua alma

Rios que saboreiam a terra
libertos, conscientes e despertos,
caminho melódico que sacia e alimenta
o clamor disparado da fúria


Conceição Bentes
05/06/2011

domingo, 5 de junho de 2011

CANÇÃO NA JANELA

Há pouco emergi
da mornidão do sono.
Pensei flutuar:
onde termina minha vida
e começa o mar?
Tudo ao meu redor são dois
cristais reverberando.

Meu destino me contempla
indagador:
nesta imensidão
sou um capim perfumado
que balança, a um tempo
susto e chamamento
-pronta para me desfazer
em outra alma.

Lya Luft
In: Secreta Mirada

INFÂNCIA


Névoa encostada na janela,
qualquer coisa roçando o telhado:
o medo me contornava
- talvez simplesmente o vento.

A escada da sombra, a aventura
dos degraus, na curva de madeira
os passos de quem não vinha
- ou de um coração atento.

Longas rosas de longa paciência,
os silêncios e os prantos;
alguém arranhando a parede
- ou eram apenas lembranças?

Algo sempre em movimento:
a vida arrastando as pantufas
nos corredores do tempo
- fiquei esquecida num canto?


Lya Luft
PARA NÃO DIZER ADEUS

FLORESTA


Na floresta não existe nem rebanho, nem pastor
Quando o inverno caminha, segue seu distinto curso como faz a primavera
Os homens nasceram escravos daquele que repudia a submissão
Se ele um dia se levanta, lhes indica o caminho, com ele caminharão
Dá-me a flauta e canta!
O canto é o pasto das mentes,
e o lamento da flauta perdura mais que rebanho e pastor

Na floresta não existe ignorante ou sábio
Quando os ramos se agitam, a ninguém reverenciam
O saber humano é ilusório como a cerração dos campos
que se esvai quando o sol se levanta no horizonte
Dá-me a flauta e canta!
O canto é o melhor saber,
e o lamento da flauta sobrevive ao cintilar das estrelas

Na floresta só existe lembrança dos amorosos
Os que dominaram o mundo e oprimiram e conquistaram,
seus nomes são como letras dos nomes dos criminosos
Conquistador entre nós é aquele que sabe amar
Dá-me a flauta e canta!
E esquece a injustiça do opressor
Pois o lírio é uma taça para o orvalho e não para o sangue

Na floresta não há crítico nem sensor
Se as gazelas se perturbam quando avistam companheiro, a águia não diz: ‘Que estranho’
Sábio entre nós é aquele que julga estranho
apenas o que é estranho
Ah, dá-me a flauta e canta!
O canto é a melhor loucura
e o lamento da flauta sobrevive aos ponderados e aos racionais

Na floresta não existem homens livres ou escravos
Todas as glórias são vãs como borbulhas na água
Quando a amendoeira lança suas flores sobre o espinheiro,
não diz: ‘Ele é desprezível e eu sou um grande senhor’
Dá-me a flauta e canta!
Que o canto é glória autêntica,
e o lamento da flauta sobrevive ao nobre e ao vil

Na floresta não existe fortaleza ou fragilidade
Quando o leão ruge não dizem: ‘Ele é temível’
A vontade humana é apenas uma sombra que vagueia no espaço do pensamento,
e o direito dos homens fenece como folhas de outono
Dá-me a flauta e canta!
O canto é a força do espírito,
e o lamento da flauta sobrevive ao apagamento dos sóis

Na floresta não há morte nem apuros
A alegria não morre quando se vai a primavera
O pavor da morte é uma quimera que se insinua no coração
Pois quem vive uma primavera é como se houvesse vivido séculos
Dá-me a flauta e canta!
O canto é o segredo da vida eterna,
e o lamento da flauta permanecerá após findar-se a existência

Gibran Khalil Gibran